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    Numa vastidão alva, onde o horizonte se fundia com o céu numa tapeçaria monocromática de branco, o frio reinava supremo.

    Cada sopro de vento carregava consigo um alento gélido, capaz de penetrar até os ossos mais resistentes, silenciando o mundo sob um manto de frieza implacável.

    O silêncio era tão profundo que se podia quase ouvir o som dos próprios pensamentos, fragmentando-se no ar gelado. O campo nevado estendia-se por quilômetros, um deserto branco, implacável e majestoso, marcado apenas pela presença esporádica de árvores petrificadas pela geada, suas formas retorcidas e imóveis como sentinelas de um reino congelado.

    No seio dessa imensidão, viam-se pegadas profundas. As marcas, precisas, revelavam o percurso de alguém não dissuadido pelo rigor do clima.

    Uma mulher Orc caminhava com passos decididos e, ao seu lado, estava Dasken, fumando o seu cigarro. Ambos estavam envoltos em pesadas camadas de roupas, seus corpos quase completamente ocultos sob peles e tecidos grossos.

    A Orc, parando momentaneamente para observar as vastas extensões de branco à sua frente, quebrou o silêncio.

    — Estamos chegando — disse ela, o vapor de sua respiração formando uma névoa tímida diante de seus lábios.

    Dasken, removendo o cigarro de entre os lábios com um movimento lento, assentiu em silêncio. Seu olhar, fixado na distância, parecia contemplar o peso das palavras dela, enquanto a fumaça de seu cigarro dançava caprichosamente ao redor, antes de ser abruptamente dispersada pelo vento gelado.

    — Certo, você vai na frente.


    À medida que a jornada prosseguia, a imensidão branca começou a ceder, lentamente, revelando-se menos uma barreira e mais uma cortina, atrás da qual o esboço de uma civilização orcs emergia.

    Era como se a própria terra tivesse decidido erguer, de seu seio, estruturas imponentes, moldadas pelas mãos e pela habilidade férrea de seus habitantes.

    As residências, maciças e brutais em sua beleza primitiva, eram uma colagem de pedra e madeira.

    Os telhados, pesados sob o peso da neve acumulada, curvavam-se graciosamente sobre as paredes fortificadas, erguidas não só contra as invasões do clima, mas também contra as de inimigos menos previsíveis.

    Conforme se aproximavam, o silêncio quase etéreo do mundo coberto de neve dava lugar ao murmúrio suave, porém distinto.

    Foi então que os orcs, com sua pele de um verde profundo, começaram a emergir.

    Eles se erguiam altos, mais altos do que os homens costumam sonhar, com martelos de guerra que eram tanto promessas quanto ameaças. Seus olhares, ao encontrarem Dasken, exalaram uma mistura de curiosidade e hostilidade.

    Entre eles, um orc destacava-se por sua altura. Ele avançou, o martelo em sua mão estava mais para um símbolo de poder do que uma arma.

    — Carhana? É você? — Ele se concentrou em Dasken no fundo, que, se sentindo ameaçado, apoiou a mão no cabo da enorme espada em suas costas. — Quem é o humano que trouxe com você?

    — Ele é um amigo, seus amigos nos salvaram e estão mantendo os outros seguros ao leste daqui.

    A desconfiança no olhar do orque suavizou, mas não desapareceu.

    — Escute, humano, se quiser entrar, vai ter que deixar sua espada comigo!

    — Nem ferrando!

    Carhana colocou-se entre os dois, tentando apaziguar os ânimos.

    — E-esperem, por favor, não viemos aqui para brigar e senhor Dasken, confie em mim, por favor…?

    — Quer que eu entre desarmado em uma vila orc? Sabe o quão absurdo isso soa?

    — É apenas precaução, eu juro!

    Seus olhos encontraram os dela e ele suspirou.

    — Se algo acontecer comigo, meus amigos irão me rastrear e chegar a esse lugar. É melhor que estejam preparados para as consequências. — Retirando a espada das costas, ele a jogou para o orc e atirou a butuca de cigarro na neve. — Estou pronto, vamos.

    — Certo — disse o orc. — Te levarei até o nosso líder, humano…


    À medida que Dasken adentrava mais profundamente na vila orque, a tensão inicial que envolvia sua chegada começou a dissipar-se, substituída por uma súbita sensação de curiosidade.

    A vila, apesar de sua aparência rústica e fortificada, vibrava com uma energia pulsante. Crianças orc, com seus sorrisos desinibidos e olhares brilhantes, brincavam sem se preocupar, correndo entre os visitantes e os lares.

    Olhando ao redor, notava-se uma população composta majoritariamente por mulheres e crianças.

    “Não há muitos orc para proteger a vila”, pensou Dasken. “Estão patrulhando ou este é mesmo o número real deles?”

    — Chegamos, humano.

    A tenda do líder erguia-se no centro da vila, distinta e imponente. Decorada com ossos de troll e crânios de gigantes, as suas entradas exibiam troféus de batalhas, não como um aviso ameaçador aos visitantes, mas como uma demonstração de força.

    Ao adentrar a tenda, Dasken foi imediatamente tomado pela atmosfera densa. O interior era espaçoso, com o chão coberto por peles de animais e o ar preenchido pelo odor de ervas queimadas e couro.

    À luz tênue das tochas que bruxuleavam contra as paredes de tecido, via-se o líder da tribo nos fundos da tenda, afiando uma espada ornamentada de proporções enormes.

    Suas mãos, grandes e calejadas, moviam-se com uma precisão que contradizia seu tamanho.

    — Líder Kodogog! — chamou o orc. — Esse humano trouxe Carhana de volta, e disse que os outros que os gigantes levaram estão sob sua custódia agora.

    Ele encarou sua espada afiada e deixou a penumbra. Seus cabelos negros estavam longos, mas ele não tinha um semblante tão hostil quanto os outros orcs.

    — Obrigado — disse. — Kodogog assume daqui.

    — Sim, senhor.

    Dasken foi deixado na tenda.

    — Quer chá, humano?

    — Não, eu estou bem, obrigado — disse abanando as mãos.

    — Kodogog adora chá, não crescem muitas ervas nesse lugar, e nesse gelo, tudo fica gostoso ao paladar. — Enchendo um chifre enorme com chá, o orc sentou-se no chão e Dasken fez o mesmo. — Não é comum, humanos virem tão a noroeste.

    — Viemos para cumprir uma missão de Runyra.

    — Runyra? — Ele tomou o chá. — E o que é isso, uma mulher humana?

    — Não, é um império. O norte está sob domínio de Runyra e é nossa missão pacificá-lo.

    — Kodogog acha que pacificar o norte é impossível. Os elfos da neve querem uma parte, assim como os orcs e os gigantes. O resto dos humanos, como você, foi embora quando o imperador dos céus foi morto meses atrás.

    Pensativo, Dasken alisou o queixo.

    — Então isso explica por que os nortenhos estavam tão desesperados… bem, os nortenhos que fugiram foram acolhidos por Runyra, eles estão bem agora. Queremos fazer o mesmo aqui.

    Kodogog acabou com o chá do chifre.

    — Me responda, humano, quem é o novo Ultan?

    — Novo Ultan? Não acho que o chamar assim seja o correto. Não financiamos a guerra como Ultan, e a maneira de Runyra de administrar um império é bem diferente. Devia ir até a capital, todas as raças são bem-vindas, até mesmo orcs assustadores como você. O nome dele é Colin.

    Silêncio permaneceu entre eles, até que o sorriso de Kodogog reverberou pela tenda, gargalhada alta enquanto ele batia em sua própria coxa.

    — Colin? — disse com um sorriso. — Um homem de pele escura, com um semblante imutável de irritação e com os braços cheios de tatuagens?

    — … Você o conhece?

    — É claro que conheço! — Kodogog ergueu-se. — Ele é um irmão para Kodogog, vamos buscar os seus amigos e festejar! Brindaremos em homenagem ao irmão Colin!

    Dasken coçou a nuca, abrindo um sorriso de canto.

    “Senhor Colin só conhece ser estranho?”

    — Senhor Kodogog, deixe o banquete para quando isso terminar, o que acha?

    — Você quem sabe, humano, vamos, preciso conversar com o seu líder.

    — Certo…


    Vestindo uma armadura escura, Lina Ultan I cavalgava através do campo de batalha desolado. A terra, antes verde e serena, agora estava marcada pelos horrores de uma batalha brutal.

    Espadas cravadas no solo eram testemunhas mudas da feroz luta que ocorreu ali. Algumas permaneciam de pé, outras tombadas.

    O metal das lâminas reluzia sob a luz do sol, enquanto manchas de sangue e sujeira contavam a história de centenas de vidas ceifadas.

    Cheiro pesado de carne queimada pairava no ar, uma mistura nauseante de ferro, fumaça e desespero. O solo, uma vez vibrante, agora estava encharcado com o sangue derramado pelos caídos.

    Apesar de sua imponência, o cavalo de Lina pisava sobre a terra ensanguentada, deixando pegadas marcadas pelo luto da batalha.

    Bandeiras despedaçadas tremulavam ao vento, cores desbotadas e desgastadas pela guerra contrastavam com o céu azul, criando uma visão melancólica do orgulho e da bravura que uma vez ostentaram.

    — Parece que foi uma briga entre dois exércitos de principados distintos — disse Eilika, a pandoriana camundongo, aparecendo ao lado de Lina. — Não acho que há dedo de Lumur nisso.

    Lina desceu do cavalo e vislumbrou melhor o cenário do topo de um morro.

    Ao longo do campo, corpos em diferentes estados de decomposição pontuavam a paisagem. Alguns estavam estendidos como testemunhas silenciosas do conflito, enquanto outros eram empilhados, à espera do banquete dos corvos.

    A expressão de dor e agonia permanecia congelada nos rostos dos caídos.

    — Lumur é inteligente, ele deve ter instigado isso.

    — Como? — indagou a pandoriana centauro, Celeste.

    — O império do sul, o Norte, e até mesmo Noron de Alexander, há várias facções nesses países que estão com medo de um avanço de Runyra, e cada uma delas acha o seu próprio jeito de governar o correto. Em vez de se juntarem, estão brigando entre si para assumir o poder e se concentrar em deter Runyra.

    — Mas eles não deviam fazer igual à Leif? Se unir?

    — Deveriam, mas Leif está morto, essas facções não consideram os métodos daqueles que já se foram, os veem como falhos, e a rainha de Runyra sabe jogar esse jogo doentio.

    Eilika saltou por um cadáver. — Acha que a gente consegue matar Lumur sozinhas?

    — É só aproveitar essa bagunça. Esses idiotas vão continuar se matando, então quanto mais deles morrem, mais fácil será alcançar meu irmão. Vamos, temos que continuar.

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