Capítulo 7, Epifania.
—Mentiroso—
―嘘―
—Mentirosa—
TLM-002-NNGY: Vampiro – Relatório:
Capítulo 7, Epifania.
Relatório:
Raios de sol iluminaram meu rosto, já era manhã. Comecei a ligar as funções motoras antes de abrir os olhos, recapitulando a situação atual, quando algo encobriu a luz do sol nascente.
Mais um dia acordando junto ao sol.
É comum que eu me levante e vá atrás das obrigações da casa, depois delas eu comeria alguma coisa e então aproveitaria meu domingo fazendo uma quantidade imensa de nada.
Hoje foi diferente.
Eu tive uma epifania.
Preciso contar a Namae-nai.
Quando comecei a desprender do lençol. Senti algo pressionando o peito. Um peso morno e ritmado, como a respiração de alguém adormecido. Fantasmas respiram?
“Hmn…”
Abri os olhos, apenas para ver tudo escuro – algo cobria minha visão. Quente. Era fantasma, agora não mais tão morta.
“Mazo—”
“Shhh.”
Seus fios de cabelo desabaram sob meu peito, ela tapou meus olhos com as mãos.
“Ma—.”
“Sshhhh.”
O que…?
Eu tive uma epifania, não posso deixar isso para depois.
“…O que isso significa?”
“Continue dormindo em silêncio.”
“Uh?”
Isso é uma ameaça? Eu foquei nos meus sentidos, não encontrei nenhuma outra respiração no ouvido, nenhum cheiro novo no olfato. Éramos nós dois. Não havia uma ameaça, mas eu me senti ansioso, procurando. O que dava medo a Mazou?
Ainda assim, parecia haver algo errado. Forcei ao máximo meus sentidos.
Um caçador, geralmente é comparável a um membro de elite do exército, grandes e corpulentos, com carrancas na cara. Cicatrizes numa mão e um haltere na outra, homens aptos e sensitivos.
Eu era sensitivo. Nem um pouco corpulento, alheio ao exercício físico, tinha talvez uma carranca na cara, e uma cicatriz na mão. Mas nunca estive ou fui como estes soldados. Eu era forte por vários outros meios, claro, mas em comparativo com eles a minha maior distância era em ser sensitivo.
Eu ouvi uma gota pingar, salgada demais para ser chuva, quente demais para ser suja. Uma lágrima? Meu corpo estremeceu, eu não encontrava corpo etéreo nas redondezas da casa.
“Mazo, saia.” Disse. Há algo lá fora, não sinto perigo, mas a presença está lá.
“Se você levantar, eu também vou ter que levantar, então continue dormindo.” Essa é a sua preocupação?
“Vou me levantar só, você pode continuar na cama.” Tentei me mover novamente, ela me travou com seu peso.
“Ficar sozinha dá medo.”
Ouch—. Isso foi um golpe baixo.
Ela também sente? Ela sabe que algo está lá?
“De que você tem medo?” Eu senti a ansiedade borbulhar dentro de mim.
“Que você esqueça.”
Eu calei. Ela tirou as mãos do meu rosto e desabou completamente sobre mim voltando a dormir.
Me mantive atento, ainda atento.
Minha epifania vai ter que esperar.
—Corte—
―切―
—Corte—
Neste dia, quebrando uma sequência perfeita de setecentos e vinte e três dias, acordei pude fazer menção a levantar tarde. Às dez, pra ser mais preciso.
Estranhamente, consegui dormir de novo. Minha atenção fixa numa presença desconhecida foi esmaecendo até parecer mera imaginação, não como se ele tivesse desaparecido, foi mais como se eu não pudesse mais o encontrar. O peso do corpo de Mazou forçou sobre meus pulmões, minha respiração ficou mais pesada e difícil, aos poucos eu já não conseguia mais manter os olhos abertos e fixos ao teto e quando enxerguei o teto outra vez, já haviam se passado boas horas.
Quando despertei outra vez, encontrei Mazou ainda agarrada em mim.
Ela continua como quando fomos dormir, praticamente nua.
Isso é um desperdício, pior, uma falta de respeito. O universo deve desgostar de pessoas justas para me enviar tamanhas provações logo de manhã. Eu encarei seu rosto, roncava baixo. A ética reafirmou, ‘ela está inconsciente, seria estupro’, antes mesmo que eu cogitasse maus pensamentos. Eu sorri para mim mesmo por ser um homem tão bom e racional, nesse lapso de autoconsciência, percebi que estava babando.
Ouça aqui, entidade cósmica, eu tenho sido um bom homem. Não me dê punições vestidas de agrados.
“Oe, Mazou-san, está tarde.” Eu movi a franja que caia espalhada por entre seus chifres e encarei seu olhos fechados.
“Mhng… É domingo.” Ela não moveu um músculo, senti sua respiração ao peito a cada sílaba, o corpo de Mazou estava quente.
“Uma coisa não anula a outra.” Retruquei, cheio.
Você pode ficar na cama quantas horas quiser, mas não me arraste nisso.
“Nunca é cedo num domingo.” Ela trouxe os seus argumentos como um dogma, algo incontestável.
“Mazougaharachou-san, estou com fome.” Devolvi, minha barriga roncou.
“Eu também.”
Ruborizei.
“Então você quer…” Insinuei.
“De comida, tarado.”
Ela se levantou, limpou um filete de baba que escorria e caminhou cambaleante até o banheiro. Seus avantajados quadris rebolavam a cada passo torto.
A rejeição não doeu. Não dessa vez.
Eu tenho algo mais importante para fazer.
Epifania.
Um momento de revelação, descobrimento, iluminação.
Quando depois de dois dias de tortura emocional, a entidade cósmica decide que talvez você mereça uma premiação, e então te revela algo que você não sabia sobre algo que você tinha certeza que já entendia, uma reconfiguração das suas informações. Ele pega o seu mapa mental e muda uma palavra chave.
‘Nacionalidade’. Foi tudo que ele me deu, e eu entendi tudo.
Devo dizer a Namae-nai o mais rápido possível, pessoalmente.
Isso pode mudar completamente a forma como tratam Mazou.
Não, a forma como tratam os Onis todos, talvez até mesmo todos os yōkais sejam afetados por esse descobrimento.
O tipo de descoberta que se provada para pessoas erradas, poderia consumar meu desligamento. Aquelas que viram livros e filmes, ou lost medias.
Uma puta epifania.
Ergui o corpo para fora da cama, minha consciência já estava de pé. Caminhei até o banheiro.
Quando passei pela porta aberta enxerguei Mazou, estava na privada. Fantasmas soltam fluidos? Bom, ela come, come o suficiente para precisar.
Mas não é nada que eu já não tenha visto.
Na pia, comecei a escovar os dentes enquanto encarava um rosto avermelhado. De cabelo avermelhado e olhos verdes. Rubor. Tenho a sensação de que sempre estou envergonhado pela mera presença de Mazou.
Talvez eu não esteja tão acostumado assim com essa coexistência, meu rosto sempre discorda dos meus pensamentos, eu digo ‘está tudo bem’ e minhas bochechas dizem ‘está tudo quente’.
“Namaueuchi.” Yup—, eu me assustei.
“Fhuale.” Atendi, ainda com a escova sobre a língua.
“Por que você está escovando os dentes?”
“Ehg… Higiene?” Flush—. O fluxo de água lavou a pasta de dente.
“Mas antes do café da manhã?”
“Sim…? Há algo de errado nisso?”
“Isso soa como fazer faxina e logo em seguida arrastar um cadáver por todos os cômodos.”
“Você faz comparações descabidas.” Retruquei, não havia como quebrar sua lógica, preferi descredibilizá-la.
“Sua boca vai ficar fedendo depois do café.”
“Escovarei novamente, como sempre fiz.”
“Que desperdício de pasta.” Escutei o som da descarga, ela começou a sair. “Bleh” Antes de sair, ela me ‘deu língua’ pelo reflexo do espelho.
“Que hábito porco.”
E eu a segui.
Pouco tempo depois, estávamos sentados à mesa, enquanto mastigava rápido o pão, então um gole no café preparado por mazo. Era quente como pimenta, forte e sem açúcar. Decidi na hora que iria despejá-lo na pia invés de beber.
Minhas sobrancelhas ergueram, percebi algo óbvio que estava ignorando.
“Mazou-san?”
“Estou ouvindo.” Ela respondeu prontamente, bebericando o café como se fosse um chá, e não urina demoníaca.
“Você é uma exibicionista?”
“Não.” Rápido de novo. Suspeitei que ela não pensava para responder.
“Então vista alguma roupa, droga.”
“Namaueuchi.” Ela suspirou e soprou o café. Parecia um adulto procurando palavras para falar com uma criança. Eu não gostei dessa postura. “Qual o significado de exibicionista para você?”
“Desfilar praticamente nua em plena vista, isso inclui atentado ao pudor e imputa assédio.” Eu acenei para cima e para baixo a cada acusação, concordando com minhas próprias palavras.
“Então está feito, só você está vendo, não creio que vá me denunciar às autoridades.” Concluiu, sem desmentir uma palavra minha.
Coloquei a palma na testa, entrelaçando dedos com a minha cabeleira ruiva e subi as mãos até expor minha testa. Irritado.
“Tsk—.” Levantei, fui até o armário do quarto e retornei com um haori rosa e um obi amarelo. “Eu insisto, vista-se.”
“A carne só cai no prato do vegano.” Riu.
“A carne é uma oferecida mentirosa, que quando está prestes a ser devorada, pula do prato e fala, ‘Era brincadeira! Você deveria ter visto sua cara’.” Resmunguei, o ‘de comida, tarado’ ecoou na minha cabeça.
Eu estava certo.
“Então para você, eu sou uma carne pronta para se devorar.”
E ela deturpou meu discurso completamente, essa garota…
“Você me ouviu mal? Disse que você é uma carne demoníaca que brinca com a expectativa alheia.”
“Oh… Eu ouvi mal.” Riu novamente, e então vestiu-se.
Essa garota… Diabólica.
“Não importa, vamos sair.” Contei, finalmente.
“Oh, sério? Pra onde?” Seus olhos não pareciam tão interessados quanto suas palavras. Onde está aquela Mazou fofa e boba de ontem pela manhã?
“Preciso falar com um amigo.” Eu levei meu prato à pia, fiz questão de não mostrar que minha xícara ainda estava cheia quando levantei e abri a torneira antes de despejá-lo, entrelaçando o som dos líquidos escorrendo. “E preciso que vá comigo.”
“Isso me parece uma desculpa.” Ela resmungou enquanto fazia um laço com o enorme obi, com seus belos movimentos suaves.
É, parece.
É os dois, mas você não precisa saber.
Não agora, talvez seja assustador para você ser, de repente, uma das entidades mais importantes do mundo. Um motivo impossível de ignorar para não se extinguirem mais yōkai.
Pela primeira vez, uma possível explicação de como funcionam os oni. Ou ao menos, eu espero que seja.
Apressei Mazou o máximo que pude, mas novamente, ela não é nada ativa pela manhã. Trabalhando na marcha lenta e tentando me convencer que o domingo foi feito para descansar e contemplar a própria insignificância. Quando ela aprendeu a falar difícil assim? Randômica, procedural, seu raciocínio é um enigma. Eu acho que realmente desejo aquela Mazou bobinha e criançona.
Finalmente a convenci que a saída ia valer a pena, a empurrei até a entrada entre trancos e barrancos, peguei a chave da moto pendurada no canto. Passei por Mazou, abri a porta.
Eu estou lembrando de tudo?
Chaves, armas, celular, Mazou.
Sim, peguei tudo.
Nheec—.
Vai ser tudo perfeit—.
Oh.
Ao abrir a porta da minha casa, encontrei uma visita.
Não a conheço, mas era familiar, com certeza desagradável. Meu instinto pediu para fechar a porta.
Alta, feminina. Um e noventa, maior que eu.
Cabelos ruivos, longos, um chapéu preto, roupas simples.
Ela não tinha curvas memoráveis, não, nada de memorável.
Seus cabelos vermelhos eram de algum tom bem parecido com o meu, tão comuns para mim que os vejo todos os dias no espelho.
Nada nela deveria chamar atenção. Feita com tudo que considero corriqueiro. Minto.
Seus olhos.
Completamente envoltos em algo parecido com uma membrana roxa que derretia e escorria, fervente e borbulhante de seus olhos. Como se seus globos oculares fossem bolas de gude violeta, brilhantes e envolvidos por vidro fervente. Pingava ao chão.
Exceto isso… Esquecível.
Esse foi o sentimento que ela me passou. Alguém que não deveria parecer comum, mas que passaria despercebida até numa sala vazia.
Uma existência que seria facilmente esquecida logo que tirasse meus olhos dela.
Eu senti, como num radar.
Era yōkai.
Pior, Oni.
Seus olhos violeta com kanjis, um para cada.
‘記 憶’1
“…Kio—”
Dissonância.
Turvo.
Mole.
Eu pisquei por um segundo, e por esse único segundo, o mundo apagou.
- Kioku (記憶): Memória[↩]
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