Capítulo 5, De mudança.
—Desejo—
―欲望―
—Desejo—
“Entendeu?”
A voz robusta pesou, como uma pena pairando ela se acomodou no ambiente, eu demorei alguns segundos para responder.
“Não.”
Nunca entendi.
Nem nunca vou.
Melhor me expressando, eu sentirei nojo profundo de mim mesmo no dia que eu entender.
“Qual parte faltou explicação?” Uma dúvida honesta, ele havia passado um bom período me explicando, não havia espaço para interpretações erradas.
“Na verdade, acho que o senhor não entendeu a parte onde não concordo com o projeto e nunca pretendi colaborar.”
Talismã.
‘O projeto novo.’
O que envolve entidades, que envolve Mazou.
Não é estranho quando o seu chefe parece estranhamente acessível e amigável? Como um prenúncio de que a próxima proposta dele fosse tão indecente, se não mais que um assédio.
Mas eu não poderia julgá-lo.
Meu mentor, eu e o supremo são os únicos detentores da informação que faz o simples pedido: “Esteja adepto à nova política da empresa de explorar youkais” ser mais ofensivo que assédio moral.
“Você não tem nome suficiente para questionar uma ordem do supremo.” Ele disse. E estava certo.
“E o supremo não tem represálias o suficiente para me fazer mudar de ideia.” Eu disse. Era mentira, eu só estava sendo teimoso.
“Namae-nai, você não está entendendo a sua posição aqui, e se esse for o jeito para a convivência que você prega?”
Aqui está, o verdadeiro problema, quando se coloca um incapaz de porta voz.
“Você acredita nessas palavras?”
“Quem deve crer ou não, é você. Contudo, a sua colaboração não é um favor, é uma obrigação. Você concordou com obediência absoluta, agora é o momento de seguir com os termos acordados. Os demais procedimentos serão feitos por seu mentor, isso é tudo.”
Ouvi em silêncio. Encarei sua face ébano durante todo o discurso, a barba por fazer detrás de uma mesa pequena. Ele tinha a altura de um jogador de basquete e olhar de um fuzileiro naval.
Um grande homem enclausurado numa mesa diminuta.
Sai da sala do agente TYLR com uma expressão séria. Logo que a porta fechou, ergui o dedo do meio com desdém.
Um merda. Assim como a maioria aqui.
Um agente de execução, ele foi reconhecido e condecorado pelos feitos em combate e eu não questiono nada disso, um grande homem combatente. Sobrevivente, o agente TYLR não tem o braço esquerdo, durante todo o discurso ele batucava os dedos da direita na mesa.
Foi comido por um demônio, os mais perigosos monstros, os demônios ocidentais são mais violentos, perigosos e sanguinários que os orientais.
Deve ter sido um terror. Eu não ouvi toda a história, se tornou um tabu ou algo assim.
Digo, demônios ocidentais são crueis, sei que suas armas foram quebradas e submetidos a algum tipo de tortura. Foi toda a informação. E não é como se eu tivesse algum contato, foi só o que ouvi de conversas alheias e do cavaleiro branco.
Sei também que ele foi o único que voltou.
A R/E não envia agentes em missões que não podem ser batidas, mesmo que não liguem para baixas, já sabiam que alguns morreriam.
Contudo, um único sobrevivente foi surpreendente, até para uma firma com métodos tão baixos.
Mas ele matou o demônio somente com a direita, desarmado.
Ora, não deve ser a tarefa mais difícil para o meu mentor, eu também conseguiria por ser especial, mas nesse caso, não havia nem eu, nem ele lá. E mesmo assim, sem armas e supressores de aura.
Sim, esse é o agente TYLR, um guerreiro.
Agora responda-me, o que esse filho da puta forte e resistente faz no setor executivo? Também não sei!
Um cabeça de vento babaca. Ele é um executor, não um executivo. Assim como meu mestre, alguns compatriotas e eu mesmo. Não sabe dar ordens, só obedece-las. Esse tipo de agente não sobe de cargo, merda.
Eu estou sendo resmungão, até mesmo desgraçado, pois fiz questão de usar a mão esquerda — A que lhe falta —, para mandar um dedo do meio. Um lapso de infantilidade surge sempre que fico irritado, é impressionante. Mas isso não muda o fato, não posso obedecer um cara que não sabe o que está fazendo, é simplesmente estúpido.
Caminhei vagando pela instalação resmungando palavrões, passei pelo setor operacional, os corredores brancos, limpos e enojados. Aquele piso refletivo e as vigas de metal que eram enormes colunas, atravessei a sala das telecomunicações interrompendo algumas conversas. Nada disso me limitou, eu continuei em passos pesados. Segui para a ala de equipamentos, lá, aos poucos minas passadas foram amansando, mesmo que não a cabeça.
Usar a Mazou numa missão de execução? Onde esses imbecis do supremo estão com a cabeça? Ela não sabe diferenciar um brinquedo de um animal.
“Namae-nai?” Chamei, minha voz saiu mais áspera que eu pretendia.
“Aqui atrás.” Ouvi abafado.
Ah, há algo que devo relatar.
Eu vim tratando com naturalidade o termo, mas era algo que deveria ter dito no início.
Namae-nai é ‘sem nome’.
Não é um jeito comum de se usar o termo, mas é assim que são chamados aqui. Uma classificação de agentes, agentes que, ou abandonaram, ou nunca tiveram nome.
Nomes são importantes, partes que denominam sua individualidade, nomes e nomenclaturas. Os Namae-nai são R/E, como um pedaço da agencia. Eles não tem nome, são partes de um nome.
Eu pessoalmente chamo de ‘agentes descartáveis’, mas meu mentor discorda. ‘Se os Namai-nai são descartáveis, eu não posso ser um deles, sou indispensável, o melhor.’ Ele sempre disse. Antes com orgulho, hoje com desdém.
A porta se abriu com a minha proximidade.
O melhor.
Com uma odachi no colo, lâmina negra até o fio, que refletia sua pele marrom. Seu cabelo variante hoje era trança nagô, eu nunca paro de me surpreender.
Estava no chão com um pincel, envolto numa pilha de papéis retangulares escrevendo kanjis. Ali estava o melhor espadachim da era moderna.
Os móveis ao seu redor estavam numa disposição completamente oposta a mesma que vi na semana passada. Os balcões e armários estavam distribuídos de forma que era mais fácil pegar ferramentas estando no chão, no meio da sala. Nenhum deles estava colado na parede.
Dentro da sala, havia esse compartimento irregular de armários, balcões, pilhas de papel e fichários, além de um ou outro equipamento. Que incessantemente são mudados de lugar. Todos os dias.
“Trabalhando muito?”
“O suficiente para não querer trabalhar nunca mais.”
Eu sorri, escutei essa mesma resposta durante o último ano inteiro, e ela sempre parece mais carregada de rancor a cada nova tentativa.
Meu humor ficou mais leve. Eu deveria repetir a pergunta até me acalmar? Não, até ele ficar rouco? Enquanto pensava em planos maléficos, notei.
Atrás dele, havia uma pequena garota de cabelos brancos, rosto delicado e cabelos até o ombro. Vestia uma Yukata. Eu nunca a vi, devia ter oito anos, talvez menos.
“Quem é? Não… O que é?”
“Nada, não é nada.”
Yōkai, sem dúvidas. Depois de tanto tempo, eu sou quase como um radar de yokais, é fácil notar.
Mas não quis questionar nada que ele não quisesse dizer. Ela se escondeu atrás de um armário.
“Certo… Onde estão?”
Olhei ao redor na bagunça sem fim, os papeis, espadas de lâmina negra, algumas poucas armas de fogo prateadas e vários acessórios. Meu mentor, além de espadachim é xamã — ou alguma coisa bem parecida com —, ele faz talismãs, enfeitiça armas e assim por diante.
Eu não entendo nada disso, essa foi a parte do treinamento que mais negligenciei, e não me arrependo, nunca precisei disso. Preciso de uma arma de corte para os rápidos e uma soqueira para os resistentes, somente.
“Antes disso, o pescoço.”
Ah é.
Agachei até sua linha de visão.
Quando associamos um yōkai, é preciso selar ele ou grande parte dos poderes em algo.
Isso é, geralmente usamos papel ou amuletos, mas uma pulga que cocei continuamente após ser inserido no projeto talismã. O poder desses yōkais pode ser usado como arma? Se sim, qual a ideia do supremo em incorporar selos em agentes e levar yōkais ao campo de batalha?
Não sei. Mas é suspeito.
A tatuagem de quatro kanjis que descia debaixo do lóbulo direito até a base do pescoço.
“Ma-zo-ku…” Ele começou a ler a tatuagem no meu pescoço.
“Mazou.”
“Está escrito ‘Mazoku’.”
“Você escreveu errado.”
É, o melhor espadachim e não o melhor escritor.
“…” Ele pareceu inconformado. “Hara… Chou?”
“Mazougaharachou”
“Esse nome não tem significado, tem?”
“É um yōkai, nós demos o nome, nós damos o significado.”
“Hara é de casulo? Eu não lembro.”
“Casulo, borboleta, algo assim. Remete a forma demoníaca dela, não?”
Forma demoníaca.
Mazou é um fantasma.
Mas já foi um Oni, um demônio oriental.
Diferentemente dos ocidentais, que são somente malignos, os orientais possuem particularidades místicas estranhas.
Tipo comer desejo.
“É verdade… Como está a convivência, Namaueuchi-san?” Debochou.
“Nem começa.”
“Foi assim que ela te chamou, não?” Retoricamente, enquanto se levantava. Ele começou a fuçar nos seus armários.
“Foi assim que ela interpretou ‘Namae-nai’.”
“Parece um termo médico, ou uma vingança por ‘Mazougaharachou Omeniuxalia’. Ela sabe bem japonês?”
“Não, eu diria que é só um nome aleatório.”
“Justo, tome cuidado com nomes, eles podem condenar um homem…” O melhor espadachim da era moderna, que recusou todos os nomes e títulos exceto este, ponderou por alguns segundos, não sobre mim, mais sobre si. “Assim sendo, posso informar que você está se adaptando à convivência?”
“É digamos que sim, mesmo que eu não seja o mais feliz com isso..”
“O projeto Talismã veio de cima, daquele cara lá. Já deixei claro que discordo… Mas também não sei porque você é contra. Seu objetivo na firma não era provar que monstruosidades podem conviver em sociedade?”
“Não esse tipo de monstruosidade. Não desse jeito, mas os superiores só veem meios de matar com mais facilidade…” Meramente uma desculpa, isso era claro. “Você acha que eu vou conseguir fazer algo se ela descontrolar? O quão forte ela era?”
Namae parou por um momento. Coçou o queixo, e alisou as pontas do bigode ralo e bem feito. Então puxou de lado a lâmina, uma espada com quase o meu tamanho, lá pelos um e setenta.
“Eu deixei um corte permanente, acho difícil ela se descontrolar. Mas…” Fincou a espada no chão e se apoiou nela. “Se acontecer, você vai me ligar. Não tente nada só, é suicídio.”
“Tamanha estupidez… Você não pode ser tão poderoso como um personagem de cabelo branco, é desonesto.”
Coloquei a palma na testa, entrelaçando ela com a minha cabeleira ruiva. Eu queria discordar.
Ele levantou um indicador.
Seu dedo tinha dois anéis dourados com escritos, Todos os dedos da suas mãos tinham anéis dourados que faziam contraste com sua pele negra, cintilava o ouro em meio à linhagem africana, ele também tinha crucifixos e outros símbolos pendurados em cordões de ouro e alargadores de prata, com enfeites nas tranças e pulso.
Eu sempre disse que ele parecia uma árvore de natal, mas admito, é inveja. Há estilos que só o dinheiro pode comprar.
“Eu executei mais yōkais com este indicador que você em toda a vida.”
“Isso é fácil, pela sua cara teve anos de sobra para isso, deve ter trezentos anos caçando.”
Claro, enquanto não pudesse criticar seu estilo, seus poucos fios brancos de cabelo e barba me entregavam uma boa arma.
“Se eu tivesse caçado por trezentos anos, não existiriam yōkai.”
“Desonesto!”
É cômico ver uma espada tão grande entocada num monte de papeis e documentos quando ela poderia reluzir o brilho daqueles anéis de novo.
O mais forte lutador reduzido ao mais fraco executivo.
Depois de fazer uma cena, ele se voltou a mais pilhas de papéis.
“Aliás, tome cuidado com o que faz com ela, o relatório descreveu vocês num mercado.” Disse de costas, enquanto batia um grupo de pastas para alinhá-las.
“Ela disse saber cozinhar.” O negro se voltou a mim, com sua sobrancelha franzida e olhar afiado.
“Você também sabe e nunca ficou tanto tempo perambulando num lugar com câmeras.”
“Eu esqueci como se faz.”
“Haa… Se divirta brincando de casinha.” Mexeu em alguma gaveta e me entregou uma luva com as costas da mão num molde de metal — toda preta, feita para socos. E uma machete, também de aço negro.
Minhas armas cintilavam, pareciam como novas. Vi o reflexo dos meus olhos verdes lá.
“Haori?” Pedi.
“Deve estar na recepção, saiba você que a confecção de roupas com supressor de aura e entidade são caros e—.”
“Blá blá blá, desconte tudo do meu salário.”
“Você não teria todo esse dinheiro.”
“Ha, então desconte do seu salário.”
Ele suspirou.
“Na sua idade, eu tinha mais apreço ao dinheiro.”
“Na minha idade, você dormia num futon e sonhava com um terço do salário atual.”
“Na minha idade, você vai sonhar com um salário e cama normais.”
“Huh, que eu morra bem jovem então.”
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