Índice de Capítulo

    Envolvidos em mantos que lhes conferiam um ar de dignidade apesar da ansiedade que os consumia, os nobres de Yonolondor embarcaram em suas carruagens com destino a Runyra, a capital do rei Colin.

    A autorização de Colin para sua jornada era, ao mesmo tempo, um passaporte e um prenúncio do que estava por vir.

    As carruagens, ricamente adornadas, mas agora carregadas de um propósito, deslizavam pelas estradas que atravessavam os territórios recém-conquistados, oferecendo aos nobres uma visão inesquecível da brutalidade da guerra.

    Enquanto avançavam, as cenas de destruição e morte desenrolavam-se diante de seus olhos como páginas de um livro de terror.

    Testemunharam soldados inimigos empalados em estacas à beira da estrada, suas expressões eternizadas em tormento. Árvores se transformavam em sinistras obras de arte, com corpos enforcados balançando ao vento, um lembrete grotesco do destino reservado aos traidores e aos vencidos.

    Campos que outrora abrigavam colheitas e esperança agora jaziam manchados pelo vermelho-escuro do sangue, com cadáveres servindo de festim para corvos e abutres.

    Fortes tomados exibiam uma decoração macabra: cabeças de defensores derrotados presas por ganchos adornavam as paredes, um aviso para todos que desafiavam o rei.

    Essas visões alimentavam seus imaginários e aumentavam exponencialmente o temor que sentiam em relação ao rei Colin, cuja fama de impiedoso agora se confirmava diante de seus próprios olhos.

    Quando finalmente adentraram o território de Noron, onde a lendária derrota de Alexander se desenrolara, esperavam encontrar uma cidade em ruínas.

    Para sua surpresa, Noron estava longe de ser um cenário de desolação.

    Em vez disso, a cidade pulsava com a vida cotidiana, seus habitantes movendo-se com um senso de propósito e normalidade, diferente do caminho de destruição que haviam testemunhado.

    Continuando sua viagem, os nobres foram conduzidos por vales esverdeados, passando por vilas cujas casas eram construídas de pedra, ricamente ornamentadas, mostrando um cuidado e uma prosperidade que não esperavam encontrar.

    Cruzaram vilas habitadas exclusivamente por Elfos ou humanos, bem como comunidades mistas, onde a coexistência pacífica parecia ser a norma, não a exceção.

    Finalmente, após dois dias, se aproximaram de Runyra, foram tomados por uma sensação de espanto diante da magnificência da arquitetura gótica que definia a cidade.

    Torres altas apontavam para o céu, suas fachadas esculpidas contando histórias de triunfo e conquista, enquanto os vitrais coloridos capturavam a luz do sol, projetando um mosaico de cores vibrantes sobre o pavimento de pedra.

    As famílias dos nobres foram cuidadosamente direcionadas a um local seguro, enquanto Tuly conduzia os nobres visivelmente tensos através dos corredores do palácio de Runyra.

    — Vossa majestade está os esperando atrás dessa porta, senhores.

    Engolindo em seco, eles adentraram.

    As paredes de pedra, grossas e imponentes, pareciam absorver a luz fraca das tochas que iluminavam o ambiente, criando sombras dançantes que ampliavam a sensação de uma gravidade inquietante.

    No centro da sala, sobre um trono elevado e adornado com símbolos de poder, sentava-se o Rei Colin.

    Seu olhar penetrante varria os nobres de Yonolondor reunidos à sua frente: os Condes Martuniano, Sereminus e Leprocy; os Duques Morgot e Respien; e o Marquês Gereminion.

    Estes homens, acostumados com o respeito e a deferência de seus súditos, agora se viam reduzidos a figuras quase servis, intimidados pela aura agressiva de autoridade e perigo que emanava de Colin.

    O ar era tão espesso com a tensão que parecia difícil de respirar, e o peso da situação pressionava seus ombros com uma força insuportável.

    — Podem se sentar — disse Colin cordialmente. — Não querem ter uma reunião dessa em pé, ou querem?

    Suando frio, eles rapidamente sentaram-se.

    Entre os nobres, havia somente humanos. A coligação do norte, que costumava ficar à frente, havia desaparecido sem deixar rastros.

    — E então, senhores, como foi a viagem?

    Conde Martuniano, tentando mascarar seu nervosismo, foi o primeiro a falar:

    — Foi tranquila… Majestade, reconhecemos a força e a justiça de seu reino. Estamos aqui para negociar nossa rendição sob termos que garantam a segurança e o bem-estar de nosso povo.

    — Direto ao ponto… certo, o que tem para me oferecer? Algo que eu não possa tomar.

    Duque Respien, engolindo em seco, ousou dizer:

    — Sua Majestade, entendemos a grandeza de Runyra e sua liderança. Até estamos dispostos a oferecer alianças mais… pessoais. Minha filha mais nova, conhecida por sua beleza sem igual, poderia…

    Colin o interrompeu com um aceno de mão, uma expressão de desinteresse cruzando seu rosto.

    — Mulheres jovens são como vinho novo, falta nelas a complexidade dos anos. Prefiro as que tenham histórias para contar. E o que te faz achar que eu não possa tomar sua filha se assim eu quiser?

    Marquês Gereminion, cujo rosto pálido denunciava o medo que sentia, falou com uma voz trêmula:

    — Mas, Majestade, o que então deseja de nós? Estamos dispostos a fazer o necessário para preservar nosso povo.

    Com um sorriso enigmático, Colin se levantou.

    — Já exterminamos 70% das forças de Yonolondor. Se realmente desejam provar seu valor e ganhar meu respeito, então enfrentem Yonolondor por conta própria. Derrotem aqueles que ainda resistem sob o seu estandarte. Se falharem, ou pior, se morrerem, isso apenas provará sua inutilidade.

    Um silêncio sepulcral caiu sobre a sala enquanto os nobres de Yonolondor absorviam a implacável condição imposta pelo rei. O desafio era aterrorizante, mas a alternativa seria a submissão total ou a aniquilação.

    Conde Leprocy, encontrando sua voz depois de um longo momento, falou:

    — Entendemos, Majestade. Aceitamos seu desafio. Por nossas terras, nosso povo e nossa honra, faremos o que for necessário…

    Com um aceno de aprovação, Colin sentou-se novamente em seu trono.

    — Então, que assim seja. Mostrem-me que têm valor, e talvez encontrem lugar em meu novo mundo. Falhem, e serão esquecidos pela história. E mais uma coisa, vocês vieram com suas famílias certo? Eles ficam aqui até que resolvam esse problema. Não se preocupem, não farei nada com eles, estão seguros aqui.

    — …

    Com essa declaração final, a breve reunião chegou ao fim.

    — Tuly! — chamou Colin. — Diga para Elhad e os outros voltarem para casa. Rontes não é mais um problema nosso.

    — Como queira, senhor.

    Novamente ele estava sozinho. Fechando os olhos, ele inspirou profundamente. Ao reabrir os olhos, a sala se transformou.

    A sua frente, como se emergissem das sombras, apareceram os rostos daquelas cujas vidas ele reivindicou.

    Soldados de Rontes, marcados pelos uniformes desgastados e olhares que mesclam surpresa com resignação; homens que, em seus últimos momentos, suplicaram por clemência, seus rostos contorcidos em súplicas mudas.

    Também se deparou com as imagens dos bandidos de suas primeiras aventuras, rudes e desafiadores, seguidos pelos pálidos e distorcidos rostos dos vampiros de Alistar que aniquilou.

    Homens de Ultan, identificáveis por suas vestimentas distintas, se juntaram à macabra assembleia junto com mais bandidos e mercenários, um mosaico de vidas ceifadas por suas mãos.

    Não eram meras visões; elas pareciam possuir uma substância quase tangível, puxando a borda de sua calça, sussurrando segredos e acusações em seus ouvidos com vozes que eram um misto de raiva, dor e, às vezes, aceitação.

    Eles o tocavam, dedos frios como a morte, buscando conforto ou talvez vingança no toque.

    Colin se mantinha surpreendentemente calmo.

    — Não vão mesmo me deixar em paz até que eu me junte a vocês, né?

    Assim que ele piscou e inspirou fundo mais uma vez, a visão aterrorizante havia sido desfeita, como se nunca tivesse existido.

    Colin fechou os olhos por um momento, permitindo-se um último suspiro de resignação antes de se voltar para deixar o quarto.


    Caminhando pelo corredor, as mãos casualmente enterradas nos bolsos de sua túnica real, Colin se movia com uma elegância despretensiosa.

    O corredor, iluminado por orbes espaçados uniformemente, ressoava com o som de seus passos.

    À sua passagem, os servos e guardas do palácio inclinavam-se em reverência, seus rostos marcados por uma mistura de admiração e temor.

    Os olhos de Colin, no entanto, eram atraídos para os quadros que adornavam as paredes. Primeiro, pelas centenas de retratos gloriosos que celebravam suas conquistas e vitórias. Então, pelos quadros de suas esposas, belas e serenas, e de seus filhos, símbolos de seu legado e futuro.

    Finalmente, ele chega à sala onde sua tia o aguarda.

    Ao abrir a porta, foi recebido por seu sorriso caloroso.

    — Colin! É sempre uma surpresa vê-lo por aqui!

    Ele beijou a testa da tia e sentou-se ao seu lado.

    — E Eilella, notícias dela?

    — Sua prima está se virando bem, mas ouvi dizer que ela ainda não abandonou a espada.

    Colin relaxou na cadeira.

    — É bom ouvir isso… tia, já se sentiu culpada por alguém que teve que matar?

    Ela o observou atentamente antes de responder, sua expressão suavizando-se em reflexão.

    — Sim… Houve momentos em que a culpa pesou em meu coração. Mas, como líder, há ocasiões em que certas ações se tornam necessárias. Não é uma questão de desejo, mas de responsabilidade para com aqueles que governamos.

    Colin ponderou suas palavras, seus olhos desviando-se momentaneamente para o vazio, como se buscasse nas sombras respostas para perguntas não formuladas.

    — E você? — ela inquiriu, quebrando o silêncio que se segue. — Você sente isso?

    — Eu… não sei — ele admitiu, a incerteza tingindo sua voz. — Há momentos de dúvida, de questionamento sobre minhas ações… não é algo que eu pense com frequência.

    Ela acenou com a cabeça, entendendo.

    — É compreensível. Mas agora, você é um rei. Pode parecer egoísta, mas a hesitação que você sente é um luxo que pessoas comuns podem se permitir. Você não é comum, Colin. Suas responsabilidades transcendem o individual; elas abrangem o destino de todos sob seu reinado, e um rei não hesita.

    — …

    Ela tocou nas mãos do sobrinho.

    — Você deve encontrar força não apenas em sua capacidade de liderar, mas também em sua habilidade de carregar as consequências de suas decisões, por mais difíceis que sejam. Pense, por mais que seja um rei em ascensão, você não pode deixar que essas dúvidas transpareçam. Dúvidas são como um ferimento que aos poucos gangrena, até que você é obrigado a amputá-lo, ficando marcado para sempre.

    Suspirando, ele coçou a cabeça.

    — Eu sei… é que são muitas coisas para serem pensadas, e às vezes sinto que eu poderia ter seguido outro caminho…

    Ela apertou mais forte as mãos dele, o encarando no fundo dos olhos.

    — Sabe, as raças de Elfos e acredito que também os humanos começaram com pequenos núcleos familiares, incluindo também os servos. Dentro destas famílias, havia papéis de liderança. Para a vida ficar mais fácil, essas famílias se juntaram a pequenas comunidades. As comunidades cresceram e formaram as tribos, que eram grupos de famílias ligadas por laços de parentesco ou afinidade, que compartilhavam rituais, responsabilidades religiosas e militares. As tribos se reuniam em tribos maiores, que eram maiores unidades sociais e políticas. Essa coesão foi o princípio de algo que os humanos chamam de cidades-estado.

    Colin não entendia onde ela queria chegar, mas não a questionou.

    — Cada cidade tinha sua própria forma de governo, deuses, patronos, leis e costumes. Assim nasceram os reis. Resumindo, a questão é que o rei surge como a ideia do “pai de família”, porém, seu núcleo familiar apenas aumentou.

    Após um breve silêncio, em que o peso das palavras ainda ressoava pelo ar, a tia de Colin continuou, sua voz firme, mas carregada de carinho.

    — Colin, como um pai, a dúvida é um luxo que você não pode se permitir. Suas esposas, seus filhos, até mesmo eu, seguiremos sua liderança. Todo o seu povo olha para você em busca de direção. Pode parecer duro, mas é a realidade. Além de rei, você é um homem agora. E o destino deste reino depende das escolhas que você faz, do caminho para o qual decide nos guiar. Esse é o verdadeiro fardo de um rei.

    Colin assentiu, absorvendo as palavras.

    — Entendo a gravidade do que está dizendo, mas como posso garantir que estou fazendo a escolha certa? Como posso ser o líder que todos esperam que eu seja?

    — Não existe garantia, Colin. Ninguém espera que você seja perfeito. Mas esperamos que você aja com coragem, justiça e sabedoria. Suas decisões devem ser tomadas não apenas pensando no presente, mas também nas gerações futuras. Seu coração e sua mente devem estar alinhados com o bem do reino.

    — Vou lembrar disso. E farei o meu melhor para ser o rei que este reino merece.

    — Sei que você será, eu acredito em você, afinal, é o filho da sua mãe — ela concluiu, oferecendo-lhe um sorriso encorajador que selava não apenas sua fé nele, mas também o amor quase materno que sentia pelo garoto. 

    — Tenho que ir, tia — ele beijou novamente a testa dela, deixando o cômodo.

    Após Colin deixar a sala, sua tia permaneceu por um momento em silêncio, refletindo sobre a conversa que acabaram de ter e sobre o homem que seu sobrinho estava se tornando.

    Ela sabia da reputação de Colin fora das muralhas do palácio: um guerreiro temível, cujos inimigos o consideravam cruel, uma força da natureza no campo de batalha que não hesitava em usar a violência quando necessário.

    Mas essa era apenas uma faceta do homem que ela conhecia.

    Aos olhos de seu povo, Colin era amado, visto como um líder justo que defendia seus interesses com fervor inabalável.

    Seus filhos o adoravam, vendo nele não apenas um pai, mas um herói cujas histórias os inspiravam a seguir seus passos.

    Suas esposas eram tão devotamente ligadas a ele que sua dedicação parecia transcendente.

    Cykna seguia como a principal figura materna em sua vida desde a perda de sua verdadeira mãe. Ela se esforçava para orientá-lo, mantê-lo no caminho certo, mesmo quando o peso de seu destino parecia esmagador.

    Diferente da última vez em que se viram, Colin parecia mais sereno, mais centrado. Ele estava buscando respostas, mas havia uma nova qualidade em sua busca: um desejo de melhorar não apenas a si, mas também o reino todo.

    Era evidente que as questões de liderança e responsabilidade estavam pesando sobre ele, moldando-o em um líder mais contemplativo e possivelmente mais sábio.

    Foi então que ela sorriu para si mesma, um sentimento de orgulho misturado com uma ponta de preocupação.

    Colin estava, de fato, começando a pensar e agir como um verdadeiro monarca. No entanto, ela sabia que as provações à frente testariam sua resolução e os princípios que começava a abraçar.

    Como alguém que havia visto outras gerações de sua família governar, ela entendia que o caminho de um rei nunca era fácil, mas também sabia que as maiores lições muitas vezes vinham dos desafios mais difíceis.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota