Capítulo 10 - Herança de Fogo
O colar em seu peito pulsava com uma luz fraca quase se extinguindo, e a figura translúcida do velho pairava diante dele, os cabelos brancos flutuando como névoa, o rosto marcado por rugas profundas e os olhos novamente cheios de uma tristeza que parecia atravessar eras.
Tianyu encarava a figura, o peito apertado por uma mistura de raiva e desespero, os punhos cerrados enquanto as imagens do massacre queimavam em sua mente.
— Você é meu bisavô, não é? Lin Zhan? — Gritou ele, a voz tremendo de fúria. — Por que não fez nada? Por que deixou eles morrerem?
Ele deu um passo à frente, a raiva estampada em seu rosto.
— Você apareceu pra aquele cultivador, parou ele como se fosse nada! Por que não fez isso antes? Por que não salvou minha família? Sua família? — Seus ombros tremiam enquanto ele encarava Lin Zhan. — Você tava aí o tempo todo e ficou quieto enquanto eles queimavam!
O velho baixou os olhos, a forma translúcida tremeluzindo como uma chama prestes a se apagar. Ele suspirou, a voz carregada de peso.
— Perdoe-me, pequeno… — disse ele, quase inaudível. — Eu não podia. Não naquele momento.
— Eu sou apenas uma lasca da consciência do verdadeiro Lin Zhan, selada neste colar. Não posso me afastar dele. — Disse enquanto apontava para o colar pendurado no peito de Lin Tianyu.
Tianyu se levantou, os olhos brilhando com lágrimas e raiva, os punhos tremendo enquanto dava um passo à frente.
— Então por que agiu depois para me salvar? — gritou ele, a voz ecoando na clareira. — Por que salvou a mim e não a eles? Minha irmã, minha mãe, meu pai… você viu tudo e não fez nada! Por quê?
— Tianyu… o pouco poder que me resta… é frágil. — Começou o velho com o olhar fixo no chão, como se estivesse com vergonha do que havia se tornado. — Com tantos cultivadores, principalmente com a cultivadora na Alma Nascente que liderava o ataque, o pouco que resta de minha consciência nesse colar não poderia fazer nada, não com o que sou agora. Eu não tenho mais poder nem tempo sobrando o suficiente.
O velho ergueu o olhar, a tristeza em seus olhos tão profunda que parecia engolir a luz a volta.
— Se eu tivesse agido, Tianyu, você também teria morrido. E se isso acontecesse, não restaria nada. Nenhum Lin vivo para carregar nosso fardo, para se vingar. Sem você não restaria nenhuma esperança, nenhum futuro.
Tianyu riu amargamente.
— Esperança? Futuro? — Ele bateu no peito, onde o colar repousava. — Que esperança eu tenho? Que futuro? Minha vila está em cinzas! Minha família está morta!
O velho flutuou mais perto, sua forma tremeluzindo como se o esforço de se manter visível o consumisse.
— Eu sinto muito Tianyu, eu sei a dor que você está sentindo… Mas nós não temos… Eu não tenho muito tempo sobrando. Deixe-me explicar… tudo.
Tianyu ficou parado, o peito subindo e descendo em respirações pesadas, seus olhos brilhando com raiva e dor. Ele não queria ouvir, mas precisava. Precisava entender por que sua vida foi arrancada dele.
— Nosso clã, o Clã Lin fazia parte de uma linhagem antiga — começou o velho, a voz firme, mas carregada de nostalgia. — Vivíamos nos Nove Reinos, respeitados, temidos. Todos os homens do nosso sangue nasciam com os chamados Olhos Celestiais, um dom que nos faz capaz de ver o Qi, de enxergar além do véu do mundo. Um poder que mesmo eu mal entendo, mas que os fortes deste mundo temem e desejam.
Ele olhou para os céus, os olhos brilhando com uma luz dourada fraca.
— Esses olhos dourados… eles são um dom raro, uma marca do nosso sangue, do clã Lin. Mas esse poder trouxe inveja. Medo. Ódio. A Seita do Dragão Carmesim, que atua como guardiã da ordem celestial, viu nosso sangue como uma ameaça. Uma profecia, dita por sua oráculo, Yue Wuxin, anunciou que um Lin com olhos dourados traria o fim deles. Então, decidiram nos apagar.
Lin Zhan fechou os punhos, Tianyu podia sentir a raiva presa em sua garganta.
— Eles tacaram nosso clã, exterminaram quase todos. Eu consegui escapar ferido inicialmente e me escondi no Vale, onde vivi como mortal. Tive uma filha, que teve uma filha… sua mãe, Lin Mei. Mas eles sabiam que eu ainda estava vivo e nunca pararam de caçar nosso sangue, eu podia sentir eles chegando cada vez mais perto.
— E então? O que você fez? — Tianyu perguntou com os punhos cerrados, as unhas cravando na palma. — Por que eles ainda nos caçam?
— Eu sabia que não podia esperar até eles nos encontrarem, então decidi partir para protegê-los— disse o velho, a voz quebrando. — Antes de partir, selei esta lasca de consciência no colar. Depois, parti para o Desfiladeiro das Lágrimas Negras, para enfrentar a Seita do Dragão Carmesim, para vingar nosso clã e tentar acabar com essa perseguição sem fim.
Lin Zhan olhou para cima novamente, olhando para as estrelas enquanto seus olhos brilhavam com tristeza e raiva.
— Mas… Sou apenas uma parte do verdadeiro Lin Zhan, não sei o que aconteceu depois. Só sei que, pouco depois, senti meu poder enfraquecer, o que significa meu corpo, do verdadeiro Lin Zhan, provavelmente morreu. Esta lasca é tudo o que resta de mim, Tianyu. Um pedaço de consciência preso no jade, que tinha poder restando apenas para te salvar uma vez.
Tianyu caiu de joelhos, as lágrimas escorrendo enquanto ele batia os punhos na grama.
— Eu não pedi por isso! — gritou ele, a voz rouca de dor. — Esses olhos… eu nasci sem eles, eu nasci cego! Por que eles vieram atrás de nós agora depois de tanto tempo?
— Isso… — Lin Zhan hesitou. — Há algo que você precisa saber, Tianyu. Algo que eu fiz… para tentar protegê-los após meu corpo não voltar para a vila depois de anos.
O velho fechou os olhos, como se essa lembrança fosse dolorosa demais para falar olhando nos olhos de Tianyu.
— Quando você nasceu, eu senti o despertar dos olhos celestiais no seu sangue. Então… de dentro do colar, eu selei sua visão. Tirei seus olhos pra tentar impedir que eles te encontrassem, como uma última tentativa de esconder você e sua mãe da Seita do Dragão Carmesim.
Tianyu congelou, o ar preso em seus pulmões enquanto as palavras o atingiam como um golpe. Ele deu um passo atrás, os olhos arregalados, e então a raiva explodiu.
— Você? — gritou ele, a voz quebrando enquanto avançava, os punhos cerrados como se pudesse acertar a figura translúcida. — Você me fez viver como um inútil? Um cego que não servia pra nada, um fardo pra minha família?
As lágrimas escorriam enquanto a dor de uma vida inteira jorrava. As mãos tremendo tanto que ele quase arrancou o colar do peito.
— Eu passei anos odiando isso, me sentindo preso na escuridão, e era você o tempo todo? Por quê? Por que não me deixou ver, se ia acabar assim mesmo? Por que você fez isso comigo?
Perguntou Tianyu, a voz falhando, as lágrimas manchando o chão enquanto ele apertava o colar com força, como se quisesse destruí-lo ou esmagar a verdade que acabou de ouvir.
— Minha família morreu por sua causa! Se você não tivesse selado meus olhos, talvez eu pudesse ter feito algo… talvez… qualquer coisa!
Lin Zhan flutuou mais perto, sua forma tremeluzindo, os olhos translúcidos carregados de culpa.
— Eu fiz isso para protegê-lo, Tianyu — disse ele, a voz suave, mas cortada por um arrependimento que ecoava em cada palavra. — Se seus olhos dourados tivessem brilhado desde o nascimento, a Seita do Dragão Carmesim poderia ter te encontrado antes. Eles teriam matado todos… muito antes. Mas eu falhei. Mesmo selando seus olhos, eles vieram. Não sei como eles acharam vocês, perdoe-me, Tianyu… foi tudo o que eu podia fazer.
Tianyu riu, um som vazio, amargo, que rasgou a clareira silenciosa. — Perdoar? — Ele levantou o colar, o jade opaco refletindo a luz fraca da lua. — Você me roubou a vida! E agora me pede perdão? Minha irmã… Xue… ela morreu me guiando, me carregando como um peso! Minha mãe, meu pai… eles morreram por causa do nosso sangue, do seu sangue! E agora você me diz que estou sozinho por causa disso?
O velho baixou a cabeça, a forma tremeluzindo mais forte, como se cada palavra de Tianyu o consumisse.
— Não posso fazer nada para apagar o passado, Tianyu. Mas a culpa é deles. Da Seita do Dragão Carmesim, que teme o potencial do nosso sangue. Eles são os bastardos que caçam, que matam, que queimam vilas inteiras para apagar qualquer traço de nós.
Tianyu caiu de joelhos, as lágrimas caindo quentes, manchando a terra.
— Então estou condenado. Eles vão me encontrar, como encontraram minha família.
O velho ficou em silêncio, sua forma tremeluzindo como uma vela no vento. Ele olhou para o céu, as estrelas refletidas em seus olhos translúcidos “Lin Mei, minha neta… perdoe-me por não os proteger. Perdoe-me por deixar vocês sozinhos…”
Ele voltou o olhar para Tianyu, que chorava na grama, o rosto sujo de lágrimas e cinzas. — Seus verdadeiros inimigos são a Seita do Dragão Carmesim — disse ele, a voz firme apesar da fraqueza. — Aqueles que queimaram sua vila eram apenas peões. Lacaios enviados porque os mestres do Dragão Carmesim são hipócritas demais pra sujar as próprias mãos.
Tianyu ergueu a cabeça, os olhos dourados ardendo com uma raiva que parecia queimar a própria alma.
— A Seita do Dragão Carmesim… — repetiu ele, a voz tremendo de ódio. — Mas o que adianta saber isso? Sou fraco! Eu não sei lutar, não sei nada! Como posso enfrentá-los?
Lin Zhan flutuou mais perto, a luz do colar pulsando suavemente, como um coração que se recusava a parar.
— Vá para o norte, Tianyu — disse ele. — Longe dos olhos da Seita. Eles irão voltar, mas encontre um lugar para crescer, para aprender. Eu falhei, mas você pode escolher. Pode fugir, viver escondido como eu fiz. Ou… pode se vingar. Pode fazer o que eu não consegui.
Tianyu sentiu o colar aquecer contra seu peito, e o velho se aproximou, a forma translúcida envolvendo-o em um abraço que parecia um sopro de vento carregado de séculos de dor e amor.
Tianyu chorou, o corpo tremendo, as lágrimas caindo na grama enquanto sentia o peso do último laço com sua família, a sombra de um homem que carregava o mesmo sangue, a mesma culpa.
— Tianyu — sussurrou Lin Zhan, a voz quase sumindo, como se o vento a levasse. — Minha consciência já está se desfazendo. Não tenho mais tempo. Mas antes de partir, vou te dar algo… um começo para consertar meu erro. Para te dar uma chance.
Tianyu olhou para ele, os olhos arregalados, confusos, enquanto o calor do colar crescia, acolhedor no início, mas logo se transformando em uma dor ardente que subia por seu peito.
— O que… você está fazendo? — perguntou, a voz falhando enquanto o calor se intensificava, queimando como brasas sob sua pele.
Lin Zhan sorriu, uma lágrima translúcida escorrendo por seu rosto, brilhando como uma estrela caindo na escuridão.
— O que resta de mim pode te levar ao estágio Refinamento Mortal intermediário — disse ele, a voz tremendo de emoção. — É pouco, mas é um pontapé inicial. Para você fazer o que eu não consegui. Para acabar com essa caçada sem fim… Aguente a dor, Tianyu. Viva. Por Xue. Por Mei. Por Yu Heng.
A dor explodiu, um fogo líquido que corria por suas veias, rasgando seus músculos, queimando seus ossos. Tianyu gritou, o corpo arqueando, as mãos agarrando a grama enquanto o calor o consumia, como se sua alma estivesse sendo forjada em uma fornalha invisível. Ele olhou para o velho, os olhos dourados cheios de lágrimas, de medo, de esperança.
— Não… — sussurrou Tianyu, a voz quebrada, estendendo a mão trêmula para a figura que tremeluzia. — Não de novo… você agora é tudo o que me resta…
Lin Zhan olhou para ele, os olhos translúcidos brilhando com uma tristeza que parecia carregar o peso de um clã perdido, mas também com um brilho de orgulho, de amor.
— Adeus, Tianyu — murmurou ele, a voz um sopro fraco, carregado de uma ternura que atravessava o tempo. — Meu último sangue… Viva. Faça sua escolha. Fuja… ou seja a chama que queima os céus.
Uma última lágrima caiu do rosto do velho, brilhando como um fragmento de luz que iluminou a clareira por um instante, antes de se desfazer no ar.
A forma de Lin Zhan tremeluziu, dissolvendo-se como névoa, e o colar contra o peito de Tianyu ficou frio, opaco, como uma pedra comum.
A dor cresceu, um incêndio que engolia sua consciência, e Tianyu gritou, um som de angústia, de perda, mas também de uma promessa não dita.
No fundo do peito, uma faísca de ódio e esperança acendeu, um juramento silencioso para carregar o peso do Clã Lin, para vingar sua família, ou morrer tentando.
Ele caiu na grama, o corpo tremendo, os olhos agora dourados estavam abertos, fixos nas estrelas que pareciam observá-lo, como se testemunhassem o nascimento de algo novo.
O mundo girou, as estrelas borraram, e a escuridão o tomou, um vazio profundo, como se seu corpo estivesse sendo renascido em chamas.
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