Índice de Capítulo

    No horizonte enevoado, onde a neve caía com suavidade, desenhando um véu branco que cobria a terra e o ar, emergiam formas obscuras.

    A visibilidade era reduzida, a névoa formada pela neve no ar dificultava discernir qualquer coisa além de vultos indistintos movendo-se ao longe. Nesse mundo silencioso, apenas o som abafado dos passos na neve fresca e o ocasional estalar de galhos sob o peso do gelo quebravam o silêncio.

    De repente, um dos homens, atento às formas que se aproximavam, ergueu sua trombeta e soprou um aviso.

    Fuooooon!

    O som metálico ressoou através da paisagem fria, um alerta agudo que fez todos os companheiros pararem e se prepararem para o desconhecido.

    Corações batiam mais rápido, mãos apertavam firme as armas, e olhos se esforçavam para penetrar a bruma gelada que envolvia tudo.

    Mas, à medida que as silhuetas se aproximavam, os contornos começaram a se definir mais claramente, revelando a verdadeira natureza dos recém-chegados. Não era um inimigo que avançava, mas sim Dusken e os Orcs.

    O alívio se espalhou rapidamente entre os homens, o ar se enchendo de suspiros abafados e risadas nervosas conforme o tensionamento dos músculos se dissipava.

    Dusken, liderando o grupo, acenou de longe, um gesto de camaradagem que era visível mesmo através da neblina da neve.

    Os Orcs, com suas imponentes estaturas e armaduras cobertas de neve, moviam-se com uma graça surpreendente para seu tamanho, cada passo deixando uma marca profunda na neve virgem.

    — Está tudo bem! — berrou Dasken. — Podem abaixar as armas!

    As Orcs cativas imediatamente reconheceram os membros de sua tribo. Emocionadas e com corações aliviados, partiam para o abraço.

    Samantha, distante, observava a cena com olhos atentos e uma sobrancelha arqueada em curiosidade.

    A familiaridade do rosto de Kodogog a inquietava; apesar da semelhança inerente entre os Orcs, havia algo nele que despertava memórias adormecidas.

    “Aquele Orc … ele não me é estranho.”

    — A nevasca me atrasou alguns dias — disse Dasken caminhando para perto de Samantha. — Eles não são como os Orcs que nos atacaram, e não vai acreditar, o grande ali disse que conhece o Colin.

    Com um tom de surpresa que rompeu o murmúrio do vento, ela exclamou:

    — Kodogog?!

    Ele, virando-se lentamente, encarou-a com olhos que em um primeiro momento estavam cheios de dúvida.

    — Irmã Samantha?


    A noite havia se estabelecido sobre eles, e o crepitar da fogueira era o coração do acampamento. Sentados em um círculo imperfeito, os companheiros partilhavam o hidromel dos gigantes, uma bebida de sabor antigo e reconfortante.

    O líquido âmbar escorria das jarras como néctar dourado, exalando um aroma que misturava o doce do mel com o calor do álcool.

    — Não há nada como o hidromel dos gigantes para aquecer o espírito nas noites frias — comentou um dos homens de Samantha.

    — Então o irmão Colin se tornou rei! — Kodogog ergueu o copo para um brinde. — Viva o rei!

    As pessoas entorno da fogueira o acompanharam.

    — E então, Kodogog, precisamos de um meio para acabar com a guerra — disse Samantha. — O Noroeste é grande demais e nosso contingente é minúsculo. Precisamos terminar com isso o mais rápido possível.

    — O homem do cigarro perguntou isso a Kodogog, e Kodogog dirá a você o mesmo que disse a ele: pacificar o norte, mais precisamente, o noroeste, é impossível. Existem muitas tribos de Orcs, e ainda mais tribos de gigantes. É impossível que eles fiquem sob uma única bandeira.

    Pensativa, Samantha alisou o queixo.

    — Faz algumas semanas que estamos aqui. Minhas ordens foram claras: exterminem todos os grupos de gigantes e Orcs que encontrarem.

    — Isso não adiantará, irmã Samantha, só vai deixá-los mais furiosos.

    Suspirando, ela bebeu do hidromel.

    — E o que você sugere?

    — Kodogog acha que é mais fácil convencer o líder do que a tribo. Se o líder aceitar, a tribo vai segui-lo, mas com gigantes é mais difícil, vai precisar fazer acordos. Eles estão atrás de terras desde que perderam a ilha das fadas na guerra há centenas de anos.

    — Entendi… no fundo, eles só querem um lar, e passaram por cima de todos para acontecer isso, né? Escreverei para Colin, mandarei um falcão, preciso da permissão dele para fazer o que tenho em mente.  


    [Uma semana depois.]

    Colin estava do lado de fora do quarto, ansiedade pulsando em cada fibra de seu ser.

    Seus olhos percorriam o corredor, mas sua mente estava presa à porta fechada à sua frente. As mãos, inquietas, buscavam distrações, dedos traçando padrões invisíveis na palma das mãos.

    O suor formava pequenas gotas em sua testa, reflexo do nervosismo que o consumia. As respirações profundas eram tentativas de acalmar não apenas seus pulmões, mas também a tempestade de pensamentos que rodopiava em sua mente.

    Mulheres movimentavam-se, entrando e saindo, carregando bacias d’água e panos secos como se fossem tesouros preciosos.

    De dentro, os berros de Ayla ecoavam, preenchendo o ar tenso do ambiente, enquanto ela se esforçava para trazer ao mundo um casal de gêmeos.

    Dentro do quarto, estava tudo mais tenso.

    A rainha, suada e cansada, apresentava olheiras profundas, seu corpo arfava pesadamente sob o esforço sobrenatural que a maternidade exigia.

    As parteiras, experientes, incentivavam-na com palavras gentis e firmes, orientando-a a cada contração.

    — Isso, Ayla! Mais uma vez, faça força! Você está quase lá!

    Brighid permanecia ao lado dela, segurando-lhe a mão com firmeza.

    Ayla, entre um suspiro e outro, buscou pelos olhos de Colin.

    — Onde está Colin? — indagou Ayla em meio aos berros. — Onde está o meu marido?

    As parteiras prontamente chamaram por ele. Ele adentrou o quarto com olhos cheios de preocupação e expectativa, sendo recebido por Ayla, fazendo mais uma vez força.

    — Colin, você está aqui…! — exclamou Ayla, sua voz misturando alívio e cansaço.

    — Estou aqui! Vamos trazer essas crianças ao mundo, está quase lá! — disse ele, segurando a mão dela com ternura.

    — Você está fazendo incrivelmente bem, Ayla. Mais um pouco, e terá os seus filhos nos braços — sussurrou Brighid, encorajando-a.

    As parteiras, agora em um tom mais animado, anunciaram:

    — Os bebês estão quase aqui! Faça mais força, majestade!

    O quarto se encheu com os berros dos recém-nascidos, anunciando sua chegada ao mundo. Ayla, exausta e, ao mesmo tempo, inundada de uma euforia indescritível, sorriu ao ouvir o choro da vida que gerara.

    Brighid segurou uma das crianças nos braços. Era um menino de pele morena e cabelos brancos. Marcas brancas como seu cabelo estavam em seu braço direito, desenhando padrões que ela conhecia.

    Eram as mesmas marcas de errante que Colin tinha.

    A garota, pálida como a mãe, mas cabelos escuros como os do pai, também tinha as mesmas marcas.

    — Aqui, pega!

    As parteiras, junto a Brighid, colocaram cuidadosamente os bebês nos braços da rainha, e Colin aproximou-se para ver os rostos dos pequenos milagres que agora faziam parte de suas vidas.

    Sentiu a mesma sensação estranha de quando viu seus filhos com Brighid. Ainda ficava difícil de acreditar que aquelas crianças eram parte dele.

    — São perfeitos, Ayla. Nossos filhos são absolutamente perfeitos — murmurou Colin, segurando a mão dela e observando os pequenos rostos que começavam a explorar o mundo ao seu redor.

    Ding-Dong! Ding-Dong!

    Os sinos do palácio badalavam, uma sinfonia de alegria que dançava entre as torres e muralhas.

    Estavam anunciando ao reino a chegada dos herdeiros tão esperados. O som vibrante dos sinos transmitia uma mensagem de júbilo, uma melodia que transcendia as paredes do palácio e se estendia pelos campos e vielas da cidade.

    Para os súditos, era um chamado de esperança e renovação, uma melodia que ecoava pelos corredores do tempo, marcando o início de uma nova era para o reino.

    — Parece que chegaram — disse Jane, tomando sua taça de vinho na banheira. — As coisas vão ficar agitadas novamente. Já era hora!

    Carniceiros do centro leste adentravam a cidade.

    — Se-será que aconteceu alguma coisa? — indagou Lettini roendo uma das unhas.

    — Aconteceu o que, sua maluca? As ruas estão em festa, os filhos do senhor Colin devem ter nascido — disse Falone.

    — Vo-você deve ter razão…

    — A gente devia parabenizá-lo — disse Sashri.

    — E-ele quer ver a gente?

    — Senhor Colin nos adora — respondeu Falone. — É claro que ele vai nos receber e precisamos entregar o relatório a ele.

    — Chegou mais gente com quem ele vai dar atenção, deixando você para trás — provocou Elhad olhando para Leona no cavalo ao lado.

    — Já sou uma adulta — disse empinando o nariz. — Como se eu precisasse da atenção do senhor Colin.

    Fora dos portões de Runyra, mas não tão longe, a Ordem dos caçadores de espectros também estava retornando. Seus membros estavam com olhares sinistros.

    Uma vida dedicada a caçar corrupções do abismo cobrava seu preço.

    — Uma festa? — indagou um dos membros. — É pra gente?

    — Duvido muito — disse outro membro. — O que acha que é, senhor Josan?

    O líder da ordem não parecia o homem assustado de sempre. Seu olhar estava afiado como de uma águia, e sua baixa estatura não era um problema para os caçadores.

    Josan compensava tudo em campo.

    — Melhor continuarmos, especular o que deve ser não adiantará nada.

    Coberta por uma capa escura, Saphielly estava em um morro, ouvindo a comoção da capital. Apesar de estar sempre séria, um sorriso desabrochou em seus lábios quando sentiu uma presença atrás dela.

    — Você veio dar as boas-vindas ao nosso irmão?

    Ehocne, envolta em uma capa sombria, aproximou-se da irmã.

    — Você já o encontrou pessoalmente? — perguntou Ehocne.

    — Apenas em sonhos. Ele é a imagem viva do nosso pai.

    — Por falar no pai, acho que ele descobriu sobre mim… Ele tem me evitado. Talvez esteja tramando algo contra mim, especialmente agora que Safira sumiu. Será que ele a eliminou?

    Saphielly fez um gesto displicente com a mão.

    — Impossível. Safira é uma das dez criaturas que ele considera capazes de derrotar Alucard ou Drez’gan. Ele jamais a mataria.

    — Então, o que você acha que aconteceu com ela?

    — Ele apenas começou a agir. Na verdade, começou com Volfizz. Mais cedo ou mais tarde, será a sua vez.

    Ehocne sentiu um nó na garganta.

    — E nós? O que faremos?

    — Mantenha a calma. Juntas, somos mais fortes que ele.

    — Ele perdeu muitos aliados e um pandoriano. Agora, com duas essências sob seu controle, não podemos subestimá-lo.

    Saphielly bagunçou os cabelos da irmã com carinho.

    — Qual é, Saphi! Não somos mais crianças! Pare de bagunçar meu cabelo assim!

    — Você ainda se irrita facilmente, como nos velhos tempos com as moiras. Relaxa, eu não estou parada, só observando.

    — Eu sei, mas o pai passou esses dois meses se banhando no sangue de seres celestiais. Ele deve ter recuperado parte da sua força.

    Saphielly deu de ombros. — Mesmo que tenha fortalecido sua alma, ele não pode mais fazer acordos com pandorianos. Isso é uma vantagem para o nosso irmão.

    — Eu não esperava que ele conseguisse derrotar Gorred. Nunca vi o pai tão abalado. Você fez bem em confiar nele.

    — Colin tem nosso sangue. Era evidente que ele triunfaria.

    Ehocne suspirou. — Você está certa. Mas e agora? Devemos falar com Colin?

    — Ainda não — respondeu Saphielly. — Dois dos aliados que recomendei a Colin foram mortos pelos caídos. Eles estão esperando que ele desbrave o caminho até a mãe dos monstros, certo?

    Ehocne concordou com a cabeça. — Walorin quer aproveitar o que sobrar. Se a bruxa estiver com ele, será o fim… deveríamos ajudar Colin, ele é nosso irmão, afinal.

    — Colin sabe se cuidar. Vou para o Oriente continuar ajudando Jack Ubiytsy.

    — Você nem vai se apresentar a ele?

    — A Colin? Não. Ele já tem muitas responsabilidades. E nós temos nossas missões. Deixe-o desfrutar da vida enquanto pode.

    — Entendi…

    — Vamos, então.

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