Capítulo 373 - A universidade mágica.
A xícara, de porcelana fina, repousava serenamente sobre a mesa de carvalho, sua superfície alva contrastando com a escuridão líquida que começava a preenchê-la.
O café, vertido com precisão, dançava em ondas suaves, formando um pequeno redemoinho à medida que encontrava seu novo lar.
Ar era invadido por um aroma acolhedor, uma mistura complexa de notas terrosas e um leve toque de caramelo.
Colin, com sua postura autoritária e semblante tranquilo, ocupava uma das extremidades da mesa, a xícara de café recém-servida diante dele.
Do outro lado, Josan, o agora líder da ordem dos caçadores de espectros, observava o café sendo servido.
Entre eles, a serva, conclui sua tarefa com uma reverência discreta.
Com um movimento fluido e gracioso, ela se retira da sala.
— Você mudou — disse Colin tomando do café. — Está com um olhar mais afiado.
Josan assentiu. — O senhor não faz ideia do tipo de coisa que vimos… ninguém volta normal depois disso.
— Imagino. O que descobriram de relevante?
O caçador relaxou em sua poltrona.
— Não consegui confirmar a informação, mas diferente de Alexander, parece haver um apóstolo nesse plano…
Colin parou de tomar seu café, encarando Josan com um olhar afiado.
— Um apóstolo nesse plano?
— Sim, acho que o chamam de Thaz’geth, não tenho certeza.
Antes de sua xícara ser tocada por seus lábios, Colin lembrou-se daquele nome, mais precisamente, do rosto que pertencia aquele nome que havia dado a ele uma das melhores lutas da sua vida.
— Isso é um problema, ela é bem forte.
— A conhece?
— Lutei contra ela no abismo. É uma mulher com uma habilidade de luta acima da média, e mesmo Leona usando tudo de sua liberação de terceiro círculo, não conseguimos vencê-la, ela era praticamente imortal, mas Safira…
Ele se lembrou que Thaz’geth não conseguia se curar ao ser queimada pelo fogo azul da caída.
— Bem — continuou. — É uma oponente problemática. Mas, por que retornou? Ayla não pediu para que voltasse, pediu?
Engolindo em seco, Josan coçou a bochecha com o indicador.
— Peço perdão, mas vagamos por semanas sem mais nenhum sinal dos cultistas. Foi quando ouvimos boatos de que Alexander estava morto. Muitos dos caçadores têm família, eles estavam com saudades… espero que o senhor entenda…
Colin assentiu.
— É um líder, compreendo que queira fazer a vontade de seu povo, mas não faça mais isso sem que seja ordenado. O que os mais jovens pensarão quando verem o líder deles agindo com certa autonomia? Não queremos que eles pensem que você está acima da família real, né?
Mesmo vivendo o inferno nas últimas semanas, ser repreendido por Colin o fazia lembrar da vez que aquele homem exterminou seu antigo grupo. Vendo-o agora, mesmo que tenha se fortalecido, o abismo entre eles parecia quase dez vezes maior.
— Peço perdão, senhor, isso não irá mais acontecer, eu juro!
Colin abanou uma das mãos. — Cymuel, fiz dele um Lord, achei que deveria saber. Aquela mulher, qual é mesmo o nome dela?
Josan suou frio.
— Bertina?
— Isso, soube que ela aguarda o seu retorno. Os caçadores estão de férias por algumas semanas, por que não vai até o ducado que Cymuel comanda? Ela está lá.
— Certo…
— Volte em três semanas, posso ter algo para você.
O caçador ergueu-se.
— Claro, senhor…
Apesar de Colin parecer gentil, Josan sabia o que aquela gentileza significava. Primeiramente, a ameaça de insubordinação, e agora ele citou duas pessoas com quem ele se importava disfarçadamente.
Aquela era uma mensagem clara que dizia: “Eu sei onde estão as pessoas que você ama, não cometa deslizes.”
Josan não sabia quem era mais difícil de lidar, a rainha Ayla com suas ameaças veladas ou o rei Colin com suas ameaças claras. De qualquer modo, ele não queria ficar nem mais um minuto sozinho com aquele homem.
Sozinho no quarto, Colin chamou por Jane.
— Está aí? — Uma aranha minúscula saiu de seu ouvido e caminhou por seu ombro, indo para seu braço e saltando direto para a mesa. A aranha cresceu, até se tornar uma bela mulher.
Ela espreguiçou, reforçando ainda mais suas curvas.
— Sinceramente, Colinzinho, acho que você deveria me tratar melhor. — Sentada na mesa frente a ele, Jane cruzou as pernas. — E então o que foi desta vez?
— E os sacerdotes?
— Aqueles velhos irritantes? Continuam irritantes. — Ela abriu um sorriso sedutor. — Sabe, a maioria deles não gosta de você, acham que você vai passar a perna neles, quando tiver oportunidade.
— E o que mais?
— Reuniões secretas entre sacerdotes e alguns nobres acontecem às escondidas. Eles falam de Brighid, falam nas alianças que prometeu para os nortenhos e para o senhor Leerstrom. Estão insatisfeitos por que não ofereceram uma aliança matrimonial a eles.
Colin deu de ombros.
— Por que eu faria alianças matrimoniais com gente sem nada a oferecer?
Ela estalou os dedos. — Às vezes ceder é bom para ter harmonia na corte. Me diga, esse cabo de guerra com a igreja e os nobres durará até quando?
— Até que a igreja perca força. E quanto aos nobres, não preciso me dobrar a eles.
— É aí que se engana, bonitinho. É louvável como lida com eles usando força e ameaça, mas eles sabem que não vão vencê-lo no seu território, por isso eles são perigosos. Mesmo se matar todos eles agora e colocar outros no lugar, as coisas voltariam a se repetir.
Colin relaxou em sua poltrona, a irritação visível em seu semblante. — E você sugere o quê? Se eu ceder, as exigências começarão, uma mais absurda que a outra. Viraria uma bola de neve sem controle que acabaria me esmagando.
— Colinzinho, comece a pensar mais como um diplomata. Você está perdendo os nobres para a igreja, nobres que controlam muitos comércios. Você os irrita, eles descontam nos trabalhadores, e isso respingará em você. Você vai ameaçá-los, eles entram na linha durante um tempo, mas logo isso voltaria ainda pior.
Olhando para o teto, Colin alisou a testa e Jane saiu da mesa, abraçando Colin por trás, chegando os lábios próximos de sua orelha.
— Isso é política, bonitinho, vai ter que deitar na lama com os porquinhos. Você tem muitos filhos, eles também. Sem contar as terras livres que existem em todo o norte, o acesso ao mar do leste, há dezenas de possibilidades de confortá-los. Você só terá que ganhá-los ao invés da igreja.
— … Não acho que seja uma boa ideia.
Saindo das costas dele, de lado, Jane sentou-se em seu colo, o encarando de cima. — Ceder nem sempre é ruim, Colinzinho. Tem jogado com Valagorn, né? Enxergue o tabuleiro todo, analise as possibilidades, antecipe as jogadas, só então irá vencer. Seu jogo é o dos reis, mas você insiste em ver só o que está à sua frente, veja tudo de cima, como se pudesse controlar qualquer peça.
— Tá bom, espertinha, vou entrar nesse seu jogo.
Cruzando os braços, ela fez beicinho.
— Vai falar com Valagorn, né? Me infiltro no Norte, sou mandada de um lado para o outro como uma serva qualquer e é nele em quem você confia? Sei segredos que suas esposinhas nem imaginam que você esconde, sei o que você deseja de verdade e mesmo assim parece que isso não adianta de nada. Quero mais reconhecimento.
— Você não vai fazer o que quiser comigo, Jane.
Ela se aproximou dele, sentindo sua respiração. — É isso que acha, Colinzinho, que estou usando você? — O sorriso dela alargou-se. — Eu jamais faria isso com o meu mestre.
Seu sorriso de desdém não sumiu de seus lábios, e com o indicador, ela o apoiou no queixo de Colin.
— Preciso de um favorzinho seu, mestre Colin… — disse de maneira sedutora. — Me dê o seu braço para que eu o devore.
Colin ergueu uma das sobrancelhas.
— Quê? — ele julgou se havia ouvido corretamente.
— O seu braço. Preciso dele para fazer uma coisa, é segredo.
— Segredo vindo de você? Até parece que eu aceitaria algo assim. Agora levanta, a inauguração da universidade é hoje, preciso me preparar.
Ela franziu o cenho. — Vai ser bom para nós dois, mas não posso te contar e estragar a surpresa.
— Sem chance, agora preciso ir.
Ainda com o cenho franzido, o corpo dela diminuiu, até virar uma aranha que subiu pelo braço de Colin e adentrou seu ouvido.
Na carruagem que se movia lentamente, Colin estava sentado com uma postura impecável, uma calma e autoridade emanando de sua presença.
Ao seu lado, Brighid, envolta em vestes que refletiam a luz do sol através das janelas da carruagem, observava com olhos arregalados a multidão que se aglomerava do lado de fora.
Do outro lado, Ayla olhava para o mar de rostos com uma mistura de surpresa e humildade.
— Todas essas pessoas vieram apenas para a inauguração da universidade? — Brighid perguntou, sua voz tingida com um toque de deslumbramento.
Ayla, inclinando-se ligeiramente para frente para ter uma visão melhor, adicionou: — É uma multidão impressionante. Nunca imaginei que nossa presença causaria toda essa agitação.
Colin, com um sorriso sereno, virou-se para elas. — Não estão aqui apenas pela universidade, mas por nós também. É a primeira vez que nos apresentamos juntos assim, em público.
Quando a carruagem finalmente parou e as portas se abriram, Colin foi o primeiro a descer, recebido por uma onda de aplausos e vivas.
A admiração e o respeito estavam no ar, cada rosto na multidão iluminado pela presença de seu líder.
Logo após, Brighid desceu, e parte da multidão se ajoelhou como um só corpo, clamando por suas bênçãos.
Ayla, hesitante por um momento antes de sair da carruagem, foi recebida com um entusiasmo fervoroso. Após meses longe dos olhares públicos, sua reaparição era um evento por si só.
As pessoas estendiam as mãos, desesperadas por um toque, uma palavra, qualquer coisa que pudesse levar um pouco da força que ela representava.
Os gritos de agradecimento misturavam-se a preces para os deuses protegerem seus filhos.
Após o assédio, com a paciência e a benevolência que os caracterizavam, Colin, Brighid e Ayla subiram juntos ao palanque.
Grandiosa por si só, atrás deles estava emoldurada a majestosa Universidade de Runyra.
Arrancando elogios de todos, a universidade, uma maravilha arquitetônica de Runyra, tinha suas torres altas apontando para o céu como dedos em busca de sabedoria eterna. Suas paredes de pedra prontas para serem gravadas com o conhecimento de milênios.
Localizada na saída de Runyra, o objetivo de Ayla era que a universidade servisse como um farol de conhecimento para as futuras gerações. Era uma construção tão imensa em sua estrutura que se assemelhava a uma cidade própria.
Seus jardins e pátios internos eram um labirinto de beleza e tranquilidade, oferecendo um santuário tanto para a reflexão silenciosa quanto para os debates vigorosos.
Diante da imponente fachada da Universidade de Runyra, Colin se erguia, sua presença tão majestosa quanto a instituição que estava prestes a inaugurar.
A multidão fez um silêncio reverente, então ele começou:
— Cidadãos de Runyra, hoje nos reunimos aqui não apenas para celebrar a inauguração desta grandiosa universidade, mas também para honrar os sonhos e as aspirações daquela que foi a verdadeira arquiteta deste magnífico empreendimento. Minha esposa, Ayla, cujo coração incansável pulsou com o desejo de construir um santuário de conhecimento e sabedoria, onde as futuras gerações poderiam prosperar e expandir os horizontes de nosso reino.
A multidão escutava, pendurada em cada palavra, enquanto Colin prosseguiu, seu olhar encontrando os de Ayla.
— Ayla, mesmo em meio às provações de sua gravidez, nunca deixou de se dedicar a cada detalhe desta universidade, nem de se preocupar com o bem-estar de cada cidadão deste reino.
Um murmúrio de admiração e respeito percorreu a multidão, como se a profundidade do compromisso de Ayla fosse sentida por todos.
Colin, então, virou-se para Brighid.
— Devo também expressar minha eterna gratidão a minha querida esposa Brighid, cuja sabedoria milenar nos guiou através de tempestades e bonanças. Sua dedicação em concluir as enciclopédias que servirão como o coração desta universidade foi uma tarefa monumental. E, apesar de seus vastos compromissos, ela permaneceu uma mãe exemplar e uma esposa sem igual.
A multidão, agora capturada pela emoção do momento, irrompe em aplausos.
Colin conclui, sua voz elevando-se com um fervor que acendia uma chama de esperança e entusiasmo nos corações de todos os presentes:
— E, finalmente, agradeço a vocês, cidadãos de Runyra, sua fé e dedicação são a verdadeira espinha dorsal deste reino. Que Runyra continue a ser um farol de excelência, um exemplo para todos os reinos. Que as futuras gerações de magos e guerreiros, guiadas pelos ensinamentos de Brighid, a Santa, sejam abençoadas pelos deuses. Juntos, construiremos um futuro onde o conhecimento e a sabedoria floresçam, um legado que transcenderá as eras!
A euforia tomou conta da multidão, um mar de rostos iluminados pela promessa de um futuro brilhante.
— O garoto tá gostando disso — disse Jane aproximando-se para próximo de Valagorn. Eles estavam em uma torre ao longe, vislumbrando tudo de cima.
— Está feliz com isso? — indagou Valagorn de braços cruzados, seus cabelos sendo açoitados pelo vento. — Ele está se transformando no campeão que você sempre buscou.
— O que foi, Vazinho? Ciúmes? E não venha colocar toda essa culpa em mim, ele também ouve você, bem mais que a mim.
Valagorn deu as costas. — Sabe que não pode controlá-lo.
Jane deu de ombros. — Essa é a parte boa, não quero que fique sob controle. Além disso, não estamos transformando Colinzinho nisso, ele sempre foi assim. É só o poder que está fazendo-o mostrar a sua verdadeira face.

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