Capítulo 198 – Reunião de emergência
O sol ainda não havia nascido, mas Ayla era acostumada a acordar mais cedo. Era diferente quando dormia tendo as estrelas como teto e quando dormia sob um teto de verdade. Ela abriu os olhos devagar e bocejou. Assim que despertou mais um pouco, sentiu o braço de Colin sob sua cintura e seus corpos colados.
Olhou por cima dos ombros e ele estava ali, roncando baixinho. Ayla ficou envergonhada e desistiu da ideia de levantar da cama, até arredou devagarzinho para trás, ficando mais próxima ainda dele.
Dormiram mais uma hora antes de Jane se levantar e abrir as cortinas abruptamente. Todos eles abriram os olhos semicerrados devido à claridade. Colin abriu um olho e viu que Ayla estava próxima demais. Ele tirou a mão dela e se ergueu rapidamente.
Já a rainha se sentou e espreguiçou como se nada tivesse acontecido.
— Bom dia, Colin, dormiu bem? — Indagou em um tom meigo.
Colin assentiu e passou por ela, mas Jane pulou em suas costas.
— E então, chefinho, quais os planos para hoje?
Com o cenho franzido, Colin a encarou por cima dos ombros.
— Você sabe muito bem o que vamos fazer hoje.
Jane fez beicinho.
— Não precisa ser tão malvado, Colinzinho, foi só uma pergunta. — Ela se aproximou do ouvido dele e sussurrou — Dormindo agarradinho com a rainha, esse é o meu Colinzinho, não se contentando com a rainha do abismo, ele quer a rainha de Runyra também, que danadinho hehe eu também sou uma rainha, Colinzinho, caso não saiba.
Colin tirou os braços de Jane do pescoço e foi para fora do quarto. Jane e Ayla cruzaram olhares. Enquanto Jane portava um semblante de deboche, Ayla permanecia bem séria. Após jogar o cabelo para trás dos ombros, Jane abriu um sorriso e foi pulando para fora do quarto.
— Não devia cair nas provocações dela — disse Valagorn alongando-se — Ela só quer te irritar.
Ayla se ergueu e ajeitou seu cabelo.
— Como se eu fosse cair nessas provocações infantis.
— Já pensou em como vai dar a notícia aos seus conselheiros?
Eles começaram a caminhar para fora do quarto enquanto os carniceiros continuavam dormindo, mesmo com aquela claridade.
— Tenho alguma ideia, mas não sei como eles vão reagir. Estadistas são imprevisíveis e vão querer proteger os interesses do estado.
— Sei bem como é, na minha cidade natal, fui cotado para ser o conselheiro do rei recém-coroado na época, apesar de meu ofício ser outro. Fiquei trabalhando na corte por alguns meses antes de pedir para que o rei me destituísse. Durou pouco tempo, mas o suficiente para que eu me mantivesse longe de toda sujeira da corte. Imagino que para você seja mais difícil, já que é a administradora principal e ainda se dispões a vir para a linha de frente. Uma regente completa, eu diria.
Ayla suspirou, ela sabia muito bem como era a sujeira dentro de seu próprio reino.
— Mesmo com tudo isso, ainda sou a ferramenta deles. Não posso ir ao banheiro sem que saibam, e ir para o território hostil com Colin já me rendeu horas e horas de sermão — Ela abriu um sorriso genuíno — Apesar de tudo, foi divertido. Me senti viva, de verdade…
Valagorn assentiu.
— Você é uma boa rainha, coloca a vontade do povo na frente da sua. Governantes deviam ser assim.
Ayla cruzou os braços e desviou o olhar.
— Eu só fiz isso porque não tinha objetivo… Percebi a pouco tempo, mas eu… só segui as vontades do meu pai até agora, e fiz o que achei ser o certo, mesmo com todos eles contra mim.
— E agora, você tem objetivo? Digo… um objetivo próprio?
Ela abriu um sorriso de canto.
— Eu estava me contentando apenas em assumir o centro-leste, mas Colin veio com aquele assunto de unificar o continente. Claro que a ideia soou absurda em um primeiro momento, mas comecei a considerá-la após observar o carniceiro em combate. Pensei que, com ele, talvez fosse possível e, como aconteceu com meu pai, o sonho dele se tornou o meu, mas é diferente. Diferente do meu pai que concretizou tudo sozinho, com Colin eu também estou ajudando.
Valagorn assentiu. O brilho no olhar dela ao falar daquilo demonstrava que suas palavras eram genuínas.
— O garoto, ele vai precisar de você.
Ayla afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha.
— Por que diz isso?
— Jane e eu tentaremos mantê-lo na linha, mas é você que partilha o mesmo sonho que ele. Ficará mais tempo com o garoto, e mesmo que ele seja durão, o garoto precisará de apoio.
Ela desviou o olhar.
— Ele ainda ama aquela mulher, não sei se vai ter espaço para mim nisso…
Valagorn deu dois tapinhas no ombro dela.
— Tudo no seu tempo, rainha.
Ela deu de ombros e assentiu.
— É, você tem razão.
Eles seguiram para o refeitório e tomaram café. Os carniceiros chegaram em seguida como um furacão devorando tudo em cima da extensa mesa de madeira. Era do interesse de Valagorn e de Jane que aquela aliança entre Colin e Ayla seguisse adiante e fosse estabilizada. Com tudo que vinha pela frente, consideravam Ayla um reforço essencial, assim como também consideravam Brighid, mas não faziam ideia de onde Brighid estava, e o tempo no momento era crucial.
Estavam dispostos a empurrar Colin para o topo, já o viam como o único viável para deter Drez’gan e os apóstolos.
Terminaram de tomar café, se arrumaram e partiram rumo a capital de Runyra. Cavalgaram por algumas horas até que viram ao longe as grandes construções. Assim que adentraram a cidade foram recepcionados pela guarda e alguns civis que ficaram contentes com o retorno de sua rainha.
Tuly, líder da guarda da cidade, espalhou que os carniceiros foram essenciais para livrar Runyra da invasão Orc, e parte da população começou a vê-los com bons olhos, principalmente Colin, que era o líder deles.
Todo aquele grupo foi para dentro do palácio sendo recepcionados pelos cinco membros do conselho. Alguns não estavam nem um pouco felizes de ver Ayla sem único arranhão, enquanto outros prezavam o bem-estar de sua governante, já que a viam como um importante pilar.
Ayla solicitou uma reunião de emergência com os membros do conselho e Colin foi convidado a participar. Ele sabia do que se tratava e aceitou acompanhá-la.
Antes dos carniceiros se separarem de seu líder, Jane chamou o errante.
— Colinzinho, eu tenho algo para você! — Correu até ele e pulou em seus braços, dando um abraço apertado. — Escuta — Sussurrou em seu ouvido — Seja firme, você é o líder dos carniceiros. Aqueles velhos borrarão de medo só de você falar mais grosso com eles, e não deixe que eles desrespeitem você e nem a bonitinha. Seja um homem, mostre quem manda, ouviu? Agora vá lá e faça o seu trabalho.
Jane se desvencilhou dele e o encarou com um sorriso provocante.
— Gostou do meu presente, Colinzinho? — Jane inclinou para o lado e viu que Ayla encarava os dois com o cenho franzido. Ela deu uma piscadela para a rainha e afastou saltitante.
Colin não demonstrou nenhuma reação, apenas se virou para frente e caminhou junto aos conselheiros e Ayla para a sala de reunião.
Ela era ampla e bem iluminada com diversos olhos em um grandioso lustre. A madeira da mesa parecia brilhar, assim como as cadeiras. O piso era de granito branco, dando um toque da realeza a uma sala de reunião.
Os conselheiros usando túnicas brancas com detalhes em dourado se sentaram. Ayla se sentou na ponta e Colin se sentou na outra.
Nilsson, um homem de pele enrugada e cabelo grisalho, foi o primeiro a falar.
— Se a senhora retornou, então acredito que tenha conquistado o território hostil, correto? — Indagou em um tom soberbo — É bom ver que ainda pode lutar, rainha. — Ele abriu um sorriso debochado — O seu pai era mesmo um visionário, e eu já duvidei da sua capacidade de liderança háhá — Ele olhou sorrindo para todos os conselheiros — Quem diria que aquela mulher que fica o dia todo atrás de uma mesa de escritório poderia ir ao território hostil e retornar, não é?
Ayla abriu um sorriso de canto e apoiou as mãos na mesa, entrelaçando os dedos frente ao corpo.
— Pois é, conselheiro Nilsson, você ainda está vivo mesmo tendo idade bem avançada, ambos estamos surpresos com o outro. Os deuses continuam postergando sua vida, às vezes me pergunto para qual o propósito, já que o senhor não faz nada além de ficar em bordéis e ouvi que algumas prostitutas desdenham de seu desempenho. Se você falha na única coisa que sabe fazer, então me pergunto, qual o seu propósito aqui? — Nilsson franziu o cenho — Agora que tal irmos direto ao que interessa?
— Devia ter mais respeito, mocinha! — Alertou Berta — Nilsson ajudou o seu pai a erguer esse lugar, ele estava aqui muito antes de você nascer!
Ayla inclinou o corpo.
— Conselheira, a senhora e o senhor Nilsson às vezes esquecem que estão falando com a rainha. Não sou eu que devo respeito a vocês, são vocês que devem respeito a mim, então sugiro que paremos de divagar e vamos direto ao ponto, sim?
Os conselheiros ficaram sérios e nada mais disseram.
— Como já sabem — Continuou Ayla — O território hostil não é mais hostil, ele agora pertence a Runyra, mas nós não vamos enviar ninguém para lá.
— Isso é um absurdo! — Herond, de pele clara e careca, deu um tapa na mesa com sua mão-cheia de anéis — Faz anos que aqueles desgraçados tentam invadir nosso território, inclusive você mesma já lutou contra eles, e agora quando você tem a chance de exterminar aqueles monstros, você vai deixá-los fazer o que querem? Quer dar a chance de eles armarem uma rebelião contra Runyra no futuro?
— Herond está coberto de razão! — disse Berta — Que tipo de regente conquista novas terras e não as coloniza?
Ayla apontou o queixo para Colin.
— Colin e eu fizemos isso juntos. As criaturas o chamam de rei, e seria problemático avançar contra o território hostil com desejos expansionistas. Não quero uma briga com o rei das criaturas, vocês querem?
Os conselheiros fizeram muxoxo, mas não reclamaram.
— Bem — Ayla continuou — Os Orcs e os Hobgoblins não existem mais, exterminamos todos eles. Não há mais o que temer. O que sobrou foram somente as criaturas e eles obedecem ao mais forte. Enquanto Colin estiver do nosso lado, eles nada farão para nos prejudicar. Mais alguma objeção? — Ninguém nada disse — Ótimo, agora gostaria de tocar em um ponto mais delicado que acredito ser do interesse de todos. Como sabem, ofereci ajuda ao carniceiro se ele me ajudasse com Nag, e ele ajudou. Percebi o quão útil ele pode ser em batalha. Examinei suas tomadas de decisões e em como as criaturas o obedeciam.
— Onde quer chegar? — Indagou Nilsson.
— O território do carniceiro é vasto, cheio de minerais e com muitas terras aráveis, porém, é infestado de monstros e mercenários. Há até rotas de contrabando de escravos que ocorrem mais ao sul. Propus ajudá-lo com esse problema, mas para isso, para haver esse fortalecimento entre os territórios, o matrimônio é necessário, na verdade, é a única forma de isso funcionar.
Os conselheiros ficaram de queixo caído.
— Quer se casar com um assassino? — Indagou Nilsson indignando — Isso envergonharia o seu pai e este reino! Onde está a decência?
— Nilsson tem razão! — Esbravejou Herond — Quer que o reino prospere através dessa união? Impossível! — Ele apontou o dedo para Colin — Esqueceu o que ele fez com o duque Otto? Quem garante que nós não seremos os próximos?
— O rapaz não é um rei de verdade! — Foi a vez de Berta esbravejar — Rejeitou todos aqueles nobres do Norte e do Sul para acabar com uma união com um rei de mentira? Tudo que o garoto conseguiu, foi através de sangue, não apoio esse casamento!
— Vocês estão deixando sentimentos pessoais os afetarem — disse Khalid, a conselheira de cabelo curto e olhos esverdeados — Essa união seria benéfica para o reino. Juntaríamos dois grandes territórios, e ainda teríamos o território hostil como um estado vassalo.
Randal, de cabelo grisalho e com cabelo somente nas laterais, concordou com Khalid com um grunhido.
— É mais benéfico manter o carniceiro por perto. Se ele viesse morar na capital, acredito que as pessoas se sentiriam mais seguras, principalmente aquelas nos vilarejos mais distantes, onde os carniceiros foram bem úteis na invasão Orc.
Nilsson cerrou o punho e bateu na mesa.
— Vocês estão loucos? Esqueceram de quem estamos falando? Ele é o líder dos carniceiros, demônios que amam carnificina!
— Querem mesmo que o futuro do reino saia dessa união? — Indagou Berta — Os príncipes não terão a pureza sanguínea, serão filhos de uma rainha e um vagabundo!
Colin estava quieto a todo momento, apenas os ouvindo. Ele abriu um sorriso de canto ao ouvir todas aquelas ofensas. Foi Ayla que se indignou. De fato, para a maioria dos conselheiros, ela era apenas uma ferramenta, e o matrimônio com Colin era inadmissível porque eles não podiam controlá-lo, e se Ayla fosse influenciada por ele as coisas desandariam para a corte.
— Vocês não vão decidir esse tipo de coisa por mim! — Foi a vez de Ayla aumentar o tom de voz — A decisão do matrimônio é puramente política! Imaginem os benefícios do comércio com essa união, os novos negócios, a agricultura, o quão forte se tornaria nossa força militar, tudo isso com o matrimônio. Além da expansão do território, seria um avanço tão benéfico que nem mesmo Ultan conseguiu realizar isso em vida. Iriamos enriquecer nosso território e juntos, teríamos a chance de finalmente derrubar Alexander e conquistar o centro-leste.
— Vou unificar o continente. — Foi a primeira coisa que Colin disse, calando todos eles.
Atônitos, os conselheiros começaram a se encarar com a boca aberta. Para senhores acomodados há anos, aquela ideia soou utópica e, ao mesmo tempo, suicida.
— Ficou maluco? — Indagou Nilsson furioso.
Colin apoiou apenas a mão direita em cima da mesa.
— Ayla e eu já sabemos que há traidores entre vocês.
Ouvir o carniceiro dizer aquilo os deixou sem reação, e alguns dos conselheiros até suaram frio.
— Traição? — Indagou Herond rangendo os dentes em cólera — Está imputando um crime tão grave ao conselho? Isso é punível com a morte! — Ele se ergueu e apontou para Colin enquanto espumava a de raiva — Convocarei os guardas para prendê-lo, seu mestiço desgraçado!
Colin o encarou com olhos frios e apontou o indicador para a cadeira onde ele estava.
— Senta, agora.
Herond cerrou os dentes.
— Quem você pensa que é para me mandar fazer algo? É só um assassino! Você não tem poder aqui!
— A primeira coisa que vocês precisam entender, é que não sou tão gentil quanto Ayla. Se já ouviram mesmo falar de mim, sabem exatamente do que sou capaz, certo? O próximo que faltar com respeito verá mais do carniceiro do centro-leste.
Abrindo um sorriso debochado, Herond deixou seu assento e foi até Colin. Para ele, aquilo era um blefe. O conselho era a autoridade suprema depois da rainha, mexer com eles era como mexer com Runyra, mas Colin não sabia disso, e mesmo se soubesse, não seria isso que o amedrontaria.
— Quer começar uma guerra, mestiço? Toque em mim e é isso que você terá!
Colin se ergueu, e Herond se assustou com a diferença de altura, mas continuou firme.
— O que vai faz-
Bam!
Colin foi para trás dele e o derrubou na mesa de madeira segurando seu braço por trás. Os conselheiros encararam a cena apavorados, enquanto Ayla ficou quieta, apenas observando.
— M-Me solte, mestiço! Ficou louco? Guardas! Entrem aqui e prendam este homem!
Claymore se transformou em uma adaga e Colin começou a cortar a mão direita de Herond como se cortasse frango. O conselheiro berrou sem parar e os guardas entraram rapidamente na sala apontando espadas para Colin.
O carniceiro soltou o conselheiro que veio ao chão segurando o braço decepado enquanto berrava sem parar. Os guardas não sabiam o que estava acontecendo. Olharam para Ayla que estava até sorrindo com a situação.
— Arrrg! P-Prendam este desgraçado! Levem-no a guilhotina, a forca, deem um jeito de fazê-lo pagar!
Herond cerrou os dentes tão forte devido à dor que eles quase se partiram. Se revirou no chão enquanto gemia sem parar.
Colin se sentou na cadeira e jogou a mão de Herond em cima da mesa. Alguns dos conselheiros se seguraram para não golfar.
— Vocês estão velhos, mas ainda tem tempo de aprender algo. — Colin abriu um sorriso malicioso — Vou me casar com Ayla, e isso vai me tornar rei, certo? A primeira coisa que precisam entender é a respeitar tanto a mim quanto ela. — Ele olhou para os guardas — Tratem o ferimento dele e fechem a porta quando saírem.
Os guardas engoliram o seco e olharam para Ayla, que apenas assentiu com a cabeça.
— Desgraçado! — esperneava Herond enquanto os guardas o arrastavam para fora — Você vai me pagar, ouviu? Vai me pagar!
Bam!
Fecharam a porta.
Apavorados, os conselheiros nada mais disseram, nem mesmo Nilsson que estava tão combativo anteriormente.
— Agora podemos conversar como pessoas civilizadas? — Todos ficaram em silêncio — Ótimo! Como eu disse antes, sabemos que há traidores entre vocês, Herond poderia ser um deles, não faz diferença. Só lamento que tudo que o pontífice prometeu a vocês não irá se cumprir, porque Alexander não pode me vencer, ninguém pode. Acreditam que eu viria com uma ideia dessa se eu não achasse que fosse possível concretizá-la? Começarei com o centro-leste, depois farei um acordo com o Norte e tomarei Rontes. Terei acesso ao mar, acesso a outros continentes. O centro-leste se tornará o lugar mais rico do continente e isso vai facilitar as coisas. Acredito que os comerciantes ficarão felizes com essa notícia. Ayla se casar comigo, é apenas uma pequena parte de algo maior. — Ele espremeu a vista — Por isso traidores sofrerão as consequências. A partir de hoje saibam que haverá pessoas de olho em vocês. Vocês não darão um passo sem eu saber. Não entendam errado, não sou um tirano, só trato todos como merecem ser tratados, e no momento eu não confio em vocês.
Ayla assentiu com um sorriso.
— Com tudo isso dito — disse ela afastando uma mecha de cabelo — Acredito que devem estar preocupados com os gastos dos cofres públicos, mas usarei pouco recurso. Os carniceiros terão o mínimo de ajuda possível já que são uma força independente. Com o território de Colin limpo, acredito que só teremos a ganhar.
— Q-Quando será o casamento? — Indagou Berta com a voz trêmula.
— Assim que o território for limpo. Poderemos aceitar pessoas do ducado de Colin para o nosso e o contrário também poderá acontecer. O que não faltará são terras para o cultivo.
— B-Bem, olhando por esse lado, acredito que esteja tudo bem…
— S-Sim — concordou Nilsson — Berta tem razão. — Nilsson se levantou e fez uma reverência — Será uma honra servi-lo, majestade.
Colin assentiu.
— Cuidado, conselheiro, as paredes têm ouvidos a partir de hoje.
— Ca-Claro, senhor.
Ayla relaxou na cadeira e suspirou.
— Nossa reunião está encerrada. Repassem o que foi dito aqui para os nobres e os deixem a par da situação. Falem com o tesoureiro e diga para ele preparar uma parte mínima das finanças para ajudar o carniceiro. Digam ao Tuly para preparar cinquenta homens bem treinados para seguir com o carniceiro de volta ao ducado. Dito isso, a reunião acabou, podem ir.
Os conselheiros fizeram uma reverência e deixaram a sala, fechando a porta. Ayla deu um longo suspiro e alisou a testa.
— Você é tão… intenso assim?
Colin alongou os braços.
— Só quando precisa.
Ayla abriu um sorriso de canto e se ergueu, abrindo uma porta no fundo, dando de cara para a sacada.
— Devia ver isso, carniceiro. — Colin se levantou e ficou ao lado dela, observando a bela cidade de arquitetura gótica. — Conquistamos muitas coisas na última semana, Ultan teria inveja de nós. — Ela apoiou as mãos no balaústre de concreto e virou o rosto o encarando — O que você sente quando percebe que tudo isso também será seu?
Colin cruzou os braços e sentiu a brisa no rosto.
— O que eu sinto? Essa sensação de poder é diferente de uma luta intensa ou do prazer de se deitar com uma mulher. — Ele ficou em silêncio e Ayla continuo o encarando — Serei responsável por todas essas pessoas e tudo que minha vista alcança será meu, certo? Sendo sincero, ter tudo isso me faz querer muito mais. — Ele também apoiou as mãos no balaústre e abriu um largo sorriso — As pessoas sempre tiveram medo de mim em um primeiro momento, mas foi diferente com os seus conselheiros. Quando eles começaram com aquelas ofensas, eu mal podia me conter de excitação ao imaginar todos eles assustados como cães a ponto de fazerem o que eu queria.
Ayla olhou para frente e afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha.
— Eu não tenho medo de você…
— Não quero que você tenha medo de mim, só as pessoas certas como os seus conselheiros. — A pupila de Colin retraiu enquanto ele encarava a paisagem — Alexander, os reis do Norte, Elfos negros, Drez’gan, os caídos, nós vamos tomar o lugar deles, isso não excita você, rainha?
Ayla não conhecia todos aqueles nomes, mas ela sentia toda aquela emoção de Colin, a forma como ele falava e se colocava de forma imponente também a deixava excitada. Ela nunca parou para pensar em como seria colocar todos seus inimigos de joelhos, fazê-los implorar. A rainha preferia a diplomacia, mas começou a considerar que não seria tão ruim se tudo acabasse em sangue.
— Acho que… me sinto da mesma forma.
Ele se afastou do balaústre e seu semblante voltou ao normal.
— É melhor eu retornar para o ducado, minhas companheiras devem estar sentindo minha falta.
Cruzando os braços, Ayla desviou os olhos.
— Tudo bem, Tuly já deve ter separado alguns soldados para acompanhá-lo, então… Boa viagem…
Colin acenou com a cabeça e foi até a porta. Olhou para trás mais uma vez e saiu do quarto. Ayla deu um longo suspiro e se voltou para a paisagem, encarando tudo com um semblante apaixonado.
— Devia ser mais cautelosa em relação ao carniceiro.
Algo veio de cima, caindo agachada no balaústre de concreto. Era uma mulher alta de pele acinzentada com chifres e garras afiadas. Vestia regata e calças escuras, destacando seus músculos aparentes. O cabelo dela também era branco, amarrado em um rabo de cavalo. Se Colin a visse, não saberia dizer quem era maior, aquela mulher ou Morgana.
— Eu sei que deveria, mas não consigo… Ele… — Ayla suspirou estampando um semblante apaixonado — O errante me deixa vulnerável… Já se sentiu assim, Ophibith?
A mulher dragão fez que não com a cabeça.
— Sou sua pandoriana, senhora, é impossível eu nutrir qualquer sentimento de paixão por seres com quem eu não divida a alma ou que não tenham alguma ligação direta com a senhora.
Ayla deu outro suspiro.
— Então acha que estou apaixonada? É estranho, esse sentimento…
— Já vi reis e rainhas, humanos, elfos, até mesmo Orcs caírem por causa de paixão ou amor. O carniceiro tem um histórico duvidoso, e você viu o que ele disse sobre tomar o lugar dos seus inimigos. Homens ambiciosos são perigosos, senhora, ainda mais se esses homens tiverem poder como o carniceiro.
— Eu não vou deixar Colin me cegar, ele só… não sei explicar… Valagorn, a invocação dele, disse que ele precisa de mim, não posso abandoná-lo, certo? Não é o dever de uma esposa apoiar o marido?
— Só estou dizendo para ficar alerta, senhora, o carniceiro pode estar apenas a usando.
Ayla franziu os lábios e assentiu.
— Sei que pode, mas… sinto que ele não é assim.
— Você não o conhece. É um palpite, mas conquistar o continente não parece ser o objetivo principal dele, há algo maior por trás.
— Maior do que unificar o continente?
— Talvez.
Ayla meneou a cabeça.
— Não importa, se for algo importante, ele vai me contar. Ele não esconderia nada de mim, né? Serei a esposa dele, mãe dos filhos dele, comandaremos um império juntos, ele não pode esconder nada de mim.
— Devia manter os pés no chão, senhora. Ainda haverá tempo para formar uma família. Vocês são mestiços, viverão ao menos 350 anos, e você continuará fértil até os 100. O que não faltará a vocês é tempo.
Ayla suspirou e seu olhar se entristeceu.
— E se aquela outra mulher voltar? Ele me disse que ela estava grávida… E se ele não quiser mais saber de mim depois que ela retornar? Ela terá os filhos dele e eu serei jogada de lado. Se eu não tiver filhos, serão os filhos dela que herdarão tudo isso… Não posso deixar isso acontecer.
Ophibith a encarou de soslaio.
— Essa necessidade de viver para sempre através dos filhos… Nunca entenderei. Só tome cuidado para não ser usada e descartada, senhora.
— Eu sei.
Ophibith sentiu aquela brisa no rosto pálido como a pele de um cadáver. Ayla suspirou e seu semblante apaixonado desapareceu.
— E o que acontece em Noron, o território de Alexander?
— Golens de pedra enormes começaram a proteger as catedrais e vi alguma movimentação dos fies para a capital. Ele com certeza deve estar tramando algo grande, talvez ele finalmente tenha decidido começar oficialmente a guerra.
— Alexander não entraria em guerra comigo, não agora. Ele estaria em desvantagem. Quando isso acontecer, a gente estará preparado. Assim que limparmos o território dos carniceiros seremos uma ameaça e uma potência. — Ayla deu as costas — Continue de olho na movimentação de Alexander, preciso de um banho e algumas horas de sono.
— Como queira, senhora.
Woosh!
Um enorme par de asas saiu das costas de Ophibith e ela desapareceu após batê-las. Ayla suspirou mais uma vez e colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha. O carniceiro não saía do seu pensamento. Ayla não teve uma adolescência onde saía com garotos ou conversava sobre coisas do tipo com garotas da sua idade.
Ela nunca havia se interessado por isso, e, agora, se sentia como uma adolescente quando descobria o primeiro amor. Por ser criada para governar e ser forte, ela nunca se preocupou com casamento, estabilidade, família, mas agora parecia que essas coisas não saiam da sua cabeça. Ficou com medo de que essas coisas atrapalhassem sua tomada de decisão, mas era um sentimento bom se preocupar com outra pessoa que não fosse ela mesma e se imaginar com essa pessoa em momentos alegres e descontraídos.
Balançando a cabeça e batendo nas bochechas, ela voltou para a realidade. Havia documentos a serem assinados, pessoas com quem conversar e problemas a serem resolvidos antes dos seus desejos que tinha com Colin se concretizarem.
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