Capítulo 218 - Liberdade
Homens de batina arrastavam o experimento 33 pelos braços. O corpo dela estava cheio de ataduras e sua aparência não era das melhores. Os experimentos de Donovan estavam mais intensos e brutais. A quantidade de sangue que ele estava tirando deixava o experimento 33 sem forças sequer para mover um único músculo.
Sua aparência anêmica e seu baixo peso a impediam de fazer qualquer coisa. Donovan estava perto de atingir resultados satisfatórios, então a cooperação do experimento 33 seria crucial. Ela havia sido criada dentro daqueles muros, tendo sentido o calor do sol na pele ou uma brisa, poucas vezes em sua vida.
Há alguns anos, quando a igreja de Thitorea era um embrião, os alquimistas se concentraram em um projeto ambicioso. Existiam muitas religiões pelo continente, mas Alexander, o líder dos alquimistas na época, acusou Heien de ter uma fé fraca e adorar uma Deusa inexistente.
Por questionar um bispo, Alexander foi expulso, junto de todo seu departamento, mas não sem antes roubar algo guardado a sete chaves pelo alto escalão da igreja. Roubou livros proibidos que ensinavam a contactar seres superiores.
Curioso e com fome de saber, Alexander seguiu tudo descrito no livro, e ele havia mesmo feito contato com outro ser, mas um inferior, um ser que veio direto do abismo.
Seu nome era Braz’gallaan, o apóstolo de Drez’gan que influenciava cultistas no Norte e em diversas comunidades menores espalhadas ao redor do continente.
Era conhecido por ser um sábio no estudo do cosmos, matemática e os infinitos planos do universo. Com sua tutela, Alexander conseguiu fragmentos da raiz da grande árvore, mas um trato foi feito para isso acontecer.
Com o corpo marcado pelo símbolo de Braz’gallaan, a cabeça de uma serpente, Alexander perdia um pouco de si mesmo com o passar dos dias, se tornando uma marionete direta da criatura que escolheu para ser seu Deus.
O sacerdote banido foi para o centro-leste, na época, dominado por clãs selvagens e território lar do povo de Runyra. Não foi difícil apresentar aos selvagens a fé falsa de Thitorea e lentamente ele ganhou influência. Pouco tempo depois entrou em contato com Ultan solicitando um pacto de não agressão, e isso foi concedido com a certeza de que Alexander no futuro serviria a Ultan.
Foi então que seu plano começou, o plano de dar vida a uma divindade, um plano que ele não fazia ideia se havia partido realmente dele ou de Braz’gallaan.
Já tendo fiéis o suficiente em sua igreja, ele dividiu o fragmento da árvore em 100 pedaços e deu aos casais para que as mulheres engolissem, isso, quando estivessem em período fértil. Ele dizia que daquela igreja nasceria alguém que faria todos os seres darem um passo adiante para alcançarem a verdadeira iluminação.
Não foi difícil convencê-los.
Em cerca de dois anos, haviam nascido 100 crianças.
Os pais entregaram seus filhos a Alexander de bom grado, todos estavam empolgados em ser pais da criança da profecia.
Alexander conseguiu espalhar sua influência e, com o pacto de não agressão com Ultan, conseguiu alcançar milhares de fiéis. Os pais das 100 crianças morreram um a um. Nenhuma mulher que ingeriu pedaços do fragmento viveu mais que cinco anos, e os homens definharam até a morte em um curto período.
Ainda bem jovens, as crianças começaram a ser testadas repetidas vezes em experimentos cada vez mais desumanos. Somente nos dez primeiros anos de teste, cerca de 70 crianças acabaram mortas.
As que sobraram continuaram sendo testadas cada vez mais intensamente, até que mais delas morreram. Quando o projeto completou vinte anos, haviam restado três crianças, o experimento 11, 33 e o 99.
Ultan havia sido destruída, seu território foi dividido e Alexander apossou da maior parte já que as terras não haviam donos. Heien voltou a ter relações com seu antigo alquimista, que reiterou ter criado algo que a igreja de Thitorea poderia usufruir.
O sangue dos três experimentos foi testado incessantemente, e o sangue do experimento 33 era o que dava resultados mais satisfatórios. Alexander resolveu focar seus esforços no experimento 33 e descartou os outros dois.
Ele os devorou como um canibal após ter matado-os, bebendo cada gota de sangue deixada por eles. O próprio Alexander não se reconhecia mais, mas ele não se importou. Com o passar dos dias sentia ficar cada vez mais poderoso, e isso era excitante.
Conversava com Braz’gallaan frequentemente, seguindo seus conselhos cegamente. O apóstolo dizia que ainda não era hora de avançar e derrubar Runyra, ele precisava de mais poder.
Por coincidência, Alexander buscou por Yanolondor, que se negou em se aliar a ele em um primeiro momento, mas aquele não era mais Alexander, era Braz’gallaan em uma forma mortal e mais fraca, que ainda copiava os trejeitos de Alexander e seu jeito de falar para não levantar suspeitas.
O culto ao Deus morto continuou e ainda continua aumentando o poder de todos os seus apóstolos.
Braz’gallaan estava com um corpo jovem, forte e influente, Era o corpo perfeito. Mesmo em sua forma fraca, ele seria um inimigo desafiador.
Os alquimistas já conseguiam recriar o sangue do experimento 33, a tornando obsoleta em partes. Só a mantinham viva para testar sua capacidade corporal, mas seu tempo estava acabando.
Era fácil achar alguma garota para se passar por deusa, já que recriar seu sangue era uma tarefa fácil. O último teste de Donovan havia sido um absoluto sucesso.
Ele recriou o soldado perfeito.
Aquele que ingerisse o sangue do experimento 33 ganhava asas angelicais, um corpo esbelto e uma mana considerável. As cobaias apenas tinham que ser analisadas para dar como encerrado o projeto e o início da fabricação do sangue do experimento 33 em larga escala.
— Chegamos! — disse um dos sacerdotes abrindo a cela. — Aproveite seus últimos dias, pedaço de lixo.
O sacerdote a segurou pelo cabelo e a jogou na cela. O experimento 33 fora parar no círculo púrpuro. Ela não tinha forças nem para piscar.
— Já estava me esquecendo disso. — Um dos sacerdotes enfiou a mão no interior da batina e retirou um pão mofado, jogando na cabeça da garota. — Melhor comer para não morrer de fome, háhá.
Os olhos sem esperança da garota encararam o pão mofado e ela tentou erguer o braço para apanhá-lo, mas ele sequer se moveu.
Tudo que podia fazer era desejar que a morte a levasse logo, ela já não aguentava mais aquilo. Se tivesse forças tentaria tirar a própria vida, mas nem isso conseguia fazer.
Crash!
Os dois sacerdotes tiveram a garganta rasgada por alguém que ela não conseguiu ver. Em um baque, a cela abriu, rangendo avidamente.
Como num passe de mágica, um homem trajando uma capa da cabeça aos pés apareceu na frente do experimento 33. Seu cabelo era escuro e seu rosto tinha uma barba por fazer.
Ele se agachou para encará-la.
— Ei, garota, vamos sair daqui. — Ele cravou a adaga em uma das linhas daquele círculo, e ele se desfez. — Teremos trabalho para deixar esse ducado, mas conseguiremos se formos cautelosos. Meu nome é Ibras, estou aqui para resgatá-la.
A garota não teve reação, ela não sabia que tipo de reação deveria ter. Sairia correndo se conseguisse se levantar, e imploraria aquele homem para tirá-la dali se de seus lábios saíssem alguma palavra.
Ibras a colocou em suas costas com cuidado e se ergueu.
As costas dele eram quentes, um calor que o experimento 33 não estava acostumada. A garota estava tão magra que deveria ter cerca de trinta quilos, se movimentar com ela não era uma tarefa difícil.
Ibras usou sua principal habilidade e ficou invisível junto a ela.
Ela enxergava tudo em preto e branco.
Seu salvador passou pelos sacerdotes mortos e se dirigiu para o final do corredor, encontrando o vigia morto com a garganta cortada.
Avançaram mais um pouco e subiram escadas. Abriram a porta entreaberta e vislumbraram uma biblioteca lotada. Ibras era um ótimo espião, sair e entrar sem ser visto era sua especialidade.
Assim que chegou à rua, Ibras concentrou mana nas pernas e dobrou os joelhos, correndo para um lugar deserto. Foi a primeira vez que a garota sentiu a brisa no rosto e aquilo a fez despertar.
Era uma sensação de liberdade que ela não conseguia explicar.
Ibras chegou a um campo aberto e ficou visível.
— Estamos longe, isso é perfeito.
— Por que… — disse baixinho — Me salvou?
Ele deu de ombros.
— Um idiota me contratou para vigiar o pontífice e tudo que ele estava fazendo. Vi o que eles faziam com você, e resolvi ajudar. Tenho filhos, senhorita, pensei que se fosse minha filha, eu gostaria que alguém também a salvasse.
A garota não soube como reagir.
— Vamos sair daqui antes que eles deem falta de você.
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