Capítulo 256 - Noite estrelada.
Após outra sessão de treino, desta vez um pouco mais intensa que a do dia anterior, os regentes foram para o quarto.
Colin trocou de roupas e ficou na sacada observando a cidade coberta por neve fina enquanto Ayla foi para o banho.
Os golpes dela estavam melhores, mais fortes, causando bem mais danos e pareciam ter uma melhora vertiginosa. Colin, por outro lado, estava aproveitando a dor, sentindo para valer as pancadas.
Pensava que não faltava muito para que Ayla conseguisse deixá-lo em um estado crítico para começar o processo de ativação do raio vermelho.
Já estava escurecendo e ele se sentiu em paz.
Por alguns segundos, ele não pensou em nada e ficou ali, contemplando a paisagem, observando o sol desaparecer atrás das montanhas.
A porta do banheiro abriu e Ayla saiu lá de dentro ajeitando o cabelo e usando uma blusa de lã com mangas longas e um short curto. Caminhou pelo quarto e ficou frente a um espelho que ficava ao lado da cama.
— No que está pensando? — ela perguntou penteando o cabelo.
— Nada, estou só observando a cidade.
— Aproveitando a calmaria?
Ele deu de ombros.
Voltou para dentro e fechou as cortinas. Caminhou até uma mesa com dois lugares que ficava próxima à sacada e ali sentou, entrelaçando os dedos atrás da cabeça.
— Acha que falta muito para derrubarmos Alexander? Nem começamos a nos preparar corretamente.
— Não precisa se preocupar, estou ajeitando as coisas. Se tudo for como imagino, estaremos cinco passos à frente de Alexander com toda rede de informação que montarei. Daqui a alguns meses Alexander será passado.
Toc! Toc!
Ayla deixou o pente em cima do armário ao lado do espelho e caminhou até a porta. Ela ficou surpresa quando a abriu.
Os pequenos Bill e Gerrard estavam parados segurando um livro grosso. Ayla era uma mulher alta e tinha um semblante intimidador. Os dois deram um passo para trás e engoliram em seco.
— O-O senhor Colin está? E-Ele disse que le-leria para a agente… — Bill ergueu o livro, mostrando-o a Ayla.
Ela abriu a porta e olhou para Colin.
— É para você.
— Bill, Gerrard, o que vocês… — ele viu o livro. — Ah, é, eu tinha me esquecido… ando com a cabeça cheia ultimamente, me desculpem e podem entrar.
No corredor, observando-os escondida, a pequena Elfa Negra Nailah observou aqueles dois entrarem
Ayla se afastou e eles entraram, fascinados com o tamanho do quarto. Ela fechou a porta e foi novamente para o espelho.
Colin apontou com o queixo para a cadeira.
— Sentem-se — Com dificuldades, eles subiram na cadeira que era grande o suficiente para caber os dois. Colin pegou o livro e o abriu. — Segredos e mistérios de Caliman, lá vamos nós.
Ayla terminou de pentear e foi até a cama. Sentou-se ali ajeitando os travesseiros para ficar à vontade enquanto se recostava na cabeceira.
Colin começou a leitura e Ayla ficou tão atenta quanto as crianças.
Ela gostava da voz dele, a maneira intuitiva que ele lia era como ela queria que seu pai tivesse lido para ela na infância.
Ao passar das páginas, as crianças ficavam mais empolgadas, principalmente quando entrou na parte relacionada aos monstros. Colin lia sobre eles e mostrava a imagem para os pequenos.
Aquilo continuou por muito tempo, e Nailah permaneceu no corredor, curiosa com o que estava acontecendo lá dentro. Guardas passavam por ela e nenhum deles a reprendeu, já que sabiam que ela estava com o rei Colin, e repreendê-la poderia render muita dor de cabeça.
Um nobre passava pelo corredor acompanhado do filho mais novo que não devia ter mais que dez anos.
Nailah desviou o olhar para não encarar aquelas expressões assustadoras.
Ela começou a mexer nos dedos enquanto estava de cabeça baixa. A pequena esperava que eles fizessem como os guardas e a deixassem em paz com sua curiosidade, mas não foi isso que aconteceu.
— Então é isso, depois desse novo rei, deixam até mesmo Elfos negros perambularem pelo palácio — disse o nobre corpulento de cabelo ralo trajando túnicas brancas. — Qual será a próxima? Mendigos?
O garoto de cabelo loiro trajando roupas nobres, encarou Nailah com nojo.
— Por que o rei deixa isso acontecer?
— É porque o rei é um mestiço. O que esperar de gente desse tipo? Vamos, não se misture com esse tipo de gente.
A criança deu uma ombrada em Nailah, quase a derrubando no chão. Alguns guardas viram aquilo, mas nada fizeram. Repreender um nobre também poderia render uma lista extensa de problemas. Nailah, que não tinha mais que cinco anos, alisou o braço sentindo a dor da ombrada.
Tlack!
A porta do quarto de Colin abriu-se, com Bill e Gerrard saindo lá de dentro com um largo sorriso. Nailah correu para esconder-se novamente.
— O senhor vai ler para a gente amanhã? — indagou Gerrard com os olhos brilhando.
Colin afagou o cabelo de ambos.
— Amanhã a gente continua, agora vão para o quarto de vocês e não façam bagunça.
Ambos assentiram com um sorriso.
— Boa noite, pai! — disse Bill abraçando as pernas de Colin. Gerrard fez o mesmo.
Os dois se afastaram e Nailah ficou quieta, vendo aqueles dois desaparecerem na esquina enquanto corriam.
Ela se inclinou, para observar Colin e notou que ele estava olhando diretamente para ela. Assustada, ela escondeu-se novamente, respirou fundo e olhou novamente, quase caindo para trás.
Colin estava cara a cara com ela.
— Oi! Por que não bateu na porta? Não precisava ter ficado aqui fora esse tempo todo.
Sem jeito, ela desviou o olhar e começou a mexer nos dedos.
— E-Eu…
— Está com fome?
Com os lábios franzidos, ela fez que sim com a cabeça e Colin estendeu a mão. Nailah tocou naquela mão calejada e Colin ergueu-se, segurando a mão da pequena.
Segurar a mão dele a deixou confortável. Era um gesto simples, mas acolhedor, fazendo-a se sentir até mesmo segura.
Instintivamente, ela também apertou a mão dele, como se não quisesse perdê-lo.
Adentraram o quarto de Colin e Nailah ficou impressionada com o tamanho daquele lugar.
Colin pegou-a no colo e a colocou na cadeira de frente para uma bandeja. No centro da bandeja, encontrava-se um suculento frango assado, dourado e crocante por fora, mas macio e suculento por dentro.
O frango estava cortado em pedaços generosos.
Ao lado do frango, uma porção de arroz branco, macio e solto, estava colocada em um pequeno monte. O arroz era ligeiramente aromatizado com ervas e especiarias, o suficiente para dar sabor, mas não o suficiente para dominar o sabor do frango e dos legumes.
Os legumes frescos estavam cortados em pedaços pequenos e cuidadosamente arranjados ao redor do arroz e do frango. As cores vibrantes dos legumes adicionavam um toque de beleza à bandeja, com vermelhos vibrantes, amarelos brilhantes e verdes escuros contrastando com o branco do arroz.
Nailah estava quase babando.
Colin puxou a cadeira e sentou-se na frente dela, apontando com o queixo para a bandeja.
— Fique à vontade.
Era tudo que ela precisava ouvir.
Esticou o braço e com as mãozinhas apanhou o primeiro pedaço do frango, sentindo aquele sabor suculento.
A porta do banheiro abriu e Ayla saiu lá de dentro. Encarou Nailah e depois ergueu a sobrancelha ao encarar Colin.
— Sério que vai deixá-la comer com as mãos?
Colin não entendeu o espanto.
— Qual o problema?
— Ela não é uma selvagem — Ayla caminhou até Nailah, curvou o corpo, afastou uma mecha de cabelo e abriu um sorriso gentil — Oi, meu anjo, qual seu nome?
— Nailah… — envergonhada, ela disse baixinho.
— Posso me sentar com você?
A pequena assentiu.
Ayla a pegou no colo, sentou-se na cadeira e deixou Nailah sentada sobre suas coxas.
— Você sabe comer com garfo e faca, meu anjo?
— … mais ou menos…
— Tudo bem, vou te ensinar. A faca vai na mão dominante e o garfo na outra — Nailah pegou os talheres e Ayla segurou gentilmente suas mãos pequenas. — Agora a gente corta um pedaço do frango com a faca, segurando-a com a lâmina voltada para baixo e pressionando a carne para baixo com o garfo.
Nailah já tinha feito isso antes, mas Ayla fez tudo parecer tão fácil que ela ficou impressionada.
— Agora a gente solta a faca e usa o garfo, levando o pedaço de frango à boca, mantendo o lado curvado do garfo voltado para cima. Mastigue bem, engula e repita o processo.
Foi o que Nailah fez.
Mastigou sentindo aquele gosto maravilhoso e repetiu o processo, dessa vez sozinha.
Teve um pouco de dificuldade no início, mas logo pegou o jeito.
— Muito bem! — Ayla bateu palmas baixinho enquanto estampava um sorriso no rosto.
— Quanta frescura, era mais fácil comer com a mão — resmungou Colin. — A carne já tá toda fatiada, é só pegar com a mão e levar até a boca.
Ayla ergueu uma das sobrancelhas.
— As crianças farão parte da realeza, terão que aprender a se comportar.
— A garota vai te achar chata, sabia? — Colin deu uma piscadela para Nailah. — Enfim, coma até ficar satisfeita.
— Ei! — Ayla apontou o indicador para ele — Não fique incentivando maus hábitos nas crianças.
Colin suspirou e revirou os olhos.
— Chata.
— Não sou chata, só estou deixando-a educada, existem maneiras de se comportar a mesa, sabia?
Ayla continuou falando e Colin continuou ignorando-a. Às vezes ele falava algumas coisas para provocá-la, e Ayla continuava falando e falando.
Foi a primeira vez que Nailah sentiu-se pertencente a algo. Colin tinha o mesmo tom de pele que ela, e ela tinha o mesmo tom de cabelo que Ayla. Apesar de pequena e imatura, sua mente mentiu para si, e ela abraçou a ideia que aquele era um jantar em família.
A pequena sentiu o coração se encher de alegria e mesmo para uma criança, agradeceu por aquele momento feliz e acolhedor. Experienciar aquele momento foi como ter uma família que a amasse e a protegesse, e isso a enchia de conforto e paz.
Nailah ficou sentada no colo de Ayla o tempo todo.
O perfume de Ayla era suave e delicado, preenchendo o ar, criando um aroma suave e agradável. Às vezes Ayla mexia no cabelo de Nailah, ajeitava seu vestidinho e inconscientemente a abraçava, aproximando ainda mais aquelas duas.
Já Colin passava o ar de um homem carinhoso, atencioso e até mesmo bruto. O tipo de homem disposto a colocar sua própria vida em risco para garantir a segurança da família, o tipo de homem que nunca recuava.
Aqueles dois conversaram sobre diversas coisas, assuntos agradáveis que uma criança poderia ouvir. Falaram sobre retornar ao ducado de Colin, visitar as cidades no interior e até mesmo fazer doações e ajudar financeiramente aqueles dispostos a abrir um negócio na cidade.
Nailah comeu tanto que acabou dormindo com garfo e faca na mão.
Os dois pararam de falar, olhando para a garota dormindo.
Ayla abriu um sorriso, pegando-a no colo.
— Aqui! — disse baixinho, fazendo carinho no cabelo da pequena. — Coloca ela na cama, mas não faz barulho.
— Acha que não sei cuidar de criança?
Colin pegou-a no colo. — Já volto.
— Tá tão cheirosa assim por quê? — perguntou já sabendo da resposta.
— Vai logo! — ela deu dois tapinhas nas costas dele e Colin se afastou dando nela um selinho.
Nailah dormia como um anjo, encostando a cabeça no ombro dele. Colin caminhou pelo corredor e abriu a porta do quarto das meninas.
Meg acordou, mas Melyssa e Brey continuaram dormindo.
A deixou gentilmente na cama, tirou seus sapatos e a cobriu, afagando gentilmente os cabelos dela.
— Pai… — chamou Meg baixinho.
Colin andou sutilmente até ela e se abaixou.
— Oi, precisa de alguma coisa?
— Quer treinar comigo amanhã? — indagou baixinho, mal dando para ouvir. — Eu queria mostrar ao senhor o quanto evoluí… já até venci Tobi algumas vezes…
— Amanhã?
Ela juntou as mãos em uma súplica.
— Por favor, por favor, por favor…
Ele coçou a nuca.
— Tá… amanhã a gente treina, mas eu não vou pegar leve.
Os olhos de Meg brilharam.
— Obrigada, pai, te amo!
— Também te amo, agora vai dormir antes que as garotas acordem com os nossos cochichos.
— Brey e Melyssa passaram o dia comendo bolinho de chuva, se acordarem, será para pôr tudo para fora.
Colin apoiou a mão na boca abafando a gargalhada, e Meg fez o mesmo.
— Amanhã a gente se vê, Meg.
— Tá!
Ele beijou a testa dela e deixou o quarto sutilmente.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.