Índice de Capítulo

    Abrindo os olhos devagar, Colin observou a luz do sol passar por uma pequena fresta de sua janela.

    Ele se virou para o lado e bocejou.

    A cama estava tão macia que ele não queria levantar. Se lembrou da terra e da infância quando ele dormia até tarde aos sábados, acordando na hora exata do seu desenho favorito.

    Com um suspiro, Colin mandou para longe estes pensamentos e jogou a coberta de lado, sentando-se na cama. Ele virou a cabeça, encarando a pilha de papéis que Millie havia feito para ele não ficar atrasado em relação aos outros alunos.

    Após coçar a cabeça, Colin fez muxoxo, erguendo-se para se trocar.

    Saindo do quarto, ele foi direto para a cozinha. Stedd estava com avental bordado, preparando o café.

    — Bom dia, dorminhoco, seu café está quase saindo!

    Colin encarou Stedd com o semblante sisudo e Stedd lhe deu uma piscadinha.

    Sentindo um arrepio na espinha, Colin desviou o olhar.

    — Não fique fazendo isso logo de manhã… me deixe acordar primeiro antes de começar suas gracinhas.

    — Desculpa, senhor “acordei puto”, isso não vai acontecer de novo.

    Indo até à cozinha, Colin puxou uma das cadeiras próximas à bancada e se sentou.

    — Onde está Kodogog? — perguntou.

    Fritando ovo de uma ave estranha, Stedd retirou o ovo com gema avermelhada e o colocou entre um pão partido ao meio.

    — Não se importe com ele, Kodogog tem todo um ritual matinal estranho. Coisa da sua tribo.

    Stedd fez um sinal com as mãos para que Colin comesse os pães.

    — Por que não experimenta? Fiz com todo o meu amor. — Stedd encarou Colin de maneira provocante.

    Eles se encararam por alguns segundos e Colin desviou o olhar.

    Faminto, Colin fechou o pão e o pegou com cuidado com as duas mãos.

    Ele deu a primeira mordida e olhou para Stedd, que esperava uma resposta. O gosto era bastante comum, como se estivesse comendo o clássico pão com ovo que sua mãe costumava fazer na infância.

    Tinha um sabor agradável, a gema era levemente salgada, mesclando perfeitamente com o gosto do trigo do pão.

    Engolindo, Colin sorriu para Stedd.

    — Você cozinha bem. — Ele deu outra mordida.

    Stedd sorriu e desamarrou o avental da cintura, jogando-o sobre a bancada.

    — Quando eu pegava um trabalho de assassinato com meus irmãos, sempre tínhamos que nos adaptar para poder sobreviver a situações adversas. Existem muitas aves perigosas nesse mundo, mas o sabor de verdade está no perigo. Quanto mais feroz for a fera, mais gostosa ela será. Isso funciona até mesmo com assassinatos, quanto mais difícil, mais prazeroso é o resultado.

    “Esse cara é um psicopata?!”

    Stedd apoiou os cotovelos na bancada, apoiando também o queixo em seus dedos entrelaçados.

    Ele encarou Colin no fundo dos olhos.

    — Foi prazeroso matar o Bakurak? Imagino que tenha sido um desafio e tanto.

    Colin parou de comer e tentou se lembrar da sensação. Ele não conseguia explicar o que sentiu no momento, mas de alguma forma, foi bom.

    — Não sei se foi prazeroso ou não, mas foi bom de alguma forma. Ele era muito forte.

    Stedd fez que sim e sorriu.

    — Bem, de qualquer forma, quando acabar de comer, escove bem os dentes e vamos direto para um passeio. Somente eu e você. Não se preocupe, não tentarei nada estranho. — Stedd ergueu a mão direita. — Eu prometo!

    Colin olhou para o sorriso de Stedd, que era bastante caricato, e logo encarou depois sua mão direita erguida.

    — É melhor mesmo que não faça nada de estranho, eu sei me defender.

    — Sei que sabe, háhá.

    Após caminhar bastante, Stedd apresentou um refeitório especial, frequentado pela elite da universidade. Apresentou campos enormes de treinamentos e salas alquímicas cheias de bugigangas. Mostrou ainda mais jardins e chegaram até uma área que parecia destinada exclusivamente aos nobres.

    Era como se fosse uma cidade com comércio a parte vendendo equipamentos bastante raros e caros. Se dissessem que aquilo ficava em uma universidade, Colin jamais acreditaria.

    Impressionado e um pouco distraído, Colin continuou seguindo Stedd se perguntando que tipo de pessoa ele era, apesar de já ter uma ideia pelas atitudes do companheiro.

    Caminhando por um calçamento simetricamente colocado na parte rica da universidade, Stedd apontou para a fachada de uma alfaiataria. Havia roupas de gala bastante chamativas na vitrine que estava tão limpa que parecia transparente.

    — Por aqui! — disse Stedd caminhando para a frente da loja. — Vamos comprar nossos trajes para a festa de hoje.

    Colin encarou a fachada mais uma vez e depois olhou para Stedd.

    — Eu não tenho dinheiro.

    — Relaxa, eu tenho.

    Assim que entraram puderam ver vários manequins a mostra trajando o mais variado tipo de roupa. Uma mulher, de cabelos pretos, preso em um coque e de vestido longo tão preto quanto seus cabelos, estava costurando um gibão mais ao fundo do estabelecimento.

    Colin franziu o sobrolho e reparou que ela estava em cima de um banco de madeira. Foi quando ele percebeu que ela era uma anã.

    — Senhorita Tishsora! — Stedd abriu um sorriso. — Está ainda mais bela desde a última vez que eu a vi.

    Apesar de uma anã, ela era bastante bela. Seus lábios tinham um formato quase perfeito. Seu nariz era bem fino e seus olhos eram de um verde intenso.

    — Stedd Ubiytsy! — Ela gentilmente fez sinal com a mão para que Stedd se aproximasse.

    Aproximando-se, Stedd segurou sua mão delicadamente e a ajudou descer com calma. Assim que pisaram o pé no soalho de madeira, Stedd se agachou e beijou as costas da mão de Tishsora.

    — Sua mão continua macia como sempre.

    — Obrigada, querido. Veio comprar o que de mim hoje?

    Stedd se ergueu e olhou para Colin.

    — A festa de boas-vindas aos calouros é hoje. Tem algo para mim e pro meu amigo aqui?

    Tishsora encarou Colin de cima a baixo e se aproximou dele.

    Ela caminhava engraçado, como se fosse um pinguim. Ao ficar frente a Colin, Tishsora fez sinal para que ele se abaixasse, e assim Colin o fez.

    Incisiva, ela apertou as bochechas dele. Depois pegou suas mãos, apalpou o antebraço e depois os bíceps. Colin se sentia desconfortável e encarou Stedd por cima dos ombros da anã, que apenas deu de ombros.

    — Você é bem musculoso para um Elfo Negro. A maioria deles é magrelo e sem graça.

    Ela tateou o tórax de Colin, depois o abdômen e por último as pernas.

    Afastando-se, ela foi para trás da bancada e começou a fuçar em algumas coisas. Apanhou um caderno e caneta iniciando suas anotações.

    — Faz tempo que um Elfo não entra em meu estabelecimento — disse ela saindo de trás do balcão. — Muitos deles odeiam os anões. Não é todo dia que tenho a chance de fazer algo para um Elfo. — Ela parou de escrever e olhou para Stedd. — Como sempre, você não para de me surpreender.

    — Uma mulher tão linda e habilidosa quanto a senhora merece sempre o melhor.

    Tishsora encarou Stedd e abriu um sorriso.

    — Você é adorável, querido. — Ela se virou para Colin. — Qual cor prefere?

    Colin gostava muito de azul, mas para uma festa ele ponderou que preto seria uma cor que lhe caísse melhor.

    — Preto, senhora.

    — Certo. Tem alergia a algum tecido?

    — Não que eu saiba.

    — Certo. Qual o número do seu sapato?

    — 44.

    Ela apontou com a caneta para um sofá próximo à vitrine.

    — Podem aguardar ali, isso não vai demorar muito.

    — Não vai tirar minhas medidas, senhora Tishsora? — perguntou Stedd.

    — Você não mudou absolutamente nada desde a última vez que esteve aqui. Ainda guardo seus números e seus gostos na cabeça.

    Tishsora se retirou para um cômodo no fundo, e fechou a porta.

    Aproveitando a brecha, Stedd sentou-se de maneira bem relaxada no sofá, quase se deitando nele. Ele cruzou os braços e bocejou.

    — Isso vai levar meia hora mais ou menos — disse ele. — Por que não se senta e relaxa um pouco?

    Colin se sentou e olhou para os dois lados, enxergando vestidos e trajes cada vez mais pomposos que o anterior.

    “A anã é boa mesmo nisso”.

    Ele se sentou quase da mesma maneira que Stedd, até que começou a cochilar.


    Track!

    A tranca da porta destravou e Tishsora saiu, trazendo consigo duas mudas de roupas. Stedd e Colin acordaram só com o barulho agressivo da tranca da porta.

    — Aqui estão! — ela entregou para Stedd — Não precisa me pagar, considere isso um agrado daquele último trabalho que fez para mim.

    Stedd curvou-se.

    — Sou eu que agradeço. Passar bem, senhora Tishsora. Prometo que voltarei mais vezes.

    — Se perguntarem sobre as roupas, digam que fui eu quem as fez.

    — Pode deixar.

    Eles deixaram o estabelecimento com suas roupas em mãos. Colin ficou curioso sobre o trabalho que Stedd havia feito para ela, então, resolveu ser direto.

    — Que tipo de trabalho você fez para a anã?

    — Bem… você já deve imaginar.

    — Não, eu não faço ideia.

    — Por onde começo? Bem, existia um alfaiate bem popular em uma cidade vizinha daqui. Ele tinha muitos escravos e conseguia vender para muitos clientes importantes suas dezenas de peças de roupa. Como ele vendia bastante e tinha mão de obra barata, o mercado de peles e tecidos era quase todo exclusivo dele.  Então, senhorita Tishsora e outros alfaiates insatisfeitos entraram em contato comigo e elaboramos um contrato. Resumindo, eu matei o alfaiate, ameacei seus fornecedores e pronto. Alguns desses alfaiates ainda me pagam por isso. Resumindo, recebo sem trabalhar diretamente.

    Colin estava começando a entender o tipo de pessoa que Stedd era.

    — Entendi… se te contratassem para matar o imperador, você mataria?

    Stedd apoiou o indicador frente aos lábios.

    — Hmm… Meus irmãos e eu já matamos alguns reis de países pequenos e senhores de pequenos condados. Matar gente importante dá muito trabalho. Eles estão sempre cercados de gente bastante forte. Se eu fosse sozinho, com certeza morreria, mas se fosse a família toda, talvez a gente tivesse alguma chance.

    “Família toda?”

    — Quantas pessoas tem na sua família?

    Stedd olhou para as nuvens e começou a contar em silêncio.

    — Tem minha mãe, meu pai, meus avós e bisavós. Tem também meus sete irmãos.

    Colin ergueu as sobrancelhas.

    — Sete?

    — Isso! Sou o oitavo e o mais novo.  Meu pai e meus irmãos mais velhos têm essa ambição de matar algum imperador. Mas é como eu disse, teria que ter muitas moedas envolvidas nisso.

    Stedd continuou falando sobre contratos e assassinatos durante todo o trajeto de volta até o dormitório. Era possível ver mulheres indo a cabeleireiras e a salões de renome na parte rica da cidade. Enquanto os outros estabelecimentos como sapateiros ou alfaiate tinham tanto rapazes quanto moças.

    Aquele era um dos principais eventos do ano na universidade. Não só porque as pessoas mais importantes da universidade estariam lá, mas porque era um ambiente propício para se fazer amigos e quem sabe adentrar em alguma guilda.

    Todo o passeio de Colin e Stedd durou quase o dia todo, e não faltava muito para que a festividade começasse.

    Após tomar banho, Colin estava pronto.

    Usava um elegante gibão preto com detalhes dourados na manga e gola. Sua blusa interior era levemente dourada com detalhes em branco. Sua calça era acinzentada e ia até um pouco abaixo do joelho. Na canela estavam as meias brancas, e seus sapatos eram tão pretos quanto seu gibão.

    Ele fez a barba e penteou o cabelo da melhor forma que conseguiu. O penteou para trás, mas não conseguiu fazer uma mecha frente a seu olho ficar junto ao resto de seu cabelo, então, a deixou ali.

    — Isso parece um cosplay mal feito… — balbuciou ele frente ao espelho.

    — Pronto para irmos? — disse Stedd logo atrás.

    Stedd se vestia quase a mesma maneira, porém, seu gibão era vinho com detalhes pretos. Sua calça era preta e seus sapatos da mesma cor.

    — Estou parecendo um palhaço vestindo isso… — resmungou Colin.

    — Não é para tanto. É só por essa noite e depois você pode voltar para suas roupas de mendigo.

    — Vai se foder!

    — Háháhá, é melhor a gente ir para não chegarmos atrasados.

    — Kodogog não vai conosco?

    — Não. Orcs acham bem banais festas e cerimônias que não tem sangue ou uma boa luta. O conhecendo, ele deve ter se enfiado em algum canto para encher a cara de cevada ou deve estar caçando alguma monstruosidade.

    — Hmm…

    Saindo do quarto, eles avistaram vários rapazes no corredor trajando suas vestes de gala. A maioria deles sabia quem era Colin e ouviu rumores sobre Stedd ser um assassino.

    O mais seguro era manter distância dos dois para pouparem suas vidas.

    Todo caminho até o grande salão estava iluminado por orbes flutuantes que brilhavam em azul-claro. As mulheres se vestiam como princesas e os rapazes como príncipes. Alguns daqueles rapazes olhava Stedd de forma provocante e ele retribuía o olhar.

    Colin percebeu aquilo, mas não disse nada.

    Já Colin recebia o mesmo olhar, tanto dos rapazes quanto das damas. Ele apenas ignorou e continuou seguindo ao lado de Stedd.

    — Senhor Colin? — disse uma voz atrás dele.

    Virando-se, Colin deparou-se com Kurth, que também estava vestido a caráter.

    — Kurth?! — Eles apertaram as mãos com bastante empolgação. — Já faz um tempo, como tem passado?

    — Bem, as aulas iniciais são um pouco puxadas. — Ele fez uma pausa. — Soube que o senhor estava se recuperando da última batalha, se sente melhor?

    Sem jeito, Colin coçou a nuca.

    — Sim, me sinto melhor.

    — Olha se não é o garoto da prova de seleção! — disse Stedd ao lado de Colin.

    Os dois se cumprimentaram com um aperto de mãos.

    — Prazer, senhor, sou Kurth!

    — Prazer, Stedd! Você mandou bem na prova, garoto.

    — Obrigado, senhor!

    — Kurth! — uma voz atrás dele a chamou. Alunys veio correndo segurando as bordas do vestido para não tropeçar.

    Os três se viraram para esperar a garota.

    O vestido que ela trajava era bordado bem justo ao corpo. As mangas eram bem apertadas e seu cabelo dourado estava amarrado em um coque trançado. Dos lados de sua cabeça, próximas a suas orelhas pontudas, estavam duas mechas cacheadas.

    Ela usava também um agressivo batom vermelho e suas bochechas estavam levemente rosadas devido à maquiagem.

    — Até que enfim te alcancei! — disse ela ainda segurando a borda do vestido. — Era para gente ir junto, por que foi na frente?

    Sem jeito, Kurth coçou a nuca.

    — Bem, eu avistei o senhor Colin, então pensei em vir vê-lo…

    Alunys encarou Stedd e depois olhou para Colin.

    Ela conhecia Stedd pelas inúmeras histórias que ouviu dele, sabia que ele pertencia a uma famosa família de assassinos e de inúmeras barbáries que eram ditas pelo corredor da universidade. Então ela prestou mais atenção em Colin e engoliu em seco.

    — Vo-Você é o amigo da Safira? — gaguejou.

    — Safira? — Colin olhou para os dois lados. — Ela está aqui?

    — Si-Sim! Que-Quer dizer, não!

    Vendo o nervosismo de Alunys, Kurth se intrometeu.

    — Senhor Colin, essa é Alunys, colega de quarto de Safira. A gente se conheceu tem pouco tempo.

    Alunys se curvou.

    — Pra-Prazer!

    — Não precisa ser tão formal — disse Stedd abanando as mãos. — Estamos todos entre amigos aqui, certo?!

    — M-Me desculpe…

    — Tudo bem, vamos indo.

    Eles começaram a caminhar novamente.

    Alunys se sentiu bastante intimidada por aqueles dois. Pelas histórias que ouviu de ambos, eles eram a combinação perfeita para o caos generalizado. Stedd tinha uma personalidade ardilosa pelas histórias, e parecia enfrentar todo mundo que o desafiava.

    Colin não estava longe disso.

    Ela havia ouvido suas diversas histórias e acreditava que tanto ele quanto Stedd eram tão malucos, que se o próprio imperador os olhasse torto, eles tentariam o matar.

    — Alunys, né? — disse Colin. — Onde Safira está?

    — Bem… Ela e senhorita Brighid foram na frente…

    — Entendi… faz um tempo que não as vejo.

    — Se me permite, elas ficarão bem felizes em ver o senhor…

    Colin coçou a nuca.

    — Você acha?

    — Te-Tenho certeza!

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