Índice de Capítulo

    Um grande evento que abalaria o mundo da magia acontecia durante a madrugada em um lugarzinho remoto nas montanhas que eram a todo tempo açoitadas por lufadas de ventos tão gelados quanto os ventos que vinham do Norte.

    No meio ao vento gelado, uma grande casa de madeira estava erguida no meio do nada. O que a cercava era uma floresta escura e olhos brilhando em meio a mata densa. Os galhos rangiam tanto que pareciam se mover, e as poucas folhas farfalhavam tanto a ponto de parecerem sussurrar.

    Um cheiro incomum de rosas estava em torno da sala pequena. Havia uma mesa redonda no meio e algumas cadeiras. A viúva Mary continuava sentada lá em silêncio. Ela brincava com uma faca, tentando a manter equilibrada na ponta dos dedos, enquanto o duque estava ao lado com os braços cruzados.

    A sala era ampla com uma grande mesa de madeira no centro. O ambiente estava um pouco escuro, e foi quando eles escutaram alguns passos se aproximarem. Eles viram olhos vermelhos e sorrisos malignos na escuridão.

    Da penumbra, um homem alto de cabelo prateado cumprido apareceu, mantendo um sorrisinho sínico na face. Suas irises eram vermelhas como sangue, e suas pupilas pareciam bem dilatadas. Ao lado direito dele estava um homem de cabelo curto com as mesmas feições, e ao lado esquerdo uma mulher de cabelo cumprido com um olhar tão apavorante quanto o homem que estava no meio.

    Todos os três trajavam sobretudos pretos com detalhes em vermelho.

    O duque não deixou de sentir um calafrio na espinha ao encará-los, já Mary pareceu indiferente com toda situação.

    Ela suspirou e ofereceu o assento para seus convidados.

    — Parece que foram os primeiros a chegar. — disse Mary — E, além disso, vocês não são oito?

    O homem do meio entrelaçou os dedos frente ao rosto e encostou os cotovelos na mesa.

    — O resto de nossos irmãos estão ocupados, mas sou o mais velho, o seu escravo veio falar diretamente comigo, não foi?

    — Escravo? — Perguntou o duque.

    — E, não é?

    Furioso, o duque cerrou o punho e Mary balançou uma das mãos.

    — Não precisam começar a brigar, viemos aqui falar de negócios.

    — Claro, onde estão os meus modos, afinal, estou de frente para um ser quase divino. Sou Wilster, — ele fez uma reverência — Ela é minha irmã Ylladiana, e ele meu irmão Yengold. Somos membros da família Ubiytsy a seu dispor.

    Mary ergueu a sobrancelha, ela não esperava tal etiqueta deles, na verdade, pensou que eles seriam bem piores pelo nível das histórias que ouviu.

    — Certo, pelo visto vocês já me conhecem. Mesmo sem o meu companheiro aqui ter falado quem era o contratante.

    Wilster sorriu e fez que sim.

    — Sua mana — disse ele. — Você a esconde perfeitamente bem, mas nós também fizemos nosso dever de casa. Antes de sermos assassinos, somos espiões, atuamos sobre todo continente. Destronamos reis, buscamos arquivos secretos, e acima de tudo, estudamos nossos contratantes antes de aceitarmos qualquer tipo de trabalho. Estou curioso para ouvir toda a proposta que a senhorita tenha a oferecer. Para contratar a família toda acredito que seja algo grande, senhorita Bledha Shattermast.

    Mary abriu um sorriso gentil e balançou uma das mãos.

    — Por favor, me chame apenas de Mary, está bem?

    Wilster fez que sim.

    — Como desejar, minha senhora.

    — Melhor esperar meus outros convidados chegarem para iniciarmos nossa reunião. Infelizmente não preparei nenhum banquete ou petisco para fazer vocês aguardarem à vontade. Nunca fui muito boa com hospitalidade.

    — Não se preocupe, fomos treinados para ficar meses sem comer.

    — Que ótimo, isso deve ajudar na despesa da sua família.

    Passos foram ouvidos do fundo e das sombras sugiram cinco pares de olhos avermelhados.

    — Graff! — disse Mary — Então você veio mesmo. Fico muito feliz que tenha aceitado o meu pedido.

    Graff olhou direto para Wilster e abriu um sorriso.

    — Não sabia que estavam trabalhando para essa bruxa.

    — Tio Graff… — desdenhou Wilster — Não pensei que o senhor viria para cá…

    — Wilster! Aquele pirralho catarrento? — Perguntou Morgana com um sorriso.

    — Tia Morgana… é bom ver a senhora também…

    Mary coçou a bochecha e deu um sorriso.

    — Parece que estamos em família aqui, que ótimo! Os outros já devem estar chegando.

    — Como vai à mãe de vocês? — perguntou Graff.

    — Vai bem, continua odiando vocês.

    — É, ela sempre foi a mais chata da terceira geração. — disse Orlock.

    Escutaram o barulho de algo vibrando no meio da sala. As cadeiras e as mesas começaram a tremer, até que um portal dimensional se abriu. Ehocne, Lumur e Var’on saíram lá de dentro.

    Tanto Wilster quanto Graff ficaram surpresos ao ver Lumur. Eles esperavam qualquer um, menos ele. Com seu nariz empinado, Lumur ignorou os vampiros e se sentou na cadeira sem dizer uma única palavra. Ele apenas olhou no rosto de cada um dos presentes, mas continuou em silêncio.

    Morgana saltou para cima da mesa e a mesa quase se quebrou. Ela se agachou olhando no fundo dos olhos de Lumur. O longo cabelo escuro dela estava ouriçado, seus olhos ficaram com um vermelho sinistro e ela exibiu um sorriso que começou a babar.

    Snif, Snif!

    Ela cheirou o pescoço de Lumur e se afastou, continuando a olhar no fundo dos olhos dele.

    — Dê a ordem, senhor Graff! E eu estraçalho o pescoço do herdeiro de Ultan aqui e agora!

    Lumur franziu o cenho ao encarar aquela mulher musculosa que parecia um cachorro olhando para um pedaço apetitoso de carne.

    — Se afaste, sua Gorila! — berrou Ehocne — Ei, velhote, controle essa selvagem!

    — Morgana, desça daí! — repreendeu Graff — Aqui não é hora e nem lugar para isso.

    Obedecendo ao velho, Morgana saltou de volta e ficou ao lado de Graff. Lumur não deixou de se sentir intimidado naquele lugar, mas não deixou externalizar isso. Todos eles eram presenças poderosas demais, ele provavelmente tinha a menor mana dali, apesar de ser um dos mais fortes do império e um membro importante do lótus. E por último, botas foram ouvidas do corredor. Três guerreiros se aproximavam, vestindo-se como os bárbaros do norte.

    O homem do meio era alto com o cabelo longo e loiro. Ele trajava casaco de urso e botas de pele propícias para se usar na neve. Ao lado direito estava uma mulher loira usando tranças e com tatuagens de guerra no rosto. Ela usava uma grande espada prateada nas costas quase do mesmo tamanho que ela. E por último, ao lado esquerdo, estava um homem alto, careca com a cabeça toda tatuada.

    — Urdin e seus fieis companheiros — disse Mary — Só faltavam vocês. Por que não se juntam a nós?

    — Que fedor! — disse Wilster — Nortenhos fedem a ante magia, que nojo!

    — No Norte não deixaríamos vermes como vocês perambularem por aí! — disse Urdin após cuspir no chão.

    — Por isso o Norte é uma grande bosta. — respondeu Wilster com um sorriso no rosto.

    — Senhores, por favor, tenham modos… — disse Mary — Vamos logo começar a nossa reunião?

    Os nortenhos deram de ombros e se sentaram a mesa. Todos eles estavam sentados com Mary na ponta, conduzindo toda reunião. Por ser pequeno demais, Graff optou por ficar de pé na cadeira, e Morgana optou ficar de pé por seu quadril e coxas serem grosas demais para caberem no assento.

    — Bem, senhores, deu muito trabalho reunir todos vocês aqui. Se estão aqui é porque considero vocês a verdadeira elite da elite entre os usuários de magia, e claro, os não mágicos também tem seu valor nesta sala. — Ela olhou para os nortenhos — Pois bem, reuni vocês com um único objetivo, vamos derrubar o império de Ultan da noite para o dia.

    Todos ficaram em silêncio.

    Mesmo sendo o caído da essência da morte, aquela ideia soava absurda vindo da boca de qualquer um. Ultan era o império mais forte do continente atualmente, controlava as guildas mais poderosas e tinha membros do conselho de lótus por perto. Por mais poderosos que eles fossem, Mary estava pedindo o absurdo.

    — Isso é sério? — perguntou Wilster com certa dúvida.

    — O que foi? Os Ubiytsy vão recuar?

    Como um rompante, os três começaram a gargalhar, gargalharam tão alto que suas barrigas começaram a doer. Aqueles dentes pontiagudos e aqueles olhos vermelhos expressavam a mais absoluta felicidade. Os Ubiytsy eram conhecidos por nunca recuarem, mesmo se enfrentassem mil soldados. E havia lendas em que mesmo em absoluta desvantagem, os Ubiytsy sempre davam um jeito de cumprir sua missão com êxito sem nenhuma baixa.

    — Recusar acabar com o império mais poderoso do continente em uma única noite? — disse Wilster abrindo os braços — Acha que recusaríamos algo tão maravilhoso assim?

    — Ótimo! — disse Mary abrindo um sorriso.

    — O que significa isso? — Perguntou Lumur — Então esse era o plano de vocês o tempo todo? Jogar tudo que meu pai construiu no lixo?

    — Se acalme, garoto… — disse Mary — Anda não terminamos de explicar.

    — Então qual o seu plano? — perguntou ele. — Para pedir algo assim, a senhora deve ter tudo esquematizado, não deve?

    O duque enfiou as mãos no bolso e entregou um mapa para Lumur, que o abriu lentamente. Aquele era o mapa detalhado da capital, contendo os postos de guarnições, alojamentos de enfermos, armazéns e até mesmo ouro.

    — Meu plano é lutar contra os imperadores sozinha! — disse Mary com tamanha convicção que até deu medo — Enquanto vocês e alguns dos meus soldados seguram seus soldados longe, isso inclui os membros de Guilda. Quero ficar presa junta deles em uma barreira. Enquanto isso, sintam-se livres para causar o caos. Saques, assassinatos, eu não ligo.

    Wilster ergueu uma sobrancelha.

    — Espera, você disse “Imperadores”?

    Ela sorriu e fez que sim, exibindo o mesmo sorriso maligno de antes.

    — Vamos atacar no evento do torneio das Guildas, muita gente importante estará lá. É como eu disse, quero acabar com império de uma vez por todas, na verdade, quero desestabilizar o continente por completo. Este evento serve como um pequeno tratado de paz. Alguns impérios financiam as guildas que irão participar, assassinatos são estritamente proibidos, a segurança será quadruplicada. Sem falar que os imperadores dificilmente vão se render sem uma luta.

    Wilster começou a entender como o plano se desenrolaria, mas ele estava encucado com uma questão.

    — Os lótus… — disse ele olhando para Lumur — Aqueles caras são bastante fortes, quer que a gente cuide deles também?

    Mary abriu um sorriso nada discreto.

    — Por isso que Graff e a terceira geração estão aqui. Ehocne dará um jeito de jogar os membros do lótus para longe, e é aí que Graff e sua equipe entram. Eles lutarão contra os 11 monarcas mais poderosos do império sozinhos. Acredito que não deva ser problema para eles, certo Graff?

    — Quem você pensa que somos? — perguntou Graff com um sorriso.

    — Pois bem! — continuou Mary — Os Ubiytsy se concentrarão nos outros imperadores e reis de terras menores que ficarem longe da barreira. Aviso para terem cuidado com um imperador em específico, o imperador da cidadela dos elfos negros. Ele é poderoso, poderoso até para os padrões dos caídos, por isso Var’on vai com vocês enfrentá-lo.

    — Parece que você quer mesmo destruir Ultan. — disse Lumur — Quero saber qual a função dos nortenhos nisso tudo.

    Mary estava esperando essa pergunta.

    — Como planeja lutar contra o maior império do continente sem um exército poderoso? Urdin está aqui para isso, ele nos dará seu exército de ante magia e em troca ele formará um governo de coalizão com você.

    — O quê? — perguntou Lumur incrédulo.

    — O que foi? Ele quer metade do território que Ultan conquistou e em troca vocês terão um império aliado. Com vocês dois juntos, acredito que conquistariam todo continente em meses.

    — Eu não aceito uma coisa dessa! — esbravejou Lumur.

    — Não aceita? Você não está em posição de exigir nada aqui. Coloquei você nos planos por puro capricho, mas se quiser posso descartar você aqui e agora.

    Aquela não foi uma ameaça vazia, e Lumur sabia disso. Um suor frio desceu pela têmpora de Lumur e ele fez silêncio engolindo o seco.

    Ylladiana Ubiytsy franziu o sobrolho enquanto fazia beicinho.

    — A senhora vai estar no ataque, certo?

    Mary fez que sim.

    — Por que tudo isso só agora? Vocês caídos não tem milhares de anos? Poderiam ter feito isso antes de o império ter se tornado o que ele é hoje.

    — Você tem razão, criança — disse Mary jogando uma mecha de cabelo para trás dos ombros — Mas faz séculos que os caídos não se reúnem todos juntos. O mundo é regido pelos mais fortes, e somos nós, os caídos, então a gente faz o que quer, e isso inclui destruir este mundo se isso for da nossa vontade.

    Ylladiana fez que sim e abriu um sorriso.

    — Mas, tem uma razão em específico, não tem? Para vocês estarem agindo apenas agora? Digo, impérios são erguidos e caem desde o início deste mundo. Ultan não será eterno, então por quê? Para seres imortais como vocês, esperar não seria um problema.

    O olhar de todos se concentrara em Mary esperando uma resposta. Aquela foi uma boa pergunta, de fato, Mary estava sendo precipitada com suas ações.

    A caída deu de ombros e moveu uma mecha de cabelo para detrás das orelhas.

    — Sabe, — disse ela. — Mesmo os caídos estando vivos a centenas de anos, nunca aconteceu de todos os sete de nós vivermos na mesma era. E recentemente, parece que o último de nós, despertou, mas não sabemos quem diabos ele é ou onde ele está. Como grande parte do continente estará na capital durante o torneio, chuto que ele estará lá.

    Fazendo que sim, Ylladiana levantou o indicador.

    — Entendi, a senhora quer reunir a família toda, né?

    Mary esboçou um sorriso de canto de boca e fez que sim.

    — Acho que você pode resumir assim…

    Com o dedo indicador frente aos lábios, Ylladiana encarou seus irmãos.

    — Stedd não está estudando naquela universidade da capital?

    Yengold coçou a bochecha com o indicador.

    — Acho que sim. — Yengold abriu um sorriso largo. — Vamos poder lutar contra Stedd se atacarmos a capital?

    Ambos olharam para Wilster com os olhos brilhando. Stedd tinha uma boa relação com seus irmãos, principalmente com Yengold e Ylladiana. O passatempo dos três, quando crianças, era sair em missões de assassinatos juntos, muitas vezes disputando entre eles quem tirava mais vidas ao longo da missão. Mesmo sendo o mais novo, Stedd sempre se destacou dentre os três.

    Vendo que seus irmãos estavam quase o devorando, Wilster coçou a nuca e suspirou. Ele olhou para Mary, depois olhou para Seus irmãos que permaneciam com o mesmo olhar faminto de sempre.

    — Tudo bem. — disse ele. — Só não o matem.

    — Uhuuul! — comemorou os dois erguendo as mãos para o alto.

    Mary também esboçou um sorriso e entrelaçou as mãos frente ao corpo.

    — Bem, acho que isso é tudo, certo? — disse ela. — Avise o resto de sua família. Afinal, Jack não participará?

    Wilster fez que não.

    — Meu pai não está neste continente. Ele e minha mãe estão em outra missão bem longe daqui resolvendo uma briga entre dinastias poderosas.

    — Entendi. — Ela se ergueu. — Acho que concordamos, meu companheiro aqui entrará em contato o mais breve possível para manter vocês informados.

    Mary ergueu o dedo indicador e uma marca apareceu na mão de todos os presentes.

    — Essa é uma marca de sigilo. Não me levem a mal, é para que vocês não vazem informação desta reunião para outras pessoas.

    — Não confia em nós? — perguntou Graff encarando a marca na mão.

    — Estou apenas me precavendo, espero que entenda.

    Graff deu de ombros.

    Wilster e seus irmãos se ergueram e fizeram uma reverência.

    — Será um prazer trabalhar com a senhora.

    — Digo o mesmo.

    Os Ubiytsy se afastaram, desaparecendo na penumbra.

    Ehocne abriu um portal e desapareceu junto a Lumur e Var’on. Já os nortenhos saíram sem dizer nada. Graff e os outros desapareceram como fumaça, deixando somente Mary e o duque naquele lugar.

    — A terceira geração vai mesmo cooperar? — perguntou o duque. — Eles sabem que o errante Colin vai participar? Aliás, eles sabem que ele é um estudante?

    — Sabem que ele é da capital, mas não sei se sabem se ele é um estudante.

    — Estranho Graff não comentar nada…

    — Ele deve querer esconder o errante da gente.

    O silêncio dominou o ambiente por um instante e Mary abriu um largo sorriso.

    — Vamos para a ilha das fadas! — disse ela empolgada.

    O duque ergueu uma das sobrancelhas, aquilo o pegou de surpresa.

    — Ilha das fadas não é onde ele está?

    — Claro, aquele merdinha tem que saber que mudarei o mundo mais uma vez, desta vez tudo vai ocorrer de maneira perfeita. Quero ver como ele reagirá.

    — Mas ainda não é cedo para contarmos isso?

    — Não importa se contarmos isso a ele, ele não vai agir, afinal, ele disse querer distância dos assuntos dos caídos.

    — Será uma viagem longa, minha senhora…

    — É, eu sei.


    O fim de semana havia chegado. Já havia passado do meio-dia e Colin não havia saído da cama. Sempre aos fins de semana, Stedd desaparecia e Kodogog fazia as atividades com sua guilda.

    O quarto de Colin estava escuro, e ouvia-se somente o tiquetaquear do relógio na parede. Ele ainda continuava pensando na conversa da noite passada que teve com Brighid. Uma parte dele queria esquecer isso, mas ele não conseguiu.

    Jogando a coberta de lado, ele se ergueu, colocou uma blusa de manga longa, calças e calçou meias e seus chinelos de palha. Resolveu dar uma volta pela universidade sem nenhuma pretensão.

    Assim que abriu a porta, viu Brighid e Safira vestidas casualmente para um clima frio. Safira ia bater na porta, mas Colin a abriu antes.

    Ele olhou as duas com seu olhar sério de sempre.

    — Que cara horrível, senhor Colin, não dormiu na noite passada? — perguntou Safira.

    Colin coçou o cabelo bagunçado.

    — Não muito… o que vieram fazer aqui?

    Safira apoiou as duas mãos na cintura e abriu um sorriso.

    — Hoje começa a temporada de Abiscus e vai ter um festival na praça central, então resolvemos passar aqui e chamar você!

    “Então finalmente começou o outono”.

    — Vou só pegar um casaco…

    E assim ele o fez, calçando também um sapato. Brighid ficou mais atrás enquanto Safira e Colin conversavam de forma descontraída. Como sempre, Safira ficava empolgada ao contar seus feitos a Colin, afinal, ela o admirava e tentava imitá-lo em quase tudo que fazia.

    Colin dava corda a conversa com perguntas pontuais para que Safira falasse mais, ela não se cansava. Conforme se aproximavam da enorme praça central, ouvia-se o som de trovadores e pessoas se divertindo com suas famílias.

    Ao longe ele viu rostos familiares.

    Elhad, Sashri, Stedd e Lei Song estavam em um canto jogando conversa fora. Foi coincidência eles se encontrarem ali.

    — Olha só quem apareceu! — zombou Stedd — O trio de esquisitos que adoro hehe.

    — Stedd… — disse Colin abrindo um sorriso de canto. — Achei que fosse desaparecer de novo esse fim de semana.

    — E perder o festival? Nem pensar!

    Algumas magias que pareciam fogos eram lançadas ao céu, atraindo os olhares de todos.

    — O clima daqui é bem diferente do clima da minha cidade natal — disse Lei Song com os olhos no céu.

    — Diferente quanto? — perguntou Safira.

    Lei Song deu de ombros.

    — Não sei… as pessoas parecem felizes aqui.

    Um grupo de trovadores apareceu tocando alaúde, flautas, batendo os pés e vestindo trajes coloridos. Eles divertiam a todos por onde passava. O mago de fogo cuspia serpentes incandescentes pela boca, que se desfaziam em borboletas e depois explodiam em minúsculos fogos de artifício.

    Colin se aproximou de Brighid.

    — Já volto, vou comprar alguma coisa.

    — Vou com você.

    — Relaxa, fica aqui com o pessoal e aproveita as festividades, eu não vou demorar.

    Se afastando dos amigos, Colin se misturou a multidão atento aos dois lados. Não eram somente os trovadores que faziam a alegria do pessoal. Havia disputas de espadas de madeira, quedas de braço e até tiro ao alvo. Ele até mesmo viu Kurth disputando tiro ao alvo com um soldado mais ao fundo. Um pouco para a direita, ele viu Loaus sendo paparicado por algumas garotas que provavelmente o reconheceram. Seus olhos zanzaram mais um pouco, chegando até Wiben e Samantha em um canto de mãos dadas.

    Comprou alguns espetos e resolveu caminhar mais um pouco antes de retornar para o pessoal e logo mais adiante viu Alunys e Liena de risadinha de frente para uma barraca vendendo maçãs que se pareciam muito com maçãs do amor.

    Segurando a maçã, Liena mordeu um pedaço e deu um pedaço para Alunys, que pareceu não ter gostado muito. Elas riram uma para outra mais uma vez e Liena se virou, ficando petrificada ao notar Colin parado as encarando.

    Liena rapidamente escondeu a maçã do amor atrás dela. Alunys encarou Liena sem entender nada e seus olhos seguiram os da amiga parando em Colin. Ela teve a mesma reação, ficando petrificada e morta de vergonha, se perguntando a quanto tempo ele estava ali.

    Abrindo um sorriso, Colin só deu um tchauzinho e seguiu seu caminho.

    Passou por algumas barracas e viu outros rostos familiares ao longe, rostos como o de Anton e Loafe, mas se manteve longe.

    — Papai!

    Ele olhou para baixo vendo Brey correr em sua direção. Colin a pegou no colo e abriu um sorriso.

    — Francamente, Brey, fique junto da gente! — disse a empregada responsável pelas crianças. — Senhor Colin, tudo bem com o senhor?

    Colin fez que sim.

    — Onde estão os outros? — Ele perguntou.

    A empregada apontou para dois lugares. Os meninos estavam brincando com espadas de madeira em uma competição, já Meg e Melyssa pareciam ter feito outras amigas, conversando de forma descontraída com elas. Haviam outras empregadas as vigiando.

    — Espero que eles não estejam dando trabalho.

    A empregada coçou a nuca.

    — Eu até que gosto haha. Fazem um pouco de bagunça. Mas são bem carinhosos.

    — Pode deixar que fico com ela.

    — Tem certeza? Brey é bem energética.

    — Tá tudo bem, entrego ela em casa quando o festival acabar. Vai se comportar, não vai Brey?

    Ela não disse nada, somente abraçou o pescoço de Colin e lhe deu um beijo no rosto, mostrando aquele sorriso de dentes faltosos.

    — Então acho que tudo bem. — disse a empregada coçando a nuca.

    Colin colocou Brey em seus ombros e os olhos dela brilharam ao perceber estar tão no alto. Ele deu a ela um pouco do doce do espeto e ela comeu com a maior vontade do mundo.

    Nos ombros de Colin, Brey apontou para o lado.

    — Papai, vamos naquele?

    Virando o rosto, ele observou acontecer uma brincadeira entre pais e filhas valendo algumas moedas de ouro. As filhas ficavam nas costas dos pais e os pais faziam flexões. Quem fizesse mais flexões levava o prêmio.

    Haviam homens com portes físicos mais avantajados que o porte de Colin, mas ele não se deixou intimidar, afinal, sua árvore era a pujança.

    Ele se inscreveu naquela competição e se preparou ficando na posição inicial. O juiz tocou o sino e eles começaram a fazer flexão. Depois de cinco minutos e mais de 300 flexões realizadas, a maioria dos competidores havia sido eliminados, sobrando apenas Colin e outro homem careca.

    A garota em cima das costas do pai careca mostrou a língua para Brey e Brey retribuiu fazendo o mesmo.

    Seu oponente já estava exausto, então demorou mais dois minutos para que Colin fosse declarado vencedor. Ele pegou o prêmio em dinheiro e comprou um ursinho de pelúcia para Brey. Depois foi a vez de brincarem de pintar o rosto usando os dedos. Brey tentou desenhar uma borboleta na testa de Colin, mas ela ficou toda torta.

    — Você tá muito feio papai hihihi!

    Colin olhou para o espelho e sorriu, mas Brey não se conteve e gargalhou como se não houvesse amanhã. Sem perceber, Colin havia começado a gargalhar junto. Aquela era uma cena rara de se ver, o sempre sério Colin rindo alto, exibindo um sorriso de orelha a orelha. Uma cena que nem seus amigos mais próximos presenciaram. Então foi a vez dela de ver o que Colin havia desenhado. Colin fez pinturas de guerras nórdicas. Os olhos de Brey brilharam ao ver aquilo, ela achou incrível.

    Ambos limparam o rosto e seguiram pela praça o resto da tarde, indo de brincadeira em brincadeira, rindo e se divertindo como nunca. A pequena nunca havia ficado tão feliz antes. Era a primeira vez que ela se divertia dessa maneira. Nem parecia que ela havia passado pelo inferno há alguns dias.

    Aquilo também foi uma experiência nova para Colin. Ele nunca havia experimentado aquela sensação intensa de felicidade. Se perguntou se era assim que era de fato um pai. Até mesmo seus pensamentos mais sombrios que estavam consigo desde o momento que acordou, desapareceram completamente.

    Já estava a noite e era hora das festividades se encerrarem. Colin retornou para o centro da praça e encontrou todo mundo lá. Todos os membros de sua guilda estavam atentos ao céu esperando os últimos fogos do festival. Alunys e Liena ainda estavam envergonhadas, mas Colin apenas sorriu para elas.

    — Onde você estava? — perguntou Brighid — Fiquei preocupada, achei que tivesse acontecido alguma coisa.

    — Desculpa, encontrei Brey e a gente se divertiu um pouco.

    Colin a tirou dos ombros e a segurou no colo.

    — Olha o que o papai comprou para mim! — Ela mostrou o ursinho de pelúcia e Brighid retribuiu com um sorriso.

    — Ele é muito fofo! — disse Brighid apertando a bochecha de Brey.

    Boom!


    O primeiro fogo explodiu no céu, deixando um rastro colorido. Depois foi mais outro e depois mais outro, seguido por um foguetório colorido. As outras crianças estavam a metros de Colin, mas ficaram hipnotizadas pelo show de cores para prestarem atenção nele. Colin olhou para os membros de sua guilda, depois olhou para as crianças, olhou para Brighid e por fim olhou para os brilhos nos olhos daquela garota que o chamava de pai.

    Mesmo que seu destino fosse certo, ele tomou a decisão de não ficar parado esperando que tudo fosse concretizado. Talvez fosse, sim, obra do destino o fato de Colin ter sobrevivido a tantas lutas impossíveis até agora, mas ele tentaria continuar seguindo, mesmo que as chances para isso fossem nulas.

    Destino, fatalidade, casualidade, ele decidiu ir contra tudo isso, afinal, enfrentar o impossível é o que ele faz desde que chegou a esse mundo.

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