Capítulo 226 - Conexão
Após criar um departamento focado em resolver problemas administrativos de Runyra, Ayla começou a ter mais tempo para se preocupar com outras coisas.
Ela sabia como revidaria contra Alexander.
O melhor jeito de vencer uma guerra, seria não a travando, não diretamente, mas suas preocupações no momento eram outras.
Estava na biblioteca foliando alguns documentos.
A luz do lampião iluminava timidamente as páginas do livro que segurava. Fechou o livro e devolveu a estante, abaixando para pegar o lampião.
Ayla trajava uma blusa de lã escura, calça justa de couro e botas pretas. Um sobretudo ia por cima de sua blusa, e um capuz estava por cima de sua cabeça. Seu capuz escondia seu cabelo curto, agora, na altura dos ombros.
Aderiu ao novo visual após ter o cabelo chamuscado após enfrentar Yanolondor. Caminhou pelo corredor até que sentiu sua sombra oscilar.
— E então, encontrou algo?
— Encontrei menções do anoitecer florido com um comerciante, frequentador assíduo dos bordéis da cidade. — O demônio onírico permanecia na sombra — Visitei os sonhos do dono do bordel, vaguei por suas memórias e encontrei uma pessoa que ele encontrava com frequência. É outro homem, mas ele comanda um bordel luxuoso no Norte.
Ayla assentiu.
Seja quem fosse, a mensagem codificada em uma carta contendo somente símbolos aleatórios chamou sua atenção. Se a única mensagem legível era “Anoitecer florido”, significava que o remetente queria que ela descobrisse por conta própria a origem daquele nome.
— Isso é tudo? — Ela indagou.
— Infelizmente sim.
— Sabe o caminho até lá?
— Sei, sim, senhora.
— Ótimo, mas isso fica para depois, tem outra coisa que tenho que fazer.
Ela caminhou para fora da escuridão, alcançando a porta e deixando a biblioteca. Trancou a porta, apagou o lampião com um sopro e enfiou as chaves nos bolsos.
Ayla estava ocupada, não era somente com o Anoitecer florido, mas com toda informação que absorveu do livro entregue por Ethel. Também tramava seus próximos passos priorizando a cautela. Qualquer deslize poderia ser fatal, tanto para ela quanto para os habitantes de Runyra.
Desde o casamento ela se sentia mais viva.
Sabia dos riscos que corria, mas era excitante planejar tudo aquilo. Seu único problema no momento era a gestão de soldados. Com uma guerra prestes a estourar e com a adesão do território de seu marido, seus soldados haviam se espalhado por todo país.
Não cogitava usar os carniceiros como seus soldados sem a autorização de Colin. Runyra era uma capital populosa, e haviam andarilhos e civis que não estavam ingressados no exército.
Ela precisava de algo para incentivá-los.
Entregou o lampião a uma serva que cruzou por ela no corredor e enfiou as mãos nos bolsos, seguindo para a sala do conselho.
Era comum que eles estivessem naquela sala luxuosa, bebendo ou tendo conversas simplórias, já que era apenas isso que costumavam fazer.
Suas mãos calejadas giraram o par de maçaneta e a porta de madeira rangeu. Como ela suspeitava, os conselheiros estavam bebendo e se empanturrando. Ficaram surpresos ao vê-la, já que a rainha estava bem ocupada nestes últimos dias.
Todos eles se levantaram e curvaram seu corpo.
Após o incidente com Herond, os conselheiros não achavam uma boa ideia continuar tratando-a como uma criança. A respeitavam na mesma proporção que a temiam, temendo também o homem que se tornou rei.
— Minha senhora… — disse Nilsson curvado — Algum problema?
— Podem ficar à vontade — Eles sentaram-se em suas cadeiras enquanto ela permaneceu de pé com as mãos nos bolsos — Preciso que façam um favor para mim. Com a unificação dos territórios, o que não faltam são terras para serem povoadas. Estamos com falta de pessoal, e precisamos de soldados. Espalhem na cidade que a rainha está montando uma guarda de elite.
Os conselheiros se entreolharam, mas não a repreenderam.
— Minha senhora… Uma guarda de elite a essa altura vai nos custar caro, já estamos financiando reformas por todo país, principalmente no ducado do rei, e as pessoas estão começando a falar…
Ela espremeu os olhos, encarando Nilson com o olhar de uma besta selvagem.
— Falar o quê?
— B-Bem… — Ele ajeitou a gola da túnica branca — Runyra nunca havia sido atacada antes, mas bastou se casar com o Rei Colin e sofremos o primeiro ataque com baixas. Isso pode ser ruim para os negócios…
— Entendo que estejam preocupados, mas uma guerra era inevitável. Era questão de tempo até que Alexander começasse a olhar para Runyra com outros olhos. A aliança com os carniceiros foi a nossa melhor opção, ou pensou que construir um império fosse somente flores? É por isso que Colin e eu vamos para a linha de frente, como responsáveis pelo povo, é o mínimo que podemos fazer.
— Não estou questionando as majestades, estou apenas relatando o que ouvi…
— As pessoas se acalmarão quando verem resultados, por isso preciso de um novo esquadrão. Não darei um salário a eles, darei terras aráveis, gado, propriedade. Há terras no território de meu marido que sequer foram tocadas.
Após engolirem o seco, eles se entreolharam novamente.
— A-Acho que tudo bem — gaguejou Nilsson — Irei fazer um comunicado por escrito e colocar em todos os estabelecimentos da cidade… há algo mais que queira acrescentar?
— Qualquer um pode se candidatar, mas serão escolhidos a dedo por mim. Isso é tudo.
Ela tergiversou, indo em direção a saída, mas alguém a chamou.
— Majestade! — Ela se virou, encarando Nilsson novamente — Com o que tem ficado tão ocupada?
— Assunto particular.
Ayla deixou o cômodo, estava quase na hora do seu principal compromisso do dia.
Os pássaros marcavam presença no parapeito da janela arredondada de Brighid. Com a barriga enorme, ela mal conseguia sair do lugar. O parto poderia acontecer a qualquer momento, mas ela não queria perder tempo.
Sua pena deslizava sobre as páginas de um livro.
— Pronto! — Largou a pena, fechou o livro e enxergou sua capa esverdeada. Não havia escritos ou desenhos, era apenas uma capa simples — Finalmente terminei!
— Ainda acho que não é uma boa ideia. — disse Morgana deitada na cama lendo o primeiro volume de Brighid.
Fadas eram minúsculas, tiveram que adaptar toda casa de Jayla para que sua filha e sua amiga ali ficassem. Os pés de Morgana ainda passavam daquela cama de madeira.
— Não devia ser tão pessimista — Brighid entrelaçou os dedos e alongou os braços para cima. Usava um vestido bordado esverdeado. Seus seios estavam maiores e ela havia ganho um pouco de peso além da enorme barriga.
— Você quer vender esses volumes ensinando magia, e você estava sendo caçada por estranhos. Se ficar famosa, eles vão caçar você incansavelmente e te acusar de tentar criar uma seita de magos. — Morgana abaixou o livro e a encarou — Mas você não se importa, não é?
Brighid afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha e depois alisou a barriga com um olhar apaixonado.
— Assim vai ficar mais fácil de Colin nos achar. — Seu olhar entristeceu-se — Conhecendo Colin, ele deve estar um pouco perdido… Não sei o que aconteceu com os nossos amigos, mas e se tiver acontecido o pior? E se Colin tiver testemunhado tudo? Ele deve estar tão mal… E eu não posso estar lá com ele…
Morgana se sentou na cama e fechou o livro jogando em cima da mesa ao lado de Brighid.
— Também estou preocupada com ele, mas ele aguenta. É do Colin que estamos falando.
— É… tem razão…
Ainda sentada, foi a vez de Morgana alongar. Ela trajava regata escura e short curto. A ilha das fadas tinha um clima ameno e agradável. O rigoroso inverno que atingia o continente chegava até a ilha somente como brisa gélida no finalzinho da tarde.
— Não vejo a hora de você parir logo essas crianças e a gente poder treinar — Ela abriu aquele sorriso de dentes pontiagudos — Com sua habilidade e a minha força, ninguém nos derrotaria, nem meu tio Graff!
Brighid retribuiu o sorriso.
— Ainda não vou poder treinar com você. Pode levar anos até que meus poderes voltem a ser como antes.
Morgana fez beicinho e cruzou os braços.
— Que saco… — O sorriso dela retornou de imediato — Mas você é a Brighid, certo? Tio Graff não economizou elogios quando falava de você, por isso você vai se recuperar rápido e a gente poderá caçar o Colin o logo!
Envergonhada, Brighid coçou a ponta do nariz com o indicador.
— Obrigada, Morgana… De verdade, muito obrigada.
A vampira abanou as mãos sem jeito.
— Somos amigas, certo? E fomos irmãs durante alguns meses, né? — Foi a vez de Morgana ficar envergonhada — Eu até que levava a sério aquilo…
— Mas é como se fôssemos irmãs — disse Brighid com os olhos brilhando — Já dividimos quase tudo, né? Bem como irmãs fazem.
— É! Você tem razão!
Brighid sentiu uma pontada na barriga e gemeu baixinho. Morgana levantou da cama num salto com o rosto cheio de preocupação.
— T-tá nascendo? Minha nossa, o que eu faço?!
— Foi só um chute — Brighid alisou a barriga — Tem ficado mais frequente, acho que logo eles saem.
— Ufa… — Morgana ficou em cócoras encarando a barriga de Brighid — Não achei que a barriga de alguém pudesse ficar tão grande assim. — Ela se ergueu — Bem, vou ver se sua mãe precisa de alguma coisa. Preciso me ocupar até o anoitecer.
— Morgana… — Brighid chamou meio sem jeito — Pode encher a banheira com água quente pra mim?
Ela assentiu fazendo sinal de positivo com o polegar.
— Pode deixar!
— Obrigada…
— Não precisa me agradecer por tudo, você faria o mesmo por mim.
A vampira se retirou e Brighid começou a organizar seus dez volumes ensinando o básico de magia. Assim que desse à luz, ela tentaria vender seus livros em alguma cidade costeira.
Ela esperava fazer seu nome ser mencionado por todo continente, atraindo a atenção de Colin ou apenas sinalizar que ela estava viva. Pensava que aquilo poderia dar luz a escuridão que o marido provavelmente se encontrava.
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