Capítulo 12 - O último do clã Lin
Lin Tianyu abriu os olhos devagar, sentindo a grama úmida contra as costas. O céu acima parecia um manto cinzento, com nuvens pesadas que escondiam as estrelas que ele aprendeu a admirar algumas noites antes.
Ele piscou tentando se lembrar do que aconteceu. A dor que o derrubou, o fogo que correu pelas veias quando Lin Zhan o abraçou, tudo isso parecia distante, ele não sabia quanto tempo se passou.
Seu peito subia e descia em respirações firmes, mas algo parecia diferente.
Ele se sentou, notando os músculos respondendo com uma facilidade que ele não esperava, e olhou ao redor. As árvores em volta da clareira se erguiam altas e o céu cinzento carregava nuvens que ameaçavam chuva.
Ele ficou ali por um momento, simplesmente respirando, sentindo o ar entrar nos pulmões sem esforço.
O frio da noite batia contra sua pele, mas não o incomodava tanto quanto deveria. Ele ergueu uma mão, olhando para os dedos, e notou sua mão um pouco diferente, os ossos mais resistentes, uma sensação que ele não sabia explicar.
Ele flexionou os dedos, sentindo uma tensão nova nos tendões, parecia como se o seu corpo inteiro tivesse ganhado uma camada extra de força.
Ele tocou o peito onde o colar de jade repousava, frio e opaco agora, sem nenhum brilho. Lin Zhan se foi, e com ele, o último laço que Tianyu tinha com qualquer coisa familiar.
A tristeza que sentia antes agora deu lugar a raiva. Uma raiva que começou a crescer devagar, no fundo do peito. Era como uma brasa que se alimentava e aos poucos consumia a tristeza que ele sentia.
Ele pensou em tudo. Na vila destruída, na família morta, nos cultivadores que riam enquanto queimavam tudo. Não era uma raiva explosiva no início, mas uma pressão constante, que subia pela garganta enquanto ele apertava os punhos.
Ele olhava para a grama ao seu redor, para as árvores que balançavam com o vento, ele podia ver tudo agora, mas sentia que nada disso importava. O mundo seguia, mas sua vida parou nas cinzas.
“Seita do Dragão Carmesim…” pensou a medida que a raiva no seu peito aumentou, com os dentes cerrados e os músculos tensionados. Ele não aguentava mais ficar parado, sentindo aquela impotência o remoendo por dentro.
Sem pensar a raiva explodiu e ele socou o chão com força, o punho descendo como um martelo. O impacto foi imediato, o solo cedeu sob o golpe com um som abafado, como algo pesado caindo.
Quando ergueu a mão e olhou para baixo, viu um buraco largo e fundo, quase do tamanho de seu antebraço, com a grama arrancada em pedaços e raízes expostas, soltas como fios cortados. A terra ao redor estava compactada, como se uma força maior do que um simples soco tivesse atingido o lugar.
Tianyu se surpreendeu, encarando o buraco com os olhos arregalados. Ele não sentia dor na mão, apenas um formigamento quente que subia pelo seu braço.
“O que foi isso?” ele pensou, flexionando os dedos novamente. A mão estava intacta, sem um arranhão, mas o chão mostrava um grande estrago.
Ele se abaixou, tocando a borda do buraco, sentindo a terra fria e úmida entre os dedos. O buraco era profundo e as paredes estavam compactadas, como se o soco tivesse comprimido o solo ao redor em vez de apenas cavá-lo.
Ele ergueu a mão, olhando para ela sob a luz da lua que escapava dentre algumas nuvens, e notou que suas veias pareciam mais visíveis, pulsando com um ritmo constante. Tianyu fechou o punho devagar, sentindo a tensão nos músculos, uma força que não existia antes. “Então foi isso o que ele me deu”. Sua mente começando a conectar as coisas.
Refinamento Mortal intermediário, como Lin Zhan chamou. Ele não sabia o que isso significava, mas era real, e havia mudado seu corpo de dentro para fora.
Tianyu se levantou para testar mais seu corpo. Ele deu um passo para o lado e chutou levemente uma pedra na grama, apenas um chute sem muita força. A pedra voou muito mais longe do que esperava, voando pela clareira até bater em uma árvore com um estalo seco.
Ele franziu a testa assustado e correu até a árvore. O impacto havia formado uma marca onde a pedra acertou. Ele tocou a perna, sentindo os músculos das suas coxas mais firmes, mais resistentes.
Antes, depois de um dia ajudando nos campos suas pernas doíam, fraquejavam. Agora, pareciam prontas para correr, para aguentar muito mais. Ele pensou em algo, então se impulsionou para pular no lugar.
Com os músculos da perna flexionados ele deu um pulo, seu corpo subiu muito mais alto do que ele podia pensar ser possível, quase chegando a duas vezes sua altura.
Tianyu se assustou no ar, pensando no impacto ao cair. Mas era desnecessário. Assim que ele aterrissou no chão, ele quase não sentiu um impacto. Na verdade, parece que o solo sobre ele que cedeu um pouco com sua aterrisagem.
Ele respirou fundo, sem acreditar em como seu corpo havia mudado. Ele notou como o ar enchia os pulmões com facilidade, sem o cansaço que sempre vinha depois de um esforço. O coração batia constante, forte, sem aceleradas desnecessárias.
Ele tocou o estômago, notando que até a fome que o mordia desde o massacre era fraca agora, quase ignorável, apesar de ainda estar presente.
Mesmo andando pela clareira ele sentia seus passos mais pesados. Ele sentia o chão sob os pés descalços em cada pisada firme, mas agora sem o desconforto que as pedras ou raízes traziam.
Seus sentidos pareciam mais afiados também: o som do vento nas folhas era mais claro, como se pudesse distinguir cada folha se movendo. O cheiro de terra úmida se misturava ao de pinheiros que estavam distantes, tudo mais intenso do que antes.
Tianyu parou no centro da clareira, erguendo os braços. Ele sentia um calor sutil correndo por suas veias, como um fluxo quente que respondia quando se concentrava.
Ele sentiu que era capaz de correr por horas, de fazer qualquer coisa sem se cansar. O calor nas veias crescia quando ele se concentrava, se espalhando pelos braços, pelas pernas, como se respondesse ao seu pensamento.
Fechando os olhos por um momento ele tentou entender essa sensação. Quando os abriu, viu traços finos de luz no ar, linhas que dançavam devagar, saindo das árvores, do chão, até do vento que soprava. Elas eram fracas, mas reais, como fios transparentes que piscavam e sumiam.
Ele piscou e seus olhos aqueceram, o dourado surgindo neles por um instante, tornando as linhas mais visíveis. Tianyu estendeu a mão tentando tocar uma delas, mas os dedos passavam pelo ar vazio.
Tianyu não sabia, mas isso era o Qi. Estava presente em tudo, e agora ele via, sentia dentro de si.
Se concentrando mais enquanto olhava para uma linha que saía de uma árvore próxima, seus olhos brilharam de novo em dourado e o calor aumentou, como se tentasse puxar aquela energia para si.
A linha tremia, mas quando ele tentou controlá-la de alguma forma, o calor virou uma queimação nos seus olhos, que o forçaram a piscar e recuar.
Tianyu tocou no rosto, sentindo uma umidade, era sangue que escorria de seu nariz, pingando devagar.
“Não posso ser descuidado sem entender o que estou fazendo” ele pensou, limpando o sangue com a manga. Mas a sensação do Qi permaneceu, um fluxo que corria por suas veias, respondendo à sua vontade. Ele não sabia como usá-lo direito, mas sentia o potencial, a força que podia crescer.
Com sua raiva que crescia junto com essa nova descoberta e se misturava ao calor nas suas veias, Tianyu tomou uma decisão. Ele não choraria mais. Chorar era para o antigo Tianyu, o que se escondia atrás da família. Sua tristeza estava se transformando em algo frio, algo que não permitiria fraqueza.
Ele cerrou os punhos sentindo a força neles, e imaginou os inimigos diante dele, caindo um por um. Huo Ling, Huo Wei, a Seita do Dragão Carmesim inteira. Ele destruiria todos. A ideia veio rápida, mas suficiente para alimentar sua determinação.
Ele tocou o colar novamente, sentindo o jade frio sob os dedos. Lin Zhan selou seus olhos, o fez viver na escuridão, mas agora havia desaparecido depois de dá-lo esse poder. Ele sabia que ainda era fraco, mas já era um começo.
A solidão agora era absoluta, sem vozes, sem toques familiares. Antes, ele dependia de sua irmã para descrever o mundo, de seus pais para guiá-lo na escuridão. Agora, via tudo, poderia fazer tudo por si mesmo, mas sozinho.
“Não preciso mais de ninguém” ele pensou. Depender dos ouros seria a morte. Ele rejeitava isso, a raiva o estava tornando mais frio, mais distante.
Tianyu parou na borda da clareira, olhando o horizonte. O norte, como Lin Zhan disse. As montanhas se estendiam ali, escuras contra o céu. Ele não sabia o que havia lá, mas ficar parado não o ajudaria em nada.
“Seita do Dragão Carmesim” pensou ele com as unhas cravando nas palmas. “Vocês vão pagar.”
—Vou para o norte. — disse para si mesmo com a voz baixa. — Vou encontrar poder. E vou destruí-los.
Ele deu o primeiro passo, seu corpo agora respondia sem esforço nenhum, com o calor nas veias o impulsionando. A clareira ficou para trás, mas a raiva seguia com ele, guiando cada movimento.
O mundo era vasto, perigoso, mas ele não era mais o frágil menino de antes. Ele era o último do Clã Lin.
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