Capítulo 264 - Conspiração.
No Centro-Oeste do grande continente, o território que um dia pertenceu a Ultan foi invadido por Nortenhos que viram ali uma oportunidade de alcançar terras próximas e construir suas vilas, suas cidades e se estabelecerem por gerações.
Acostumados com a guerra e com combates, os guerreiros mais poderosos do Norte deslocaram-se por um império em ruínas.
Como era comum em incursões militares como aquela, eles invadiram as terras de um povo fragilizado, mataram todos os homens, tomaram as mulheres, e as crianças foram deixadas vivas para que fossem educadas de acordo com seu modo de vida.
Sem ninguém para pará-los, avançaram pelo oeste inteiro, deixando a capital da antiga Ultan em paz, já que aquelas florestas estavam cheias de feras, monstros e até demônios.
Em três meses dominaram todo Centro-Oeste, e as tribos começaram a se organizar, dividindo os territórios vastos em oito países, mas não tardou até que uma guerra sangrenta entre eles se iniciasse.
Cada país tinha um rei, o homem mais forte de cada tribo se apossou desse título, e desesperados por poder, o Oeste incendiou-se.
Muito sangue fora derramado, principalmente de crianças que deram sua vida aos países que agora estavam servindo.
Porém, algo os deixou em alerta.
Mensagens chegaram do Leste, um novo rei estava ascendendo naquele tímido reino, que não tardou para se tornar um país.
O novo Rei de Runyra era conhecido por sua brutalidade, e as histórias de que ele conseguiu pacificar o território hostil já circulava, além dos boatos de ele comandar um grupo de assassinos sanguinários conhecidos como Carniceiros, ainda mais brutais e cruéis do que os próprios Nortenhos.
Com medo de que seu ódio voltasse para eles, o Oeste da antiga Ultan formulou um acordo de paz e juntos, escreveram para Runyra, a fim de deixar as coisas como estavam, quem sabe estabelecer alguma relação diplomática, mas não houve resposta.
Aquilo só os deixou desesperados, e entenderam aquela afronta como uma declaração de guerra.
Fornalhas trabalhavam a todo vapor e as crianças envolveram-se em treinamentos rigorosos, mesmo aquelas que antes tinham celas escuras como moradia por seu mau comportamento.
Alexander já estava ciente disso, mas não entendia qual o jogo que Colin estava jogando. Seria mais inteligente que respondesse aos nortenhos, ele estaria tão seguro de sua força que mesmo cercado de todos os lados ele tinha fé que venceria?
Foi isso que deixou Alexander pensativo, então ele decidiu não se envolver com o Oeste, e sim aqueles que estavam sob seu controle.
No território de Alexander, situado em um canto obscuro e negligenciado da cidade, existia um antigo cemitério abandonado. Escondido em um beco sombrio e pouco frequentado, este local misterioso servia como ponto de encontro para os principais líderes envolvidos na iminente guerra que estava prestes a eclodir.
A entrada para o cemitério era marcada por uma lápide antiga, cujas dobradiças rangiam de maneira assustadora ao ser aberta.
Assim que se adentrava, encontrava-se uma pequena capela abandonada que servia como local de reuniões.
Na capela, as paredes eram revestidas por tapeçarias antigas que contavam histórias de tempos remotos. Os desenhos intricados e as cores desbotadas conferiam um ar de mistério e antiguidade ao ambiente. Símbolos místicos esculpidos em pedra adornavam as paredes, emanando uma aura de poder e magia.
O ar no interior da capela era úmido e frio, trazendo consigo o característico cheiro de mofo e terra molhada.
Uma baixa névoa esverdeada se espalhava pelo cemitério, criando uma atmosfera etérea e enigmática.
A névoa parecia dançar entre as lápides e contornar as árvores decrépitas, conferindo ao ambiente uma aparência sobrenatural e encantadora.
No centro da capela, um espaço simplesmente mobiliado abrigava uma mesa de madeira desgastada e algumas cadeiras de madeira escura.
A luz das velas, tremeluzindo em candelabros de ferro próximo à mesa, lançava sombras dançantes sobre os participantes da reunião.
— Tem certeza que aqui é seguro? — indagou o velho Franz de Runyra, com preocupação evidente em seu rosto enrugado. — Se aquele rei miserável souber que estive aqui, ele vai me matar!
Lumur, vestido com roupas escuras, respondeu com um ar de despreocupação. — Você está se preocupando atoa, o seu Rei é superestimado.
Franz olhou para Lumur com desconfiança. — Não deveria subestimá-lo. Esse rei conquistou mais territórios em poucos meses do que seu falecido pai em anos.
Yanolondor, com um dos pés apoiados na mesa, interveio com um ar de superioridade.
— Lutei contra a esposa dele, a mulher de cabelos brancos. Sabiam que ela possui um demônio onírico como seu Pandoriano? Aliás, é possível que o demônio tenha seguido o velho Franz até aqui.
Alexander, confiante em sua habilidade, rebateu com convicção. — Isso é completamente impossível. Meu miasma é tão preciso que consegue identificar cada forma de vida neste cemitério, desde as mínimas formigas até os menores vermes. Estou ciente de tudo o que nos rodeia. — Ele relaxou em seu assento, transmitindo uma sensação de segurança. — Fico satisfeito em ver que todos responderam ao meu chamado e estão presentes aqui.
Lumur abriu um sorriso debochado.
— Ouvi dizer que você era poderoso, “O homem capaz de enfrentar os carniceiros do Centro-Leste de frente”, mas aqui está você, convocando todos nós para o quê? Um complô contra o Rei de Runyra? Hehe, isso é um pouco deprimente.
Alexander assentiu, demonstrando serenidade em meio às provocações.
— Lumur, por que ainda não enfrentou o tal carniceiro, se o subestima tanto? Vencê-lo não deveria ser um problema para você, certo?
— Certamente não seria, mas eu queria ver o grande Alexander fazer isso com as próprias mãos.
— Quanta presunção — disse Yanolondor com uma pitada de sarcasmo. — Soube que você fugiu com o rabinho entre as pernas quando os Caídos começaram a destruição de Ultan. De todos nessa sala, você é o mais covarde.
Alexander, esforçando-se para manter a ordem na reunião, interrompeu a troca de farpas. — Senhores, vamos manter o foco no que realmente importa aqui. — Ele dirigiu seu olhar ao veterano caolho, Franz. — Que tal começarmos por você, Franz?
Ele engoliu em seco.
— Cla-Claro! Bem, o Rei Colin conseguiu trazer a rainha dos Elfos da floresta para o lado dele, e a sua popularidade continua bem alta, mas há algo mais importante que tenho a dizer, rainha Ayla está grávida!
Alguns ficaram surpresos.
Lumur aproveitou a oportunidade para fazer um comentário zombeteiro. — Hehe, esse miserável não perde tempo mesmo. Isso pode ser benéfico para nós. Se esperarmos o avanço da gravidez, podemos lidar com ela facilmente.
— Isso é coisa de covarde — disse Yanolondor irritado. — Qual o sentido de enfrentar alguém se este alguém não estará usando o seu máximo?
— Existe uma razão pela qual reuni todos vocês aqui — disse Alexander. — Não sou tão presunçoso a ponto de pensar que venceria o carniceiro e a caçadora sozinho, pois isso seria impossível.
Um silêncio tenso se espalhou pelo local, pois nem mesmo Lumur esperava ouvir aquelas palavras vindas de Alexander. O sorriso despretensioso no rosto de Lumur se dissipou momentaneamente.
— Há! O que te faz achar isso? — indagou Lumur. — Conheço Colin, ele não é tão forte assim.
Alexander, irritado com a presunção de Lumur, assentiu com seriedade.
— Por que não o enfrentou ainda? — repetiu Alexander, olhando fixamente para Lumur. — Colin possui o controle sobre uma rainha do abismo, além de um Elfo do Mar e um dos nossos espécimes mais poderosos.
Lumur sentiu um arrepio percorrer sua espinha, enquanto gotas frias de suor brotavam em sua testa.
— Isso é impossível! — insistiu Lumur. — Como alguém como ele poderia controlar uma rainha do abismo? E pelo que sei, Elfos do Mar estão extintos, e que espécime é esse?
Alexander cruzou as pernas, demonstrando sua postura de autoridade.
Um silêncio tenso pairava no recinto, enquanto todos os presentes o observavam com olhares arregalados.
Com um gesto solene, Alexander fechou os olhos e, ao abri-los novamente, um brilho esmeralda intenso irrompeu de seu olhar.
O ambiente ficou impregnado com uma pressão opressiva, fazendo com que os corações dos presentes acelerassem.
A voz de Alexander se tornou mais grave e ressonante, ecoando como um trovão no local.
— O Alexander que vocês conhecem está morto. — Proclamou ele, suas palavras ecoando com um poder avassalador. — Eu assumi este corpo, mas há limitações. Não posso utilizar todas as minhas habilidades quando estou no controle deste receptáculo humano.
Os olhos dos presentes se fixaram em Alexander, misturando-se entre fascínio e temor.
A aura opressora transmitida pelo sacerdote envolvia cada um deles, deixando-os cientes da magnitude do poder que ele carregava.
— Franz veio até mim em busca de ajuda, mas reuni o restante de vocês pessoalmente, selecionando-os cuidadosamente, pois compartilhamos um objetivo em comum. — Continuou Alexander, sua voz ecoando com uma aura sinistra. — O Rei de Runyra e todo o seu séquito são um obstáculo para a chegada do meu senhor.
— Seu senhor? — indagou Lumur, seu rosto pálido e coberto de suor frio. — Do que você está falando?
— Meu nome é Braz’gallan e sou um dos apóstolos do Deus morto. — Declarou ele com uma autoridade assustadora. — Meu objetivo é trazer, o meu senhor, a este mundo, mas não posso realizar essa tarefa sozinho. Meu senhor, é benevolente e generoso. Se vocês me ajudarem, serão recompensados.
Os membros da reunião se encolheram em suas cadeiras, dominados pelo medo e pela incerteza.
Nunca haviam visto um apóstolo do Deus morto antes e a presença de Braz’gallan os deixou aterrorizados.
— S-Se você serve a um ser tão poderoso, n-não deveria conseguir derrotar Colin sozinho? Mesmo com todos os seres do contrato ao lado dele? — gaguejou Lumur.
Braz’gallan respondeu com calma, enfatizando sua limitação atual.
— Como eu já disse, no momento atual, eu não seria páreo para o Carniceiro, e o mesmo vale para todos vocês. É por isso que precisamos nos unir. Minha companheira já está neste mundo, mas não quero arriscar. Não é apenas o Carniceiro que representa um problema, mas também todos os seus aliados. Ele fez alianças perigosas e há espiões infiltrados em todos os lugares. Juntos, vamos erradicá-lo deste mundo, assim como todos os que o apoiam.
Os homens na sala trocaram olhares preocupados, conscientes de que não tinham escolha senão seguir adiante com o plano proposto pelo misterioso Braz’gallan.
O medo pairava no ar, palpável e opressor.
— Q-Qual é o plano? — indagou Franz com a voz trêmula.
Braz’gallan respondeu com calma, exalando uma aura sombria.
— Levará tempo, mas irei convocar meus espectros mais poderosos. Fornecerei artefatos provenientes dos caldeirões ferventes do primeiro nível do abismo. Enquanto isso, vocês devem continuar fortalecendo seu exército. Quando chegar a hora, vocês serão devidamente avisados.
Lumur sentia uma apreensão crescente dentro de si.
Se tudo isso estava sendo arquitetado para derrotar um único homem, Colin, então o quão poderoso ele realmente era?
Yanolondor, por sua vez, levantou uma questão importante.
— E depois que tudo estiver resolvido? O que acontecerá? Dividiremos Runyra igualmente?
Braz’gallan respondeu com frieza.
— Vocês podem ficar com Runyra. O que quero é o Carniceiro morto. Ele roubou algo precioso do meu senhor, e isso não pode ficar impune.
Alexander, cuja identidade estava agora amalgamada com Braz’gallan, apoiou as mãos no braço da cadeira e ergueu-se, emanando uma autoridade sombria.
— O Carniceiro tem sob seu controle o ser mais poderoso deste plano, uma criatura gerada a partir de um galho da grande árvore. Não sei quais são as implicações disso, mas ele tem o poder de extrair o máximo potencial desse ser, aumentando sua própria força. Portanto, não enfrentem-no sozinhos, ou serão derrotados. Estejam atentos, pois espiões de Runyra estão em todos os cantos. Cautela é fundamental.
Ele ajustou sua batina, alinhando cada dobra com cuidado, antes de sair do quarto.
Ao virar o corredor, deparou-se com um homem encostado na parede, aguardando o fim da reunião.
— Quando você chegou? — indagou Alexander, surpreso com a presença inesperada.
— Não se preocupe, ouvi tudo. — respondeu Coen, emergindo das sombras envolto em uma capa escura.
— Veio aceitar minha proposta? — questionou Alexander.
Coen esboçou um sorriso sutil.
— Se você está pedindo minha ajuda, é sinal de que as coisas estão realmente sérias. Mas entendo seu lado. É melhor não subestimar meu garoto. — Ele caminhou em direção a Alexander. — Vou ajudá-lo, contanto que me dê o que pedi.
Alexander, um tanto irritado, resmungou.
— Como você sabe que ela está comigo?
Coen deu de ombros, exibindo um ar de superioridade.
— Não é apenas você que está ciente das coisas, Apóstolo do Deus Morto.
Suspirando, o sacerdote finalmente cedeu.
— Está bem, você terá a Lâmina do Sol. No entanto, fico curioso, por que você deseja especificamente esse artefato? — Alexander franziu o sobrolho, em busca de respostas. — Você quer matar um demônio? Um ser superior? Ou talvez… um vampiro?
Coen deu de ombros novamente, mantendo sua expressão misteriosa.
— Você tem os seus segredos e eu tenho os meus.
Alexander assentiu.
— E como planeja ajudar? Lutará contra o seu próprio filho?
Coen balançou a cabeça com um sorriso.
— Será um de meus companheiros. Não se preocupe, ela é forte e precisa treinar suas habilidades com alguém forte. O meu garoto servirá, será um reencontro emocionante.
— Ela?
— Sim. É apenas uma adolescente, mas garanto que não vai decepcioná-lo.
Alexander fixou os olhos em Coen, transmitindo sua desconfiança por meio de um olhar penetrante.
— Espero que não esteja me enganando, Coen. Caso contrário, enfrentará severas consequências — advertiu Alexander.
Coen, por sua vez, virou as costas para Alexander, exibindo um sorriso enigmático enquanto começava a caminhar em direção aos fundos do local.
— Não há motivo algum para que eu o engane, meu caro. A volta de Drez’gan é igualmente benéfica para mim.
Embora tivessem chegado a um acordo, Alexander não conseguia depositar confiança plena em Coen.
Ele sabia que a serpente dissimulada poderia ter segundas intenções por trás de suas palavras e ações.
Com a mente repleta de suspeitas, Alexander murmurou em voz baixa:
— Tsc… essa serpente asquerosa, o que está planejando?
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