Capítulo 372 - A guerra dos Gigantes.
No horizonte enevoado, onde a neve caía com suavidade, desenhando um véu branco que cobria a terra e o ar, emergiam formas obscuras.
A visibilidade era reduzida, a névoa formada pela neve no ar dificultava discernir qualquer coisa além de vultos indistintos movendo-se ao longe. Nesse mundo silencioso, apenas o som abafado dos passos na neve fresca e o ocasional estalar de galhos sob o peso do gelo quebravam o silêncio.
De repente, um dos homens, atento às formas que se aproximavam, ergueu sua trombeta e soprou um aviso.
Fuooooon!
O som metálico ressoou através da paisagem fria, um alerta agudo que fez todos os companheiros pararem e se prepararem para o desconhecido.
Corações batiam mais rápido, mãos apertavam firme as armas, e olhos se esforçavam para penetrar a bruma gelada que envolvia tudo.
Mas, à medida que as silhuetas se aproximavam, os contornos começaram a se definir mais claramente, revelando a verdadeira natureza dos recém-chegados. Não era um inimigo que avançava, mas sim Dusken e os Orcs.
O alívio se espalhou rapidamente entre os homens, o ar se enchendo de suspiros abafados e risadas nervosas conforme o tensionamento dos músculos se dissipava.
Dusken, liderando o grupo, acenou de longe, um gesto de camaradagem que era visível mesmo através da neblina da neve.
Os Orcs, com suas imponentes estaturas e armaduras cobertas de neve, moviam-se com uma graça surpreendente para seu tamanho, cada passo deixando uma marca profunda na neve virgem.
— Está tudo bem! — berrou Dasken. — Podem abaixar as armas!
As Orcs cativas imediatamente reconheceram os membros de sua tribo. Emocionadas e com corações aliviados, partiam para o abraço.
Samantha, distante, observava a cena com olhos atentos e uma sobrancelha arqueada em curiosidade.
A familiaridade do rosto de Kodogog a inquietava; apesar da semelhança inerente entre os Orcs, havia algo nele que despertava memórias adormecidas.
“Aquele Orc … ele não me é estranho.”
— A nevasca me atrasou alguns dias — disse Dasken caminhando para perto de Samantha. — Eles não são como os Orcs que nos atacaram, e não vai acreditar, o grande ali disse que conhece o Colin.
Com um tom de surpresa que rompeu o murmúrio do vento, ela exclamou:
— Kodogog?!
Ele, virando-se lentamente, encarou-a com olhos que em um primeiro momento estavam cheios de dúvida.
— Irmã Samantha?
A noite havia se estabelecido sobre eles, e o crepitar da fogueira era o coração do acampamento. Sentados em um círculo imperfeito, os companheiros partilhavam o hidromel dos gigantes, uma bebida de sabor antigo e reconfortante.
O líquido âmbar escorria das jarras como néctar dourado, exalando um aroma que misturava o doce do mel com o calor do álcool.
— Não há nada como o hidromel dos gigantes para aquecer o espírito nas noites frias — comentou um dos homens de Samantha.
— Então o irmão Colin se tornou rei! — Kodogog ergueu o copo para um brinde. — Viva o rei!
As pessoas entorno da fogueira o acompanharam.
— E então, Kodogog, precisamos de um meio para acabar com a guerra — disse Samantha. — O Noroeste é grande demais e nosso contingente é minúsculo. Precisamos terminar com isso o mais rápido possível.
— O homem do cigarro perguntou isso a Kodogog, e Kodogog dirá a você o mesmo que disse a ele: pacificar o norte, mais precisamente, o noroeste, é impossível. Existem muitas tribos de Orcs, e ainda mais tribos de gigantes. É impossível que eles fiquem sob uma única bandeira.
Pensativa, Samantha alisou o queixo.
— Faz algumas semanas que estamos aqui. Minhas ordens foram claras: exterminem todos os grupos de gigantes e Orcs que encontrarem.
— Isso não adiantará, irmã Samantha, só vai deixá-los mais furiosos.
Suspirando, ela bebeu do hidromel.
— E o que você sugere?
— Kodogog acha que é mais fácil convencer o líder do que a tribo. Se o líder aceitar, a tribo vai segui-lo, mas com gigantes é mais difícil, vai precisar fazer acordos. Eles estão atrás de terras desde que perderam a ilha das fadas na guerra há centenas de anos.
— Entendi… no fundo, eles só querem um lar, e passaram por cima de todos para acontecer isso, né? Escreverei para Colin, mandarei um falcão, preciso da permissão dele para fazer o que tenho em mente.
[Uma semana depois.]
Colin estava do lado de fora do quarto, ansiedade pulsando em cada fibra de seu ser.
Seus olhos percorriam o corredor, mas sua mente estava presa à porta fechada à sua frente. As mãos, inquietas, buscavam distrações, dedos traçando padrões invisíveis na palma das mãos.
O suor formava pequenas gotas em sua testa, reflexo do nervosismo que o consumia. As respirações profundas eram tentativas de acalmar não apenas seus pulmões, mas também a tempestade de pensamentos que rodopiava em sua mente.
Mulheres movimentavam-se, entrando e saindo, carregando bacias d’água e panos secos como se fossem tesouros preciosos.
De dentro, os berros de Ayla ecoavam, preenchendo o ar tenso do ambiente, enquanto ela se esforçava para trazer ao mundo um casal de gêmeos.
Dentro do quarto, estava tudo mais tenso.
A rainha, suada e cansada, apresentava olheiras profundas, seu corpo arfava pesadamente sob o esforço sobrenatural que a maternidade exigia.
As parteiras, experientes, incentivavam-na com palavras gentis e firmes, orientando-a a cada contração.
— Isso, Ayla! Mais uma vez, faça força! Você está quase lá!
Brighid permanecia ao lado dela, segurando-lhe a mão com firmeza.
Ayla, entre um suspiro e outro, buscou pelos olhos de Colin.
— Onde está Colin? — indagou Ayla em meio aos berros. — Onde está o meu marido?
As parteiras prontamente chamaram por ele. Ele adentrou o quarto com olhos cheios de preocupação e expectativa, sendo recebido por Ayla, fazendo mais uma vez força.
— Colin, você está aqui…! — exclamou Ayla, sua voz misturando alívio e cansaço.
— Estou aqui! Vamos trazer essas crianças ao mundo, está quase lá! — disse ele, segurando a mão dela com ternura.
— Você está fazendo incrivelmente bem, Ayla. Mais um pouco, e terá os seus filhos nos braços — sussurrou Brighid, encorajando-a.
As parteiras, agora em um tom mais animado, anunciaram:
— Os bebês estão quase aqui! Faça mais força, majestade!
O quarto se encheu com os berros dos recém-nascidos, anunciando sua chegada ao mundo. Ayla, exausta e, ao mesmo tempo, inundada de uma euforia indescritível, sorriu ao ouvir o choro da vida que gerara.
Brighid segurou uma das crianças nos braços. Era um menino de pele morena e cabelos brancos. Marcas brancas como seu cabelo estavam em seu braço direito, desenhando padrões que ela conhecia.
Eram as mesmas marcas de errante que Colin tinha.
A garota, pálida como a mãe, mas cabelos escuros como os do pai, também tinha as mesmas marcas.
— Aqui, pega!
As parteiras, junto a Brighid, colocaram cuidadosamente os bebês nos braços da rainha, e Colin aproximou-se para ver os rostos dos pequenos milagres que agora faziam parte de suas vidas.
Sentiu a mesma sensação estranha de quando viu seus filhos com Brighid. Ainda ficava difícil de acreditar que aquelas crianças eram parte dele.
— São perfeitos, Ayla. Nossos filhos são absolutamente perfeitos — murmurou Colin, segurando a mão dela e observando os pequenos rostos que começavam a explorar o mundo ao seu redor.
Ding-Dong! Ding-Dong!
Os sinos do palácio badalavam, uma sinfonia de alegria que dançava entre as torres e muralhas.
Estavam anunciando ao reino a chegada dos herdeiros tão esperados. O som vibrante dos sinos transmitia uma mensagem de júbilo, uma melodia que transcendia as paredes do palácio e se estendia pelos campos e vielas da cidade.
Para os súditos, era um chamado de esperança e renovação, uma melodia que ecoava pelos corredores do tempo, marcando o início de uma nova era para o reino.
— Parece que chegaram — disse Jane, tomando sua taça de vinho na banheira. — As coisas vão ficar agitadas novamente. Já era hora!
Carniceiros do centro leste adentravam a cidade.
— Se-será que aconteceu alguma coisa? — indagou Lettini roendo uma das unhas.
— Aconteceu o que, sua maluca? As ruas estão em festa, os filhos do senhor Colin devem ter nascido — disse Falone.
— Vo-você deve ter razão…
— A gente devia parabenizá-lo — disse Sashri.
— E-ele quer ver a gente?
— Senhor Colin nos adora — respondeu Falone. — É claro que ele vai nos receber e precisamos entregar o relatório a ele.
— Chegou mais gente com quem ele vai dar atenção, deixando você para trás — provocou Elhad olhando para Leona no cavalo ao lado.
— Já sou uma adulta — disse empinando o nariz. — Como se eu precisasse da atenção do senhor Colin.
Fora dos portões de Runyra, mas não tão longe, a Ordem dos caçadores de espectros também estava retornando. Seus membros estavam com olhares sinistros.
Uma vida dedicada a caçar corrupções do abismo cobrava seu preço.
— Uma festa? — indagou um dos membros. — É pra gente?
— Duvido muito — disse outro membro. — O que acha que é, senhor Josan?
O líder da ordem não parecia o homem assustado de sempre. Seu olhar estava afiado como de uma águia, e sua baixa estatura não era um problema para os caçadores.
Josan compensava tudo em campo.
— Melhor continuarmos, especular o que deve ser não adiantará nada.
Coberta por uma capa escura, Saphielly estava em um morro, ouvindo a comoção da capital. Apesar de estar sempre séria, um sorriso desabrochou em seus lábios quando sentiu uma presença atrás dela.
— Você veio dar as boas-vindas ao nosso irmão?
Ehocne, envolta em uma capa sombria, aproximou-se da irmã.
— Você já o encontrou pessoalmente? — perguntou Ehocne.
— Apenas em sonhos. Ele é a imagem viva do nosso pai.
— Por falar no pai, acho que ele descobriu sobre mim… Ele tem me evitado. Talvez esteja tramando algo contra mim, especialmente agora que Safira sumiu. Será que ele a eliminou?
Saphielly fez um gesto displicente com a mão.
— Impossível. Safira é uma das dez criaturas que ele considera capazes de derrotar Alucard ou Drez’gan. Ele jamais a mataria.
— Então, o que você acha que aconteceu com ela?
— Ele apenas começou a agir. Na verdade, começou com Volfizz. Mais cedo ou mais tarde, será a sua vez.
Ehocne sentiu um nó na garganta.
— E nós? O que faremos?
— Mantenha a calma. Juntas, somos mais fortes que ele.
— Ele perdeu muitos aliados e um pandoriano. Agora, com duas essências sob seu controle, não podemos subestimá-lo.
Saphielly bagunçou os cabelos da irmã com carinho.
— Qual é, Saphi! Não somos mais crianças! Pare de bagunçar meu cabelo assim!
— Você ainda se irrita facilmente, como nos velhos tempos com as moiras. Relaxa, eu não estou parada, só observando.
— Eu sei, mas o pai passou esses dois meses se banhando no sangue de seres celestiais. Ele deve ter recuperado parte da sua força.
Saphielly deu de ombros. — Mesmo que tenha fortalecido sua alma, ele não pode mais fazer acordos com pandorianos. Isso é uma vantagem para o nosso irmão.
— Eu não esperava que ele conseguisse derrotar Gorred. Nunca vi o pai tão abalado. Você fez bem em confiar nele.
— Colin tem nosso sangue. Era evidente que ele triunfaria.
Ehocne suspirou. — Você está certa. Mas e agora? Devemos falar com Colin?
— Ainda não — respondeu Saphielly. — Dois dos aliados que recomendei a Colin foram mortos pelos caídos. Eles estão esperando que ele desbrave o caminho até a mãe dos monstros, certo?
Ehocne concordou com a cabeça. — Walorin quer aproveitar o que sobrar. Se a bruxa estiver com ele, será o fim… deveríamos ajudar Colin, ele é nosso irmão, afinal.
— Colin sabe se cuidar. Vou para o Oriente continuar ajudando Jack Ubiytsy.
— Você nem vai se apresentar a ele?
— A Colin? Não. Ele já tem muitas responsabilidades. E nós temos nossas missões. Deixe-o desfrutar da vida enquanto pode.
— Entendi…
— Vamos, então.

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