Relatório:

    Bom dia para você, para você que é humano.

    Também para você, Medusa.

    Ghouls, Kitsunes, Nekos, Yuki-onna.

    Uma noite maravilhosa para qualquer criatura quer ela seja.

    Atendi namae.

    Exceto para…

    “Sobre a medusa.”

    “Moshi moshi.”1

    “Formalidades?”

    “Moshi moshi.”

    “Você não pode usar ‘moshi moshi’ para dizer que fui mal educado.”

    “Tarde demais, eu já usei.”

    “Tanto faz, Namae-nai, você falou que ela estava contida, mas não disse que a única garantia era uma venda.”

    “Ah sim, sobre isso, não se preocupe, ela não enxerga.”

    “Cega?”

    “Sim, ela não tem os olhos.”

    “Isso não é meio excessivo? Como tirar a humanidade de um humano…”

    “A R/E já fez isso.”

    Ah, é verdade.

    Desliguei a chamada com Namae-nai.

    Mas ainda assim, parece extremo.

    Arrancar as asas de um falcão, as mãos de uma toupeira, a fome do socialismo.

    Isso seria só uma piada comparado a isso.

    Tirar os olhos de uma medusa?

    Yōkais tem um modus operandi diferente dos outros seres.

    Eles são místicos até nos pequenos detalhes. Então um comparativo melhor dessa atitude seria…

    Um selo. Arrancar um selo à força.

    Não, isso ainda é menor.

    Arrancar os olhos de uma medusa é como dividir uma palavra ao meio. Não uma composta, uma palavra inteira, arrancar uma sílaba.

    Não é algo que foi adicionado depois e então retirado, é algo que sempre esteve lá.

    Medu…

    …sa.

    Isso acontece porque yōkais trabalham de uma maneira diferente com a realidade, eles são algo diferente, como uma roda que gira dentro de si mesma, um ar que se respira. Eles tem seu próprio ecossistema.

    Me encontrei comovido por isso, o trauma com a remoção forçada do selo de Mazou é meramente birra de criança nesse cenário, seria como viver a sua própria vida sem uma cabeça.

    Você não funciona.

    Eles arrancaram uma sílaba do substantivo medusa.

    Medusa.

    Mitológico.

    De todas as criaturas que encontrei e enfrentei, essa deve ser a classificação mais obscura.

    Vampiros foram criados numa época onde a informação já poderia ser armazenada de maneira mais firme, e onis, num contexto social, sempre são reflexos da sociedade.

    Não é difícil saber sobre.

    “!”

    Ela fez um leve movimento com as mãos.

    Encarei.

    Sentada, em frente a um kotatsu, havia uma medusa.

    Ela era mais alta, até sentada sobre os próprios pés, grande, suas coxas batiam na mesa do kotatsu a cada leve movimento, ele era pequeno para ela e suas grandes curvas. Uns dois metros sem nem medir.

    Trajava uma roupa extremamente tradicional japonesa, uma yukata verde com detalhes dourados brilhantes.

    Outro pecado.

    Concluo aqui, a R/E é sádica.

    Os yōkais geralmente são divididos entre orientais e ocidentais, isso não é por acaso. 

    As divergências vão além de meras origens, o yōkai sempre está ligado com sua origem, ele se sentirá mais poderoso e mais a vontade em cenários que o favorecem, com roupas que a favorecem. Usar uma vestimenta ou estar em um local que favorece outro yōkai faz mal para si, enfraquece e dói, literalmente. Mantém o yōkai num estado febril na grande maioria das vezes, essa não era diferente.

    Estava com o rosto avermelhado, como quem está doente.

    Isso também implica outras duas coisas, Mazo e Suzume são monstros.

    Não no sentido de yōkais, elas são monstros até entre os yōkais.

    Digo, a performance de Suzume em Hokkaido e com roupas de uma adolescente japonesa denunciam que o poder dela como vampiro transcende essa barreira da origem.

    E Mazo… Ela bateu de frente com um vampiro, dentro de um domínio vampiro.

    Impressionantes por si só.

    Mas o problema aqui é outro.

    Subindo para além das duas montanhas ‘B’ que superam Mazou ao ponto de fazerem ela parecer uma subdesenvolvida, alguns colares de ouro, brincos de losangulo e queixo esculpido bem fino, seus olhos.

    Ou melhor, onde deveriam estar.

    Ela usa uma venda dourada laçada atrás da cabeça.

    Algumas das serpentes que formam cabelo descem pelos ombros, outras suspensas me encaram, algumas olham o cenário ao redor e outras sussurram nos ouvidos dela.

    “Eto… Eu estou atrás de uma onsen..”

    Sua voz soou trêmula, até medrosa. Suave e fraca.

    “Onsen… Não, você quer dizer banheiro?”

    Nhac—! Uma das serpentes deu um leve puxão na orelha dela.

    “Isso! Hm… Japonês é bem difícil…”

    É verdade, pra um estrangeiro deve ser difícil aprender do zero.

    Isso é uma dúvida, onde Suzume aprendeu tão bem?

    Pensei em perguntar mais tarde, mas já tinha a resposta dela.

    ‘Vampiros sabem de tudo, porque eu não saberia?’

    Aquela pirralha arrogante…

    “Tudo bem, é por aqui.”

    Me levantei, e comecei a guiar ela.

    Namae-nai saiu, e me deixou com ela temporariamente.

    Aparentemente, ele também foi incluído no projeto talismã, a medusa está sob a responsabilidade, mas ele me relatou não estar sabendo lidar muito bem com ela e deixou aqui pra fazer alguma coisa no centro de Sapporo.

    E então, deixou aqui.

    Isso foi logo pela manhã, horário em que Mazou ainda está tendo sonhos com o mudkip torto do gacha de mercado e Suzume não é ativa o suficiente para acordar.

    ‘Hoje não vai acontecer nada’

    Contei isso para mim antes de dormir.

    Eu, indiscriminadamente, plantei essa semente pro universo, que devolveu com o maior dos problemas.

    Caminhei até o banheiro com a medusa, enquanto passamos pela porta do quarto. Mazou se emaranhava com os lençois, enquanto Suzume estava de cabeça para baixo, com os pés no teto. Ela abraçava o pijama e roncava alto.

    Sonâmbula, quando acordei ela já estava assim e preferi nem mexer, vai que acorda. 

    Me virei para a medusa, ela caminhou olhando para o piso com as mãos entrelaçadas, vermelha.

    Tão bonita, tão quieta. Se as duas fossem assim…

    Ela tropeçou no batente, o banheiro é de um nível diferente do resto da casa.

    Nhac—. Uma das serpentes deu um leve puxão na orelha dela, de novo.

    De repente me senti incomodado.

    Auto flagelo? 

    Essas cobras não sabem de nada.

    Não, elas devem estar com medo.

    Digo, arrancaram os olhos da dona, deram vestes que causam torpor e deslocaram para outro continente.

    Elas estão com medo da medusa fazer alguma coisa que me irrite.

    Porra Namae, custava tratar ela bem?

    “Precisa de ajuda para se localizar?”

    “Não, está bem, ‘Elas’ me falam onde estão as coisas.”

    “Oh, ok.”

    Fechei a porta do banheiro.

    Meu telefone tocou, era Namae, mais uma vez.

    Isso é bom, ele tem que ouvir umas verdades.

    “Moshi moshi.”

    “Hai”

    “Moshi moshi, kikoemasuka?”

    “Hm…?”

    “Eu preciso saber com quem estou falando.”

    “Ah, moshi moshi.”

    “Ufa… Sua voz está fina, pensei que era a fantasma.”

    “Esse é um tipo novo de bullying?”

    “Você não sabia? Fantasmas não podem dizer ‘moshi moshi’, eles falam apenas ‘moshi’.”

    “Me surpreende um profissional acreditar numa crendice besta.”

    “Mas é verdade, da última vez que ela atendeu, não disse moshi moshi, não duas vezes.”

    “Ela disse ‘alô’, é ocidental.”

    “Ou, isso é uma informação nebulosa.”

    “O que?”

    “Um demônio orient— Não, deixe; mas é sobre ela mesmo que quero falar.”

    “Mazou?”

    “Sim, quero saber como está, agora sem o selo. Como vai a recuperação dos dois?”

    “Já me sinto mais disposto, mas ainda não cem por cento, se pudesse dizer, seria trinta e três”

    “Um terço, isso quer dizer, o suficiente para fazer tudo que gosta, insuficiente pra trabalho.”

    “Me dê um desconto.”

    “Haha, nos dias de hoje, não há desconto maior que sessenta e sete por cento.”

    “Diga isso para a loja de Ben-to.”

    “Você fugiu do assunto. Como está o fantasma?”

    “Mazou? O que acha? Faminta, oras.” 

    “Isso é diferente do esperado.”

    “Diferente como? A R/E praticamente matou o desejo humano, ela está com fome e as pessoas não alimentam.”

    “Mesmo que a R/E tenha umas merdas, eles não foram tão longe.”

    “Acho que discordo antes mesmo de te ouvir, mas continue.”

    “Bom… O estado esperado não era saciedade, nunca estaria saciada, mas ela sim num estado ‘quase com fome’, isso, esse é o jeito”

    “Quase?”

    “Sim, o desejo não morreu, só foi dificultado ao máximo. Veja, imóveis são tão caros que podem custar uma vida de trabalho, a lei permite rotinas trabalhistas que não dão espaço pro civil médio ter grandes sonhos, ou grandes desejos nesse caso. Mas, eles ainda os tem. Isso que os torna humanos. O trabalhador que chega às onze e vai escrever seu livro ao invés de ir pra cama, o desenhista que rabisca esboços na notinha durante o tempo parado no caixa, o músico que compõe no terminal rodoviário. Tudo isso alimenta desejo.”

    “Nesse caso, ela não deveria estar faminta ao ponto de me atacar por comida…”

    “…Mas atacou.”

    “Isso pode ter um significado mais profundo?”

    “Haha, não, na verdade a resposta é bem mais rasa que isso.”

    “Então diga de uma vez ao invés de enrolar.”

    “A Oni que come desejos não é só um Oni que come desejos, Namaueuchi-kyun.”

    “Você está transbordando piadas hoje.”

    “Ah, é verdade. O clima ficou mais leve sem ter que lidar com a medusa.”

    “A medusa? Ela é um amor. Aliás que diabos você fez para por tanto medo naquela mulher enorme?”

    “Eh? Não importa o ângulo, ela é muito mais assustadora que eu.”

    “Mais assustadora que você?”

    “Sim, ela e a vampira me dão medo de forma igual.”

    “Você não parecia temer a força de Suzume”

    “Temo outra coisa… Desonestidade.”

    “Isso é…”

    “Independentemente, meus parabéns Namaueuchi-kyun.”

    “Por?”

    “Você acabou de descobrir que o Oni que come desejos, curiosamente, tem seus próprios desejos.”

    “Eh?”

    Tuuuu—.

    Desligou.

    A porta atrás de mim abriu, encarei a mulher enorme sair pela porta, parecia envergonhada.

    “Eto… Nama— Moço.”

    “Ah, sim.”

    “Você e o moço intimidador são irmãos? Digo, seus nomes.”

    “Não, nem perto, nenhum parentesco, por favor, não repita essa comparação.” Vi de novo, uma das serpentes a corrigiu. “Ah, eu não fiquei bravo, ele só é meio… Babaca?”

    “‘Baka’? Não, por favor não fale mal dele.”

    “Ué… Ele não te tratou mal?”

    “Mal? Eh, japonês realmente é complicado, passou essa impressão?”

    Namai-nai é rude.

    Eu, como a pessoa mais próxima a ele nos últimos anos tive em primeira mão o quão rude ele pode ser.

    Na verdade eu presenciei as mais diversas situações onde ele foi o pior, e todas as consequências também, estive lá para vê-las.

    Sem distinção, nem homem, nem mulher, mas particularmente rude com yōkais.

    Ver uma yōkai que conviveu com ele por mais de duas horas defender esse comportamento é quase chocante.

    “Ah, acho que entendi o que aconteceu aqui.”

    “Sim, deve ter sido uma confusão besta.” Ela disse com um sorriso mais brando.

    “Ele disse que se denunciasse, você sofreria mil mortes ou algo assim? Não, nem precisa dizer, é bem da índole dele, não se preocupe, vou fazê-lo mudar de comportamento.” Peguei meu telefone de novo e disquei o número.

    “NÃO!” Ela berrou, foi o seu primeiro movimento brusco desde que entrou na minha casa. O quão terrível ele foi?

    “Não se preocupe, ele não fará nada a você nunca mais.”

    “NÃO! Senhor Namae-nai, se o fizer eu nunca vou te perdoar.”

    “O-ora…”

    “Você entendeu tudo errado!”

    “Errado? Como?”

    “Eu não…” Hesitou. “Eu não quero que pare.” A última parte soou como uma confissão nefasta, um sussurro.

    “UH?!” 

    “Moshi moshi, kikoemasuka?” Namae atendeu.

    Tuu—. 

    Apertei o botão vermelho na tela e desliguei a chamada.

    Ela gesticulou, procurando palavras que não fossem do seu idioma natal.

    “Daisuki.”

    “Gosta?!”

    “Eu gosto disso.”

    Ah…

    Aaaahhh…

    Agora faz sentido.

    Tanranantan—.

    O celular tocou, dessa vez atendi.

    “Juro que se o fizer novamente, te mato mais de mil vezes.”

    Quando ouviu as palavras rudes vindas do celular, vi o rosto da Medusa avermelhar

    “Namae-nai.”

    “Diga.”

    “Você esqueceu de dizer.”

    “O que eu esqueci de dizer? Agora é você com as frases incompletas aqui.”

    “Você não avisou que ela era masoquista, seu idiota!”

    “Ah, sim. Eu tentei, mas você continuou a tagarelar em como ela é dócil e fofa, não quis quebrar sua magia infantil.”

    “Isso é uma informação que deveria ter mais investimento em ser passada!”

    “Investimentos são só promessas de um meio de fazer o pobre ser mais pobre por mais tempo até um dia, de repente, ser rico.”

    “Não mude o assunto!”

    “O assunto não foi concluído? Agora entendeu o porque é difícil de lidar, a desonestidade entre atitudes e pensamentos dela me assusta.”

    Ela ouviu tudo, pareceu confortável com a aspereza que ele usou ao se referir a ela.

    “Isso é… Você tem problemas com lidar com a sua yokai e me entrega ela como se não fosse sua responsabilidade?”

    “Eu só pedi ajuda.”

    “Pedir ajuda é—”

    “Terceirizar seu problema? Eu sei, te ensinei isso. Eu estou agora oficialmente terceirizando o problema, lide com ela por algumas horas, grato.”

    “Horas quantas?”

    “Ha… Até a hora que eu quiser ela de volta.”

    “Isso é nunca!”

    “Talvez.”

    “Talvez?”

    “Nesse caso, invista muito esforço nesse problema terceirizado, trate como o pagamento por ter conseguido coisas tão complicadas como os haori em menos de um dia.”

    “Hung… Você é um bosta.”

    “Você está se habituando a usar as minhas frases, me diga, irá trilhar o caminho da espada também?”

    “Você vai ver o caminho que a espada fará se não vier buscá-la.”

    “Haha, eu te ensinei bem. Qualquer coisa, meu telefone pessoal ainda estará disponível, ligue sempre que não souber algo, não, sempre que precisar saber de algo, seria incômodo ter que atender uma ligação por minuto me baseando na sua incompetência de armazenamento de informações.”

    “Morra.”

    Tuuu—.

    Corte
    ―切―
    Corte

    “Are, temos visita?”

    Suzume, de repente apareceu sobre meu ombro.

    “Aah, sim.”

    “Hm.” Suzamine analisou ela em cada canto, encarou silenciosamente pelo que pareceu um minuto. “Desinteressante.”

    “!” A medusa reagiu, infelizmente, feliz.

    Não posso deixar as duas juntas.

    “Suzume.”

    “Su-ZA-mine.”

    “Estou de saída.”

     “Oh… O que?”

    “Eu tenho de ir ali com essa medusa, logo volto.”

    Puxei a mais alta pelo pulso, ela parecia confusa, mas não resistiu.

    “Sair, vou ali.”

    Peguei a chave da moto, abri a porta e comecei a me arrastar para fora de casa.

    Blam—!

    A porta fechou, mais rápida que pudesse passar.

    Olhei para trás lentamente, quando notei um olhar perturbador.

    “Espere um pouco.”

    “Não, eu deveria ir agora.”

    “Eu não pedi.”

    Droga.

    “Então… Você está saindo? Com uma moça, aliás.”

    “Não acho que isso seja importante.”

    “Nai… Nai… Nai…” Continuou copiosamente. “Você está esquecendo de algo?”

    “Algo…? Ah, aquilo de coisa importante era mentira.”

    “Eu sei, só fingi por estar cansada.” Então ela sabia? Até onde vão suas habilidades de ver através de mentiras? “Temos um outro problema aqui.”

    “O que é?”

    “O que sou sua?”

    “Ah… Companheira de quarto?”

    “Roommate? Não, mas gosto da palavra, soa como ‘Romance’.” Permaneci em silêncio. “Nai-nai, eu sou sua mestre.”

    “Aquilo de sangue de novo? O que isso tem haver com essa situação?”

    “Eu nunca fui religiosa, realmente nunca tinha questionado nada disso antes, tudo só existia e existia, mas se até vampiros estão aqui, porque não deuses? Existem tantos seres de lendas, medusa deriva de uma mitologia cheia de deuses, não é?”

    A medusa permanecia calada, ela estava boiando com o caminhão de palavras desordenadas que saíam da boca de Suzu.

    “Você está falando um monte de coisas sem contar realmente nada.”

    “Nai-nai, devoção a um único deus envolve muito esforço, não se pode largar ao léu, entende? Eu realmente não sou adepta ao politeísmo.” 

    Ah.

    Era isso. 

    Suzamine frequentemente cria um circo muito grande para pouco espetáculo.

    “Suzume, esse é um jeito muito estranho de dizer que está com ciúmes, melhore.”

    “Acho que você só entende com atitudes.”

    “!”

    De repente, Suzamine se converteu num flash louro, sem piscar, vi seu avanço em direção da garota de cabelos verdes, ela pressionou suas unhas no pescoço dela de leve.

    “EI! Suzamine pare com esses absurdos.” A segurei pelo pulso.

    “Você terá de aprender bons modos.”

    Ela apertou mais as unhas afiadas e com esmalte rosa, um leve ferimento começou a surgir.

    “A-aahh~” 

    “Eh?” 

    Suzamine ruborizou, a medusa também.

    “É… Suzu, por favor pare.”

    “N-não… Fique assim.” A medusa retrucou.

    “EEHHH???!”

    Corte
    ―切―
    Corte

    “Moshi moshi.”

    “Fale.”

    Ouvi um som de risada de fundo. Também de passos.

    “Você está a caminho?”

    “Eu—.”

    Uma voz estranha falava algo no fundo, sussurrava no fundo da chamada.

    Tuuu—.

    Namae desligou na minha cara.

    “Ei, Nai-nai.” Sussurro.

    “Desembucha.”

    “Então… Quando ela vai embora?”

    “Eu não sei…”

    Ela.

    Medusa.

    Isso me lembra…

    “Ei, Medusa-san.”

    “Eu?”

    “Qual o seu nome?”

    Não perguntei seu nome em nenhum momento.

    Isso foi desrespeitoso de forma estranha, não perguntei o nome dela.

    Namae a apresentou como medusa, ela não o corrigiu, nem eu, nem Suzume.

    Agora que reflito, que grande falta de respeito da minha parte.

    Seria como chamar por Suzume de Vampiro, Mazou por fantasma ou um estadunidense de xenofóbico.

    Chamar um entadunidense de xenofóbico é classificado como xenofobia? Aliás, como um japonês, falar de xenofobia é irônico.

    “Ah, está bem, prefiro ser chamada assim.”

    Oh.

    É mesmo, ela curte desrespeito.

    “Nai-nai, já são seis horas, a fantasma não acordou, será que morreu de vez?”

    Por outro lado, Suzamine parecia não considerar os sentimentos de alguém ao se referir a ela por algo genérico como ‘fantasma’. 

    Um desastre de falta de senso.

    Non-sense.

    “Ela geralmente só acorda se insistir, e eu estou hoje desejando que ela não acor—.”

    “Boa noite.” Ouvi, saindo do corredor vindo para a sala.

    Ela acordou.

    É mesmo, meu desejo de nada mais serve, Mazou não é afetada pelo meu desejo.

    É desejo comum da população acordar só quando o sol está indo embora? 

    “Eto…” Coçando os olhos, Mazou encarou a sala onde em um único kotatsu residiam uma vampira de menos de um metro e meio, uma górgona de dois metros e um caçador dos dois últimos, com altura média. 

    E agora, uma fantasma-oni.

    O circo está cheio.

    “Vou voltar para a cama.”

    Mazou nem tentou.

    “E-ei, fantasma-chan.” Suzume chamou. “Por favor, eu prefiro você.”

    “Eu não posso sentar num kotatsu que divide três tipos diferentes de pervertidos, perdão.”

    Três…?

    Ah.

    Ela sente os desejos de todos agora.

    Toc— Toc—.

    Alguém bateu a porta.

    Levantei para atender.

    Senti uma tensão.

    Algo me incomodou.

    Algo dizia para não atender.

    Eu já senti isso antes? Um arrepio subiu pelas minhas costas.

    Abri.

    “Oh, olá.”

    Era a pequena.

    A garota dos cabelos brancos.

    “Opa, você veio só?”

    “Sim, vim buscar a Sthenno-san.”

    Olhei por cima do ombro, a mulher alta estava se levantando, ela continha um sorriso leve e começou a caminhar para nós.

    “Oh, Sthenno? Como aquela irmã malvada da Medusa?”

    Essa observação interessante não foi minha, mas de Suzamine.

    Eu não estudei muito das mitologias para saber.

    Nunca cheguei a entrar num espaço acadêmico para saber.

    Namae-nai foi o responsável por toda a minha educação acadêmica, mas como um maníaco por execuções, ele só me ensinou a como matar.

    ‘Medusa é um termo errôneo que usamos para se referir à górgonas, adotado pelo baixo conhecimento geral dos agentes namae-nai sobre a grande maioria das coisas, vem de Gorgos, pode significar horrível e feroz.’

    ‘Seguindo a lógica de seu próprio nome, elas são agressivas, e infelizmente imortais, para neutralizar, corte a cabeça e embrulhe. Se não o puder, corte os olhos e imobilize, ao conseguir, retire os olhos e ponha num pote com água, elas se tornarão dóceis e perderão sua vontade de lutar.’

    Prático.

    Nunca saberia de detalhes da lenda original. Isso é coisa que se aprende com livros.

    “Oh sim eh…”

    “Ievine.”

    “Ievine-san, muito obrigado. Mas por que Namae-nai não se dispôs a vir ele mesmo?”

    “Namae-nai-dono está enrolado com um outro problema que, futuramente virá a ser seu.”

    “Meu?!”

    “Sim, nesse momento ele está tomando um chá muito difícil de se lidar.”

    “Chá? Me perdoe Ievine-san, mas essa informação vulgar…”

    “Vulgar…?” Ela inclinou a cabeça em dúvida.

    “Não, deixe, muito obrigado.”

    “Certo.”

    Vi a mulher das serpentes chegar à porta, observei as duas se cumprimentando, Sthenno, muito educada se despediu começaram a sair.

    Nada disso estava me incomodando.

    Mas eu ainda estava incomodado, entretanto.

    Por sinal.

    Uma péssima noite pra você, humano.

    E talvez uma até pior, para você que é yokai.

    Mas particularmente a pior noite para você, que é jiangshi.

    Minhas costas arquearam como um gato ouriçado quando ouvi o estouro.

    KABOM—!

    O portão da garagem.

    Corte
    ―切―
    Corte

    Primeiro, uma tatuagem em kanjis que diziam shi.

    Sim, o traço mais perceptível.

    O primeiro que você veria.

    Não tive grandes estudos de kanji, nada que ensinasse muito sobre os significados deles além dos básicos para sobrevivência humana.

    Mas é um kanji muito característico para se ignorar, é bem conhecido e até demonizado, como um japonês, era o que mais chamava atenção.

    Morte.

    Uma trilha de kanjis de morte descia desde abaixo do queixo até o meio do peito.





    死.

    Depois, um par de brincos de cruz invertida brilhavam refletindo as luzes neon da noite.

    Subindo pelas orelhas, brincos variados e transversais, três brincos de pentagrama na orelha esquerda subiam até um transversal.

    Na direita, um de gato, um de kanji que não reconheci e então, dois transversais que cruzavam sua orelha de um lado a outro.

    Além deles, havia um piercing duplo no pescoço, um do lado do outro, no meio da sequência de kanjis de morte. Seguindo pelo ombro esquerdo, duas tatuagens de kanji sobre duas foices com o traço dos kanjis cruzando com o cabo da foice, completando-a.

    No direito, uma rosa sob uma coroa, ambos dentro de um círculo que parecia um eclipse. Nota sobre eclipse, próximo ao canto do pescoço, um estigma de sacrifício desenhado, provavelmente uma referência.

    Seu corpo trajava uma blusa tomara-que-caia branca, com um espartilho fechando a cintura, descia até uma saia curta. Não como a da Suzamine, sua saia plissada destacava por outro fator; os grandes quadris.

    Deles uma meia arrastão — com um pedaço de tatuagem saindo para fora, listrada ia até o coturno, também preto.

    Seus braços possuíam tatuagens de outros escritos em uma língua latina, ‘Memento mori’, ‘Mori’, ‘Morte’, ‘La muerte’, ‘Mort’. Iam até suas luvas pretas sem dedos.

    Descrições precisas né? Eu também não conhecia o nome de nenhuma dessas roupas quando comecei esse anexo.

    No ‘presente momento’ eu ainda não sei, na verdade, mas num momento futuro, esses nomes estarão tão cravados na cabeça que nem se quisesse esquecer poderia.

    Cabelo com dois coques, não como o Garu ou a Pucca, mais bagunçado, muito mais como Himiko Toga. Dois coques de bola cor violeta, bagunçados e com alguns dos fios caindo. Uma franja reta caia na frente do rosto.

    Rosto.

    Limpo.

    Zero maquiagem, extremamente pálido, com um tom em esmeralda.

    Nenhum piercing, tatuagem, nada.

    Olhar inexpressivo.

    Sorriso inigualável, gigante e afiado.

    Esse ser estava se levantando.

    De cima da minha, agora falecida, Hayabusa.

    “DESGRAÇA!”

    Berrei sem pensar.

    Não é da minha índole.

    Mas eu berrei.

    De repente, senti o olhar turvo.

    Quando recobrei, eu havia dado um passo largo.

    Disparei em direção a garota, um avanço. Parei em sua frente.

    Olhos sobre olhos.

    Olhos negros, negros como a noite.

    Kuro.

    Um preto tão absorsivo qual a luz não era refletida, como um buraco negro, eles absorveram minha atenção.

    Meu pescoço doeu, a falta do selo mesmo em tratamento pesou.

    Mas forcei o corpo mesmo assim.

    E no momento em que, com as mãos nuas já me preparava para um combate.

    Ela me envolveu.

    Abraço.

    Suas mãos geladas apertaram minhas costas, ela enfiou o rosto no meu peito.

    Esse foi o primeiro contato com a morta-viva.

    Recebi um abraço da morte.

    ***

    1. Moshi moshi é tipo um Alô. ↩︎

    Notas do autor:
    Esse é não ironicamente um dos melhores até agora, arrisco dizer que é o melhor
    Gosto do humor simples, as coisas escalam bobas e as piadas são menos gratuitas.

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