Capítulo 13 - Um Estranho na Montanha
Alguns dias já haviam se passado enquanto Lin Tianyu avançava para o norte com as montanhas se erguendo ao seu redor.
Ele caminhava por trilhas estreitas com os pés descalços pisando em pedras e raízes, mas agora sem o desconforto de antes.
A roupa rasgada, com bordas queimadas e manchas escuras de sangue seco eram um lembrete constante do massacre que ele sobreviveu. E o colar de jade pendia frio no seu peito, agora sem cor, como se Lin Zhan nunca tivesse existido.
Tianyu testava os limites do corpo a cada dia. Ele corria por trechos da trilha, impulsionando os pés contra o chão com força, e notava como o vento parecia ceder diante dele. Ele notava como o corpo respondia, firme, sem o cansaço que o derrubava antes.
Tianyu parava às vezes e tentava ‘cultivar’, ele não sabia o que isso era, mas era guiado um instinto vago que parecia estar dentro dele, sentando-se e concentrando-se no fluxo calor que pulsava em suas veias.
Mas ele não conseguia, o Qi escapava, era como tentar segurar fumaça. Ele não sabia como controlá-lo, como moldá-lo.
“Se ao menos soubesse o que fazer, não tenho nenhuma pista de como isso funciona” ele pensava, cerrando os punhos até as unhas cravarem nas palmas.
A fome, que antes parecia ter se dissipado, agora começava a voltar a cada poucos dias. Não era uma fome cruel, apenas um vazio incômodo no estômago, que o lembrava de que esse nível de cultivo não parecia o tornar imune às necessidades humanas.
Ele colhia frutas pequenas e azedas de arbustos, mastigando-as enquanto caminhava. Nos rios, ele bebia água gelada, sentindo o frio descer pela garganta, refrescante, mas insuficiente para aplacar a raiva que queimava no peito.
“Não posso parar” ele pensava sempre. “Tenho que achar um jeito de ficar mais forte”.
Um novo dia amanheceu, com o céu encoberto e as nuvens pesadas bloqueando o sol.
Tianyu seguiu por uma trilha íngreme, as rochas soltas sob seus pés rolavam com cada passo. Ele poderia ter seguido a estrada, mas estava tentando testar seu corpo novamente, querendo entender até onde podia ir.
Ele se agachou flexionando as pernas e saltou para uma rocha mais alta, a uns três metros de distância.
O corpo subiu com facilidade, aterrissando com um impacto leve, mas a pedra sob seus pés rachou, com uma fissura fina se espalhando. Ele ficou surpreso. “Isso é realmente incrível” refletiu, olhando para os pés descalços, calejados, mas intactos.
A confiança o levou a acelerar. Ele começou a correr, se impulsionando com força para frente em pequenos saltos, como fazia todos os dias, com os pés impulsionando com força e o vento assobiando nos ouvidos.
Tianyu se distraiu e dessa vez não viu que a trilha que seguia terminava abruptamente, dando lugar a um desfiladeiro estreito, com uma queda de pelo menos dez metros até um rio abaixo.
Ele percebeu tarde demais, o pé escorregou na borda solta. Ele tentou se segurar com os dedos arranhando a rocha, mas o corpo tombou. O ar passou rápido e frio contra sua pele, até que ele caiu na água abaixo com um estrondo, o impacto arrancando o ar de seus pulmões.
A correnteza era forte e o puxou para baixo. Mas Tianyu lutou com os braços batendo contra a água gelada, com seu corpo reagindo com uma força que ele ainda não dominava.
Ele conseguiu nadar até a margem agarrando uma raiz exposta, e se arrastou para a terra firme.
Ofegante Tianyu cuspiu água, com seu cabelo grudado no rosto. Ele cerrou os dentes com raiva, “Como vou me vingar assim? Não sei nem por onde começar!” pensou, socando a margem, a lama voando para os lados com um som abafado.
Tianyu respirou fundo, tentando se acalmar. A água pingava do seu cabelo, escorrendo pelo pescoço. Ele olhou para o rio enquanto a frustração o consumia. Nos últimos dias ele não havia encontrado ninguém, nem uma vila, nem uma cidade. O norte que Lin Zhan pediu para ele seguir parecia um caminho sem fim.
“Tenho que encontrar algum lugar, não posso ficar nessa mata para sempre” decidiu.
Ele se levantou devagar, com a roupa molhada grudando na pele e começou a caminhar pela margem. Vilas costumavam ser construídas perto de rios, talvez fizesse mais sentido seguir por ali.
Enquanto seguia o rio, algo chamou sua atenção. Além de algumas árvores ele notou uma figura se movendo em uma clareira pequena, a alguns metros da margem. Tianyu parou, tenso, e se abaixou atrás de um arbusto.
Era um homem jovem, talvez com pouco mais de vinte anos, vestido com uma túnica branca que parecia limpa demais para aquele lugar. O cabelo preto estava preso em um coque alto, fixado por um pino de jade. Ele segurava uma espada fina, a lâmina brilhando sob a luz do sol.
“Um cultivador.” pensou, com a desconfiança subindo.
Tianyu começou a observar escondido. O homem parecia estar praticando uma técnica de espada, ele segurava a lâmina reta em um ângulo a sua frente, e estava com os olhos fechados. Algumas folhas flutuavam ao seu redor e ao redor da espada.
Ele se surpreendeu ao notar que algumas folhas pareciam estar se partindo ao meio ao passar na frente da espada, mas elas não haviam sequer encostado na lâmina.
Lin Tianyu ficou surpreso, tentando entender como isso era possível. Será que ele poderia fazer isso também? Ele não sabia seus limites, não sabia nada sobre o mundo do cultivo. Ele se concentrou na cena diante dele, tentando entender como o homem fazia aquilo.
Logo seus olhos aqueceram, com um leve tom dourado surgindo neles sem que ele percebesse.
Tianyu encarava a cena a sua frente sem piscar, concentrado, até começar a ver fios prateados de Qi ao redor da espada. Ele viu os fios de luz dançando ao redor da lâmina, muito mais densos do que os que ele já tinha visto antes.
Os fios se entrelaçavam, formando um padrão que Tianyu não entendia. Era uma técnica, algo que fazia o ar ao redor da espada vibrar e a fazia vibrar levemente. Os fios pareciam se juntar e entrar na espada, ampliando sua lâmina com fios translúcidos.
Ele tentava entender o padrão que se formava, com os olhos ficando cada vez mais dourados enquanto se esforçava para captar cada movimento, cada linha de Qi. Mas a complexidade o confundia, era como tentar ler um livro em uma língua desconhecida.
A concentração começou a pesar e de repente uma dor aguda atravessou seus olhos como agulhas. Tianyu grunhiu, levando as mãos ao rosto, com os dedos pressionando as pálpebras. O grunhido de dor escapou sem querer, ecoando na margem silenciosa.
A dor passou quase instantaneamente quando ele desviou o olhar, quando ele abriu os olhos o dourado já havia sumido. Ele levantou o rosto e então congelou no lugar.
O cultivador estava agora a poucos passos dele, tão perto que Tianyu podia ouvir sua respiração.
O homem era alto, com sua túnica branca impecável com bordas prateadas que pareciam brilhar. O rosto dele era jovem, mas firme, com olhos claros que pareciam enxergar através dele. Uma bolsa de couro pendia em sua cintura, e uma aura sutil mas opressiva emanava dele, como se o ar ao redor pesasse mais.
— Está tudo bem? — perguntou o homem, com a voz incrivelmente calma. Ele inclinou a cabeça, examinando Tianyu. —Suas roupas… parece que você passou por uma guerra. O que aconteceu com você?
Tianyu recuou um passo, os instintos gritando. A pressão do Qi do homem era clara agora, como uma mão invisível apertando seu peito.
“Ele é forte” pensou, com o coração batendo rápido. “Muito mais forte que eu”. Ele podia sentir isso, seus instintos diziam, talvez algo que ele tenha ganhado quando se tornou um cultivador.
Tianyu não respondeu o homem, não sabia o que falar, apenas mantinha os olhos fixos no cultivador, procurando qualquer sinal de ameaça.
O homem se surpreendeu com a reação dele e riu, um som leve que contrastava com a tensão de Tianyu.
— Calma, garoto. Não vou te atacar. Sou Chen Wei, discípulo da Seita do Rio Celestial.
Ele se inclinou e fez uma saudação, fechou o punho direito contra a palma esquerda aberta. Lin Tianyu não sabia o que isso significava, afinal nunca havia visto isso.
— Bom, se você não quer me dizer, tudo bem. Pelo menos posso ver que não está ferido. Qual seu nome? — Perguntou o homem sorrindo.
O sorriso dele deixava Lin Tianyu ainda mais em guarda, afinal, devido suas experiencias, ele não poderia deixar de ficar desconfiado com um cultivador tratando alguém como ele cordialmente.
Ele sentia a força do homem, a facilidade com que se moveu, chegando na sua frente sem que ele notasse, mesmo com os sentidos melhores agora.
— Eu estava só de passagem. — respondeu finalmente, com a voz rouca. — Desculpe-me por interromper.
Chen Wei ergueu uma sobrancelha, claramente intrigado.
— Hein? — Ele riu novamente. — Você é bem estranho, sabia garoto? Está no Refinamento Mortal intermediário, mas parece perdido. De qual seita você faz parte?
A pergunta pegou Tianyu desprevenido. Ele arregalou os olhos, surpreso. “Ele sabe meu nível só de olhar?” pensou, a mente acelerando.
Ele considerou mentir, mas percebeu que não conhecia nenhuma seita além da Seita do Dragão Carmesim, e é claro que ele não falaria esse nome.
— Não tenho nenhuma seita — admitiu, com os olhos fixos no chão para evitar revelar mais.
— Não tem? — Chen Wei pareceu genuinamente surpreso.
—Isso é bem raro. Você parece ser muito jovem, chegar ao Refinamento Mortal intermediário nessa idade sem os recursos de uma seita ou de um grande clã é muito difícil… — Ele fez uma pausa, olhando para as roupas rasgadas de Tianyu. — Sem ofensas, mas é que você não parece ser de um grande clã.
Tianyu sentiu o rosto esquentar, a raiva misturada com nervosismo. Ele deu um passo para trás, procurando uma saída. “Preciso sair daqui” pensou, com os olhos varrendo a margem do rio.
Chen Wei notou a tensão no ar e não pode deixar de rir novamente, levantando as mãos em um gesto pacificador.
— Hahahaha calma, calma! Você é bem desconfiado, hein? Está me deixando ainda mais curioso pela sua história — Ele sorriu, os olhos claros brilhando com algo que parecia diversão.
Antes que Tianyu pudesse falar algo um brilho suave saiu da bolsa de Chen Wei. Um talismã de papel, coberto de runas vermelhas, flutuou para fora, pairando diante dele.
Ele franziu a testa, tocando o talismã com um dedo. O papel virou fumaça, que se dissolveu e foi em direção sua testa.
Chen Wei bufou, parecendo irritado.
— Sempre na pior hora — murmurou. Ele olhou para Tianyu, fazendo a mesma saudação de antes. — Desculpe-me menino, mas preciso ir.
De repente uma espada prateada saiu da bolsa, flutuando no ar com um zumbido baixo.
Tianyu deu um salto para trás com o coração disparando. O que surpreendeu Chen Wei.
— Calma, garoto! É só minha espada voadora. — Ele pulou na lâmina, que se ergueu suavemente. — Parece que você nunca viu uma bolsa de armazenamento, não é? Então é verdade que você realmente não tem uma seita? — Ele balançou a cabeça, ainda rindo.
— Olha, se você realmente chegou a esse nível sem recursos de uma seita ou clã, você deve ter muito talento. Vá para a Cidade de Jade Brumoso. Daqui a alguns dias, irão buscar candidatos para o exame de entrada da nossa seita que partirão de lá.
Tianyu ficou em silêncio, a desconfiança ainda o segurando.
“Não tenho como saber quais estão envolvidas com essa tal Seita do Dragão Carmesim, então é melhor não” ele refletiu. Mas ainda assim, uma cidade significava comida, abrigo, talvez um ponto de partida. Ele precisava de algo, não podia continuar vagando pelas montanhas sem rumo.
— Onde fica essa cidade? — perguntou, tentando manter a voz calma.
Chen Wei sorriu, apontando para o leste.
— Siga o rio por dois dias, você vai achar uma ponte, pegue o caminho para direita até ver as muralhas. Não tem como errar. — Ele fez uma pausa, olhando para as roupas de Tianyu. — E… perdão pela indelicadeza, mas aconselho a comprar roupas novas antes, você vai ser confundido com um mendigo assim.
Ele tirou da bolsa uma carta selada e um saco pequeno de moedas, jogando-as para Tianyu.
— Depois de comprar roupas novas, se quiser ir para o exame da seita será fácil de achar o local na cidade, apenas mostre essa carta e diga que Chen Wei te indicou. Não vão te causar problemas.
Tianyu, por puro reflexo agarrou a carta e o saco que foi jogado para ele. Ele até se surpreendeu com seu reflexo rápido.
Quando ele notou que o homem havia lhe dado um saco com várias moedas, ele abriu a boca para recusar, mas Chen Wei já se havia se virado, com a espada subindo no ar com um zumbido.
— Até mais, garoto estranho! — gritou, rindo novamente. A voz ecoando enquanto voava para o céu com a túnica branca desaparecendo entre as nuvens.
Tianyu ficou parado com a carta e as moedas pesando na mão. “Esse cara… Ele está falando sério ou tem algo mais nisso?” pensou com os olhos estreitados.
Chen Wei realmente parecia estranho aos olhos de Tianyu, seu jeito leve rindo de tudo o fazia parecer ainda mais inocente que seu antigo eu. Um cultivador tão amigável com um desconhecido maltrapido como ele. Talvez fosse uma fachada, ou talvez fosse um tipo de calma que vem com a força, ele não sabia.
A desconfiança o fazia querer jogar tudo no rio, mas sua situação o lembrava da realidade. Ele guardou a carta e as moedas no bolso. “Provavelmente não vou para essa seita” decidiu, “mas uma cidade é o que preciso agora”.
Ele se voltou para o rio e começou a caminhar, seguindo a direção que Chen Wei indicou. Agora ao menos havia um destino, mesmo que ele não soubesse o que o esperava.
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