Capítulo 93 - O Torneio de Guildas
Depois de seis longos meses, o grande festival do torneio de guildas estava se iniciando. Quase todo o grupo de Colin estava de volta a capital, com exceção do próprio Colin, Leona e Safira, que ainda não haviam retornado e Stedd, que passava um tempo com sua família.
A capital tinha bem mais guardas que o normal, e era preciso se apresentar na entrada do reino para entrar, mas haviam pessoas habilidosas que conseguiam burlar a segurança sem muito esforço.
Havia boatos que a Ordem conhecida como, “Obsidiana de Movor”, estava na cidade. O consumo de drogas havia aumentado exponencialmente, sem falar no número de roubos de joias preciosas e apostas ilegais que aconteciam nos esgotos da cidade.
Para um evento daquele tamanho isso era algo comum, mas as suspeitas sempre caíam sobre a ordem, já que eles lucravam bastante com o consumo de drogas fabricadas por alquimistas experientes.
Porém, drogas não eram a principal fonte de renda da ordem, e sim o tráfico de informações.
Pelo incidente de seis meses atrás, Brighid e os outros quase foram impedidos de entrar na cidade, mas conseguiram depois dos guardas se darem conta de que quem estava junto deles eram os filhos do imperador.
As ruas estavam agitadas, tinha quase dez vezes mais soldados que o normal, assim como o número de pessoas ao redor era bem grande. Seres de todo tipo de raça diferente enchiam as ruas e o comércio. Havia também um contraste não só de culturas, mas de vestimentas.
— Ei, Sashri — disse Elhad — lembra da capital tão cheia assim nos festivais passados?
— Não. Esse ano parece bem anormal.
— É, foi o que pensei.
— Não é para menos, muitos vieram para ver vocês — disse Eilella acompanhada de outras duas Elfas.
— Princesa Eilella! — disse Brighid empolgada — Já faz um tempo. Como tem passado?
— Estou bem, e você também pelo visto. Parece mais… radiante…
Brighid abanou as mãos.
— Ah… não é nada, deve ter sido o treino, só isso.
Elhad deu um passo à frente.
— O que quer dizer com “vieram para nos ver”?
— Bem, a notícia de que quase aniquilaram o esquadrão de Loafe se espalhou bem rápido. Muita gente ficou interessada em vocês, principalmente em você, Brighid.
Brighid ergueu as sobrancelhas e Eilella continuou.
— Disseram que uma mulher, que era tão bonita quanto forte, era uma monarca de duas árvores. O diretor ficou irritado de mandar reis de pequenos países embora. A maioria vinha aqui para propor casamento ou para pedirem para você ser um soldado particular.
Aquilo a incomodava um pouco. Mesmo que dissesse ser comprometida, alguns homens e até mesmo mulheres continuavam insistindo. Brighid estava longe de ser grosseira, então ficava bem difícil de espantar todos que a cortejavam educadamente, já que a maioria não desistia ao ouvir um não.
Brighid abriu um sorriso sem graça.
— Colin não está com vocês? — perguntou a Elfa.
— Ele deve chegar em breve… acho…
Eilella fez uma reverência.
— Bom, nós vamos indo. Se cuida, a gente se vê no torneio.
Brighid assentiu.
— Certo, até mais!
— Ouviram isso? — disse Wiben — Estamos famosos!
— Brighid está famosa — repreendeu Samantha — Não a gente. De qualquer modo vou indo, tenho que visitar meu pai e minhas irmãs, até mais pessoal!
— Não quer que eu vá com você? — perguntou Wiben.
— Não precisa, minha mãe é… complicada. Enfim, vejo vocês mais tarde.
Samantha se afastou, logo depois foi a vez de Elhad e Sashri. Kurth disse que procuraria algo para comer e desapareceu, deixando os gêmeos, Alunys, Brighid e Lei Song.
Depois de uma breve discussão, chegaram ao consenso de encontrar algum lugar barato para comer, mas logo depois Alunys e Liena desconversaram, dizendo terem algum lugar para ir e desapareceram.
Os três que sobraram decidiram seguir o cronograma e foram comer despretensiosamente em algum lugar barato. Adentraram uma taverna local e perceberam que ela estava mais cheia que o normal. As garçonetes corriam de um lado para outro atendendo os clientes quase incessantemente. O bardo usava toda a voz de sua garganta para competir com as gargalhadas estridentes e as conversas paralelas.
Mesmo Loaus morando na capital desde o nascimento, era a primeira vez que ele via algo assim acontecer de perto. Lei Song e Brighid também.
A garçonete veio a sua mesa e de prontidão já pegou os pedidos. Todos pediram carne de porco e um pouco de vinho para acompanhar. Dando pequenos pulinhos, a garçonete se retirou para os fundos.
Ao som da canção, os bêbados sacudiam seus copos de hidromel e batiam seus pés contra o soalho de madeira enquanto alguns deles riam alto e se abraçavam.
— Aqui é sempre tão… feliz? — perguntou Lei Song.
— Acho que não. — Respondeu Loaus se espreguiçando na cadeira — Quantos vocês acham que são nobres? Chuto que a maioria.
— Por que diz isso? — Perguntou Song.
— Alguns deles são desconhecidos, outros são bem fáceis de perceber, tipo aquele careca barrigudo com roupas pomposas — Loaus apontou com o queixo para a extremidade da taverna — Não tirou os olhos da gente desde que entramos, acho que sei em quem ele está de olho…
Brighid suspirou e coçou a testa. Ela já imaginava que estavam falando da mesma. O nobre, que a pança balançava a cada passo dado, caminhou até a mesa deles e se sentou sem dizer absolutamente nada.
— Uhum! — ele pigarreou — Olá! Senhoritas, senhor… permitam-me apresentar! Sou o barão Túlios de Ringuirdon, um prazer conhecê-los.
Os três ficaram em silêncio, encarando o barão com um rosto nada agradável.
— Oh, bem… Uhum! A senhorita de cabelo e olhos esmeralda, é a senhorita Brighid dos boatos?
— Ah… sim… acho… — ela respondeu desinteressada.
— É claro que é, soube disso assim que entrou por aquela porta. Tenho que dizer que sua beleza supera a dos boatos, estou deveras encantado em vê-la pessoalmente.
— Vamos lá, barão — disse Loaus de braços cruzados — Diz logo o que veio fazer aqui.
— Ah, claro, Uhum! — ele enfiou a mão no paletó e fuçou por alguns segundos, entregando um pergaminho a Brighid — O grande rei de Ringuirdon também ouviu os boatos sobre a senhorita, e ele faz a senhorita um pedido formal. — Ela abriu o pergaminho que se tratava de um convite real — Que tal passar a tarde com ele? O rei de Ringuirdon ficaria honrado com a presença da senhorita.
Brighid deu um sorriso sem graça e devolveu o convite.
— Obrigada, senhor barão, mas já sou comprometida.
— Oh! Claro, acredito que deve ser comprometida com um homem de sorte, certo? Poderia me dizer quem é? Creio que o rei de Ringuirdon também queira saber o nome dele.
— Colin — disse Loaus a fim de espantar de vez o barão — acho que o chamam de “assassino do Bakurak”.
O barão arregalou os olhos. As histórias sobre Colin já tinham percorrido boa parte do continente. A maioria pulava seus atos heroicos e focavam em sua brutalidade e atrevimento.
O que mais chocou o barão, foi que o dito Colin conseguiu converter uma sentença de morte do próprio imperador e, ainda por cima, tinha um Ubiytysy em sua guilda.
O que mais deixou o barão assustado, foi que Colin poderia ir atrás do rei Ringuirdon por fazer um convite desse a sua amada, pior, poderia ir atrás do próprio barão por fazer uma proposta dessa a uma mulher comprometida com alguém tão cruel.
— S-Sinto muito senhorita, tenho que ir! — Quase tão rápido quanto o bote de uma cobra, o barão deixou a taverna desnorteado e sem olhar para trás.
— O que deu nele? — perguntou Lei Song.
— Sei lá, deve ser só outro nobre maluco. — respondeu Loaus.
A garçonete trouxe os pedidos e os colocou na mesa. Mesmo que a refeição estivesse com uma ótima aparência, o cheiro deixou Brighid enjoada. De duas semanas para cá, os enjoos tem ficado bem frequentes. Como uma mulher humana, ela já havia se acostumado com o corpo, mas aquilo era diferente das dores menstruais ou uma dor de barriga. No começo, ela pensou que provavelmente podia ser isso, mas os sintomas perduraram.
Outro pensamento foi o de que ela estava treinando demais e seu corpo estava suplicando por uma pausa momentânea.
— Preciso ir ao banheiro! — Ela se levantou rapidamente e se apressou até o banheiro.
Golfou no vaso e limpou os lábios com as costas da mão. Não importava o quanto ela se curasse, aquilo sempre voltava. A única pessoa na qual ela sabia que tinha habilidades de cura melhores do que as dela era a secretária Millie.
Depois dos enjoos persistirem por tanto tempo, ela decidiu ser melhor ir atrás de alguém que entendia do assunto, mas primeiro, ela tinha que repor o que acabou de colocar para fora.
Tinha um porco assado a esperando em cima da mesa.
Passando por um portão de grades douradas, Samantha cumprimentou os guardas no portão e avançou para o interior de uma mansão localizada na área nobre da capital. A casa era tão grande que parecia um pequeno palácio.
Samantha passou pela porta ornada de madeira e deu de caras com o hall de entrada. As paredes eram de mármore branco, assim como o chão.
Mordomos se curvaram assim que a viram.
— Senhorita Samantha, seja bem-vinda de volta!
— Obrigada, Tony, minha mãe está em casa?
— Sim, ela está na casa de chá. A senhorita quer que eu prepare alguma coisa?
Ela abanou as mãos.
— Não precisa, não vou demorar.
O mordomo curvou mais uma vez e se retirou.
Samantha respirou fundo antes de prosseguir adiante. Ao contrário de seu pai, a relação com sua mãe não era das melhores.
A mãe, sempre quis que ela fosse uma dama, mas Samantha preferia a ação e a companhia do pai que não a pressionava para tomar escolhas.
Seguir seu pai foi um caminho natural devido à convivência de ambos. A mãe de Samantha também não se dava bem com seu pai. Na maioria das vezes em que estavam juntos havia grandes discussões, com direito a pratos se quebrando.
Engolindo o seco, Samantha parou frente a porta de madeira e parou a mão a centímetros da maçaneta. Depois de respirar fundo, ela a abriu.
Sua mãe, Ophelia, estava trajada com um vestido preto, sentada em uma poltrona vermelha aveludada tomando chá. Diferente do pai que era loiro dos olhos azuis, Ophelia era ruiva de olhos verdes. Mesmo para uma mulher de meia-idade, ela era bastante bela. Ao lado de Ophelia estava as irmãs de Samantha. Elizabeth, ruiva de olhos verdes por volta de seus doze anos, e Charlotte, também Ruiva, mas seus olhos eram azuis. Ela tinha dezessete anos.
— Samantha! — Suas irmãs pularam da cadeira e foram direto na sua direção, a envolvendo em um abraço caloroso.
— É verdade que você está andando com um elfo negro e um assassino? — perguntou Elizabeth com os olhos brilhando.
— Elizabeth! — repreendeu Ophelia — O que eu disse sobre esses assuntos?
A pequena franziu os lábios e abaixou a cabeça.
— Desculpa, mãe…
Ophelia deu uma bicada no chá e empinou o nariz olhando para Samantha com desdém.
— O que eu disse sobre voltar nesta casa?
Samantha desviou o olhar. Ela ainda tinha um medo de sua mãe, um medo enraizado desde a infância. O olhar de Ophelia a deixava acuada, quase com vontade de sair correndo. Ela sentia que não importava o que fizesse, para Ophelia, ela sempre estava errada.
Engolindo o seco, ela forçou seus olhos a encararem os olhos da mãe.
— E-Eu só vim ver minhas irmãs, já estou indo embora…
— Hunf! Já as viu, não viu? O que ainda faz aqui?
Para Ophelia, Samantha era uma má influência, então, quanto menos tempo passassem com elas, melhor. Outra razão para esse ódio, estava intrinsecamente ligado a aparência de Samantha. Ela era como uma versão feminina de seu pai, e Ophelia odiava seu marido. Apenas continuava casada pelas regalias ligadas a nobreza.
A situação naquele cômodo pareceu bem tensa, principalmente para suas irmãs que não repreenderam a mãe por medo.
Apesar dos constantes abusos psicológicos, Samantha não odiava sua mãe. Ela tinha medo, mas não a odiava. Desde criança, a única coisa que ela sempre quis ouvir da boca da mãe era um “Eu te amo”, mas sabia que as chances de isso acontecerem eram pequenas.
— Mãe… eu…
— Ainda está aqui?
Samantha franziu os lábios e abraçou suas irmãs mais uma vez. Depois do desconforto que Ophelia causou, Samantha deixou o quarto às pressas. Seu rosto estava abatido e um choro estava entalado em sua garganta.
Tony viu Samantha ir apressada para fora e deu um suspiro. Como mordomo da família a anos, ele viu toda relação de mãe e filha de perto. Viu as brigas e as discussões esganiçadas que percorriam toda mansão. A única coisa que ele poderia fazer, era oferecer comida a Samantha sempre que a encontrava escondida em um canto chorando.
Teve uma vez, quando Samantha tinha por volta dos seis anos, em que ela questionou a Tony do porquê a mãe dela a tratava tão mal. Era difícil explicar a uma criança motivos tão complexos. Então, Tony sugeriu que apanhassem um punhado de flores do jardim e dessem a sua mãe de presente.
Ophelia não teve a reação que Tony esperava. Ela apanhou as flores das mãos de Samantha e as jogou no chão, não sem antes deixar um tapa no rosto da filha que só queria agradar à mãe. Não foi um tapa fraco. O nariz de Samantha chegou a sangrar.
Depois de xingar uma garota de seis anos das piores coisas possíveis, Ophelia disse odiar flores, mas isso não era verdade.
Tony já a viu regando diversas plantas e praticando até mesmo jardinagem.
O problema estava em Samantha.
O casamento de Ophelia foi arranjado, e ela sempre quis um menino, era um de seus grandes desejos maternos.
Ela alimentou a gravidez inteira com esse pensamento e se decepcionou com o resultado. Ophelia sentia extrema tristeza somente em olhar para Samantha, se recusou até mesmo em amamentá-la. Não quis nem ao menos discutir o nome dela com seu marido, deixando para ele a escolha do nome, o mesmo nome de sua mãe.
Como se fosse um castigo, Ophelia nunca teve meninos e isso a frustrou, ainda mais depois que o tempo a atingiu. Ela não descontava suas frustrações em suas outras filhas, muito pelo contrário. Apesar de rigorosa, ela as tratava bem até demais para seus padrões, deixando a raiva principalmente para Samantha, que foi, e ainda é, sua maior decepção.
Ela também se sentia decepcionada com seu marido, no qual ela chamava de frouxo sempre que discutiam, dizendo que ele não era homem o suficiente por não conseguir dar a ela um filho homem.
Sempre que discutiam, o assunto principal das discussões era Samantha. Ophelia dizia coisas como “Aquela garota está se envolvendo com um deserdado”, ou “Soube que sua filha está se envolvendo com criminosos?”. A raiva de Ophelia só aumentava quando ela ouvia sobre Colin e a guilda que sua filha mais velha fazia parte. Chegou aos ouvidos dela os feitos de Colin e Ophelia sentia extremo desgosto ao ouvir aquilo.
Agora ela tinha certeza de que Samantha era um mau exemplo a suas irmãs, alguém que ela queria que se mantivesse afastada.
Ela somente não havia a deserdado ainda pelo seu marido que ainda mantinha uma boa relação com a filha. Ophelia dizia a si mesma que seria melhor se Samantha tivesse falecido enquanto ainda era um feto. Evitaria toda essa humilhação na qual ela passava no momento.
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