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    Levou cerca de dois dias para Colin chegar ao ducado. Ele acampou em lugares abertos e mal dormiu, afastando as feras que eram atraídas pelo cheiro de sangue impregnado nele e pela comida que aquela multidão carregava.

    Assim que deixou a mata, viu um cenário pós-guerra terrível. Toda colheita estava destruída, a estrada fora resumida a buracos, mas ao menos o ducado ainda parecia inteiro. Os vigias soaram a trombeta do topo das torres e carniceiros abriram os portões improvisados construídos às pressas com pedaços de madeira e pedras.

    Muitos daqueles que agora eram chamados de carniceiros, reconheceram seus familiares em meio à multidão de garotas, já que Colin abrigava quase todo pequeno vilarejo pela região.

    Eles tiveram um reencontro comovente.

    Aquelas pessoas se sentiram gratas a Colin, principalmente por ele trazer não só suas irmãs e filhas, mas por trazer também provisões para repor a colheita perdida.

    O ducado ao menos estava inteiro, com uma ou outra residência em reforma. Eles adentraram os portões e alguns carniceiros apanharam as provisões, redirecionando as novas residentes para lugares seguros.

    Assim que Colin começou a caminhar pela rua que agora estava ladrilhada, os carniceiros batiam seus punhos cerrados no peitoril de sua armadura enegrecida em sinal de respeito.

    — Senhor! — Cronius se aproximou — Pelos Deuses, o senhor está bem!

    — O que foi, Cronius?

    — Ah! Bem, sei que acabou de chegar, mas as coisas estão um pouco agitadas por aqui. Falone, Lettini e Dasken retornaram com mais pessoas noites atrás. Senhorita Alunys e Leona também. Precisamos de pessoal para construir mais casas, porém, pensamos em construir casas maiores, já que estamos abrigando um grande grupo de famílias.

    — Por que está me perguntando isso? Não é Alunys que cuida dessas coisas?

    — É, sim, senhor, mas Alunys está passando tempo com uma amiga, portanto não decidi incomodá-la por hora. Ela tem feito muito por este ducado, alguns poucos dias de folga talvez a façam bem.

    — Amiga, que amiga?

    — Não sei ao certo, senhor, ela é uma mercenária, disse que veio do sul. Enfim, tenho sua permissão para a construção?

    — Ah, claro.

    — Perfeito! Mais uma coisa, senhor, sua noiva também está aqui, ela o aguarda no palácio, porém recomendo que tome um banho antes. Avisarei que o senhor chegou e que em breve se juntara a elas no grande salão.

    Colin assentiu.

    — Tá. Vou para minha casa agora, mais alguma coisa?

    — Os construtores precisam ser pagos, e não temos verba o suficiente…

    — Eu trouxe prata, cobre e um pouco de moeda. Dê isso a eles pelo trabalho.

    Cronius fez uma reverência.

    — Obrigado, senhor, tenha um banho relaxante.

    Colin o olhou com o canto dos olhos.

    — Valeu…

    Ele estava exausto demais para fazer o exercício mental de adivinhar quem era a amiga que estava com Alunys. Chegou à conclusão que saberia quando a encontrasse. Foi até sua casa a encontrando exatamente como deixou. Passou pela sala pequena e foi até o banheiro.

    Ao menos o ducado tinha um encanamento descente, não precisando pegar água de um poço para tomar banho. Havia também um orbe minúsculo dentro do cano do banheiro. Quando giravam as válvulas do chuveiro, a orbe era acionada, entregando água quente.

    Colin se despiu jogando a roupa em um canto, pegou um balde de madeira, sentou-se nele e girou a válvula, deixando a água quente atingir suas costas cheias de cicatrizes. Cerrou os olhos e deu um longo suspiro.

    As últimas semanas haviam sido bem agitadas. Foi a primeira vez em muito tempo que ele se sentiu verdadeiramente cansado. Dormiria por dias se deixassem.

    Após quase vinte minutos, amarrou a toalha em volta da cintura e foi até seu quarto abrindo o guarda-roupa. Pegou uma camisa branca, calça preta e chinelos de borracha também pretos.

    Deixou a toalha sob a cabeça e foi até a cozinha. Abriu o armário e pegou um pedaço de bolo que estava pela metade. Abriu também o vidro de leite e o tomou inteiro.

    Terminou de secar o cabelo e escovou os dentes, dirigindo-se para fora de casa. As pessoas o cumprimentaram em todo seu caminho até o palácio.

    Assim que adentrou, Mynia, a serva, fez uma reverência.

    — Senhor! — disse empolgada — Que bom que retornou! Estão todos aguardando sua presença na sala do banquete.

    — Obrigado, Mynia.

    — Por nada, senhor!

    Colin começou a subir as escadas e Mynia o seguiu.

    — Tem algo que o senhor queira pedir para ser preparado pelos cozinheiros?

    Colin ergueu uma das sobrancelhas.

    — Temos cozinheiros agora?

    Ela assentiu.

    — Eles pediram emprego a senhorita Alunys, ela disse que eles poderiam ficar na cozinha. Não se preocupe, eles cozinham maravilhosamente bem.

    Ele abanou as mãos.

    — Tudo bem, eu não quero nada.

    Eles haviam chegado.

    — Qualquer coisa, estarei aqui fora, não hesite em me chamar, senhor.

    — Certo.

    Colin apoiou a mão na maçaneta e abriu a porta. Ayla estava na ponta trajando um vestido branco de bordado único que cobria de seu pescoço até os pés. Seu cabelo branco ondulado estava solto, suas bochechas levemente rosadas, seus cílios mais cheios e sua boca bastante vermelha.

    Ela havia se produzido bastante para estar ali.

    Atrás dela estava um homem alto de cabelo escuro trajando uma armadura de prata.

    Leona estava de boca cheia ao lado de Alunys. A pandoriana usava uma das camisas largas de Colin que deixavam com o aspecto de um vestido. Em suas pernas ia uma saia rodada que era escondida pela camisa larga. Leona, que sempre estava de cabelo atrapalhado, estava com ele escovado, tão liso quanto vidro. Seu cabelo ia até seus ombros.

    Alunys também estava de cabelo escovado, mas não abandonou o preto de suas vestes. A camisa deixava os seios justos e logo depois afrouxava. Suas calças eram escuras, assim como suas botas.

    Samantha estava do outro lado da mesa.

    Colin ergueu as sobrancelhas ao vê-la, e ela retribuiu a surpresa com um sorriso. Usava uma camisa de botões branca com os três primeiros botões desabotoados. Nas suas pernas estava uma calça preta e era perceptível as linhas desenhadas de seus músculos.

    Não estava tão musculosa como um usuário da pujança, mas sim como uma mulher que treinava regularmente.

    — Samantha? — indagou surpreso — Pensei que…

    Com os braços cruzados, ela assentiu.

    — Pois é — O olhou de cima a baixo — Você parece bem melhor do que eu me lembrava.

    — É… Você também.

    Ayla olhou para um, depois para o outro.

    — Mestre! — disse Leona de boca cheia — Tem aquele pão com queijo que o senhor comentou, é ótimo!

    Colin sentou-se à mesa.

    — Como você… sobreviveu?

    Samantha cruzou as pernas e desviou o olhar cabisbaixa.

    — Eu só… Fiquei desmaiada o tempo todo. Quando acordei, meu pai disse que meus amigos estavam mortos, minha casa havia sido destruída e a capital inteira foi reduzida a escombros. — Ela fez uma pausa — É bom ver que alguns dos meus amigos estão bem… Alunys me disse o que aconteceu com Wiben, Kurth e os gêmeos… — Colin engoliu o seco. Somente ele e Alunys sabiam quem havia ceifado seus amigos, e nenhum dos dois queria culpar Safira por isso. — Alguém chamado Coen…

    — Sim… — Disse aliviado — Ele é o meu…

    Samantha o encarou com senho franzido.

    — O seu o quê?

    Ele ponderou se deveria contar para Ayla também, já que ele não confiava tanto nela, mas uma mulher tão esperta quanto ela descobriria isso cedo ou tarde.

    — Ayla, pode pedir para seu soldado esperar lá fora?

    A regente encarou seu soldado por cima dos ombros e assentiu. Ele caminhou para fora do quarto e fechou a porta.

    Colin inspirou fundo e relaxou na cadeira.

    — Meu pai… É o homem que controla os caídos.

    Todas ficaram surpresas, exceto Leona que continuava comer sem parar.

    — Seu pai? — indagou Ayla — Quem diabos é seu pai, exatamente?

    Colin coçou a nuca — Não sei muito sobre ele, mas a rachadura no céu, esses monstros, os dragões, ele planejou tudo isso.

    — Colin Silva. — disse Ayla cruzando os braços e franzindo o cenho — Então você está no centro de tudo isso? Uau… Isso, sim, é surpreendente.

    Colin assentiu.

    — Não vou obrigar nenhuma de vocês a nada, só quero que saibam que Alexander, a igreja de Thitorea, devem ser o menor dos nossos problemas. Gente perigosa deve vir atrás de mim e de quem estiver comigo. Se quiserem se afastar, a escolha é de vocês.

    Não se ouviu nada naquela sala por alguns segundos além do som de Leona mastigando de boca aberta.

    — Meio tarde para abandonarmos o barco, não concorda? — disse Ayla cruzando olhares com todas elas — Não acho que alguém nesta sala vai deixá-lo desamparado.

    — Rainha Ayla tem razão — Alunys o encarava nos olhos — Eu o sigo bem antes de o senhor ser quem é, não vou abandoná-lo, não depois de tudo que fez por mim!

    Samantha assentiu com um sorriso e Leona continuou comendo, acabando com todos os pães de queijo da bandeja.

    — Certo… — Colin suspirou — É bom ver que ainda tem fé em mim. — Ele olhou para Ayla na outra ponta — Como chegou aqui tão rápido?

    Ela deu de ombros.

    — Não posso vir prestar ajuda ao meu noivo depois dele ser atacado? Eu trouxe suprimentos e curandeiros, deveria ser menos grosso com quem tenta te ajudar. — Ela cruzou as pernas, apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos frente aos lábios — Alexander declarou guerra quando resolveu atacar você. Ele já deve estar mais que ciente do nosso casamento, então nos provocou desse modo, mas não cairemos na provocação dele.

    Colin assentiu.

    — Enfrentei um dos oficiais do Alexander. Ele veio até mim com outras duas criaturas deformes. Minha sorte foi que elas não eram tão fortes. O oficial fugiu, mas antes citou algo sobre um experimento, experimento 33, já ouviu algo relacionado a isso?

    Ayla apoiou a mão no queixo pensativa.

    Ficou em silêncio por alguns segundos e fez que não com a cabeça.

    — O território de Alexander é bem fechado e de difícil acesso. Não tenho dúvidas que ele realiza experimento alquímicos naquele lugar, talvez use até os próprios fiéis.

    — Só não podemos esperar muito para reagir — disse Colin coçando a bochecha com o indicador — talvez o próximo ataque não seja tão fácil de parar.

    — Senhor! — chamou Alunys — Lettini, Dasken e Falone enfrentaram criaturas também, mas todos eles conseguiram derrotá-las.

    — Viu?! — continuou Ayla — Devia confiar mais nos seus homens, querido. Minhas forças também irão se dividir por seu território. Após nosso casamento, estará tudo oficializado.

    Colin assentiu e Ayla continuou.

    — Darei um jeito de aumentar a segurança dos nossos territórios construindo muitas torres de vigia entorno deles. Preciso acertar alguns detalhes, mas a construção de rotas seguras ligando os dois territórios começará em algumas semanas. Querido, já pensou em fazer do ducado uma grande cidade?

    Ele ergueu uma das sobrancelhas.

    — Grande cidade?

    — Sim! Pode começar por aqui mesmo. Aumentar os muros, fazer construções ainda mais imponentes, acredito que tudo isso daria importância ao nome que carrega.

    — Não tenho recurso para esse tipo de coisa.

    — Não precisa se preocupar, arcarei com os custos de algo assim. Quando nos tornarmos um país, o lugar onde os regentes do centro-leste residem precisam ter seu charme próprio.

    Colin deu de ombros.

    — Acredito que não estará fazendo isso de graça.

    Ela abriu um sorriso.

    — Querido, é pelo bem do nosso reino. Deixa que cuido de tudo.

    Colin franziu o cenho e abanou as mãos.

    — Tanto faz.

    Assuntos não tão relevantes continuaram por parte da noite. Ayla falava sobre sua rotina entediante. Afirmando preferir o campo de batalha a ficar atrás de uma mesa assinando papéis o dia todo. Samantha contou um pouco de suas aventuras e de como ela conseguiu matar um dragão.

    Colin continuou quieto observando as garotas interagirem. Ele estava cansado demais para prolongar o papo, mesmo que estivesse reencontrando uma amiga de longa data.

    A conversa continuou por algum tempo até que decidiram ir para casa. Alunys e Leona passaram a morar juntas por passarem mais tempo uma com a outra. Samantha conseguiu um alojamento na nova área residencial e Ayla já estava de partida.

    Foi uma conversa produtiva apesar de tudo.

    Já estava bem tarde e não havia ninguém na rua enquanto Colin retornava para casa. O errante já se preparava para dormir quando alguém bateu a sua porta.

    Toc, Toc, Toc!

    Colin se perguntou quem seria a essa hora.

    Abriu a porta e viu Ayla parada ali com um sorriso no rosto.

    — Posso entrar?

    Ele suspirou e coçou a nuca.

    — Devia falar com Cronius, ele pode arrumar um lugar pra você ficar.

    Ayla colocou as mãos para trás e adentrou.

    “Tsc…”

    Após revirar os olhos, Colin fechou a porta.

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