O sol já havia percorrido boa parte de seu arco no céu quando Lin Tianyu continuou sua jornada pela estrada que seguia ao lado do rio, como Chen Wei havia indicado.

    O dia anterior, após se despedir de Chen Wei, havia sido marcado por uma caminhada solitária e reflexiva, com o peso do colar de jade batendo contra o peito servindo como um lembrete constante da promessa de vingança que carregava.

    A estrada que ele seguia era uma trilha antiga de terra batida, ladeada por florestas densas com uma a névoa espessa que pairava baixa, conferindo ao ar um frescor úmido que se infiltrava em suas roupas rasgadas.

    Tianyu caminhava com passos firmes enquanto observava seu redor, ainda se ajustando à nova realidade de ver o mundo.

    Antes, quando era cego, ele confiava no som do vento nas folhas, no cheiro da terra molhada e no toque das raízes sob os pés.

    Agora, seus olhos estavam abertos para ver as cores vibrantes das folhagens verdes e o azul do céu, ele se sentia ao mesmo tempo maravilhado e sobrecarregado.

    Ele fechava os olhos de tempos em tempos, testando se ainda conseguia navegar pelo mundo na escuridão, e sorria levemente ao constatar que sim.

    Na verdade, mesmo ao fechar os olhos ele conseguia perceber o mundo ao redor muito melhor do que quando era cego, como se conseguisse ver o mundo mesmo de olhos fechados. Provavelmente tinha algo a ver com ele ter virado um cultivador, graças ao sacrifício de Lin Zhan.

    O ar ali era carregado com o perfume de flores silvestres que brotavam nas encostas, semelhantes às do Vale das Flores, mas com um toque mais selvagem, menos domesticado.

    Ele parou por um momento para colher uma erva que reconheceu pelo cheiro — uma Folha de Orvalho Azul, útil para curar ferimentos leves. Enquanto a guardava na pequena bolsa improvisada que carregava, feitas de cascas de árvores.

    Seus pensamentos vagaram de volta para o vale destruído. As imagens da vila em chamas, os corpos de sua família, o sangue derramado — tudo isso o impulsionava adiante com sua promessa de vingança, mas também o fazia questionar.

    “Qual meu próximo passo?” murmurou para si mesmo, tocando o colar de jade.

    A estrada se estreitava à medida que subia uma colina suave, e um som distante começou a ecoar. Tianyu acelerou o passo, curioso, mas cauteloso. Ao alcançar o topo, avistou uma cena que o fez congelar por um instante.

    Abaixo, em uma clareira onde a estrada se alargava, uma carroça luxuosa jazia inclinada, com uma roda quebrada. Corpos de guardas — talvez cinco ou seis — estavam espalhados pelo chão, suas armaduras simples manchadas de sangue fresco, olhos vidrados fixos no céu.

    No centro da cena, um homem de meia-idade, um pouco gordo, usando roupas chiques de seda bordada em padrões dourados que contrastavam com a sujeira da estrada, estava ajoelhado no chão.

    Seu rosto redondo, suado e pálido, exibia uma mistura de terror e resignação. Ele era ameaçado por um grupo de bandidos, homens robustos vestidos com trapos escuros, mas cujos movimentos pareciam organizados.

    — Entregue a encomenda da Família Mei agora, seu porco gordo! — rosnou o líder dos bandidos, um homem alto com uma cicatriz atravessando o rosto, empunhando uma espada curva que reluzia ao sol. — Sabemos que você carrega ela. Não nos faça arrancar de você!

    — Eu não sei do que vocês estão falando, não tenho nenhuma encomenda da Família Mei — disse o mercador com a voz trêmula, tentando soar convincente.

    Tianyu, com sua visão agora aguçada pelo cultivo, percebeu de longe que as mãos do mercador estavam tremendo enquanto protegiam uma caixa de madeira ornamentada dentro de sua túnica.

    Um dos bandidos que revistava a carroça virou-se para o líder.

    — Chefe, não está na carroça. Deve estar com ele!

    O líder chutou o mercador em direção ao chão.

    — Revistem ele! Se não acharem, podem arrancar seus membros até ele dizer onde está!

    “Não é problema meu” pensou Tianyu, recuando um passo para se esconder atrás de uma árvore.

    Ele não era um herói. Sua jornada era de vingança contra forças muito maiores, como a Seita da Garra Flamejante e o Dragão Carmesim.

    Ele virou-se para continuar, mas ao pisar em um galho solto, o som traiu sua presença.

    — Ei, olhem ali! Temos um rato espiando! — gritou um dos bandidos, apontando para Tianyu. Os outros viraram-se, olhos famintos como lobos.

    — Pegue-o! Pode ser um espião da Família Mei!

    Os bandidos avançaram, dois deles à frente, espadas em punho.

    Tianyu praguejou internamente. Ele sabia que era um cultivador agora e era muito mais forte que mortais, mas ele não sabia o que estar no “Refinamento Mortal intermediário” significava, não sabia o quão forte ele era.

    Sem que ele percebesse, nesse  momento de stress Qi começou a circular em seu corpo, fluindo como um rio quente por seus meridianos.

    O primeiro bandido, um homem magro com dentes podres, chegou a sua frente e o atacou com um golpe descendente com sua espada. Tianyu esquivou-se com uma facilidade surpreendente, o corpo movendo-se sozinho como se antecipasse o movimento.

    Ele instintivamente contra-atacou com um soco no peito do homem, onde sentiu os ossos cederem sob seus dedos.

    O homem voou para trás como um canhão, caindo no rio imóvel e sendo levado pela correnteza. “Como eu fiz isso?” pensou Tianyu, atordoado pela própria força.

    O segundo bandido já estava em sua lateral, brandindo uma adaga em direção seu rosto. Tianyu bloqueou a adaga com o antebraço e fechou os olhos pensando que seria esfaqueado. Mas… A dor que sentiu foi mínima, a adaga atingiu sua pele mas ele nem foi perfurado, ficando apenas com um pequeno arranhão.

    Ele agarrou o pulso do atacante e novamente ouviu o estalo de ossos quebrando. O bandido soltou um gemido gutural, caindo de joelhos. Tianyu o chutou no peito, enviando-o voando como um canhão através dos bandidos restantes, com sangue jorrando da boca até bater com força em uma árvore e ficar em um silencio mórbido.

    Os restante, incluindo o líder, olhavam com os olhos arregalados.

    — Ele é um cultivador! Fujam!! — gritou um deles, e eles viraram as costas em pânico correndo para a floresta descoordenadamente, deixando os corpos dos companheiros para trás.

    A clareira ficou em silêncio, exceto pelo gemido distante de um corvo. Tianyu ficou parado, ofegante, olhando para as mãos ensanguentadas.

    Ele havia matado dois homens. Seus olhos percorreram o corpo do segundo homem, o sangue se espalhando pela terra como um rio vermelho.

    “Eu matei eles” pensou, sentindo um leve tremor nas mãos.

    Sentou-se em uma pedra próxima, o coração batendo forte, mas não era de remorso, era por estar assustado consigo mesmo. O ato de matar… não o abalou como esperava.

    Por que não sentia culpa? Era por que esses homens pareciam como os assassinos de sua vila, que tiravam vidas por ganância?

    Ou era por causa das mortes que presenciou no vale, o corpo decapitado de Xue, seus pais queimados e perfurados? Aquelas imagens o haviam endurecido, transformado em alguém frio?

    Ou seria o cultivo, o Qi correndo em suas veias, que o tornava distante das fraquezas mortais como culpa? Ele fechou os olhos, buscando respostas no silêncio interior.

    “Talvez o mundo tenha me forçado a ser assim.” Levantou-se, limpando as mãos na roupa já manchada, e o tremor cessou.

    Ele estava com receio de si mesmo, da rapidez com que se acalmou depois de matar alguém. Mas com sua vingança em mente, era como se matar fosse apenas mais um passo em sua jornada.

    Do lado da carroça, o mercador se levantou devagar, os olhos ainda cheios de medo, mas misturados com gratidão. Ele era um homem de estatura média, com barriga proeminente que esticava as sedas bordadas de seu manto verde-jade, adornado com padrões de dragões estilizados — sinal de prosperidade.

    Seu rosto redondo, com bigode fino e bem cuidado, suava profusamente, e ele limpou a testa com uma manga trêmula.

    — Jovem herói… você salvou minha vida — disse ele, a voz rouca, aproximando-se com passos hesitantes. — Eu sou Mo Liang, um mercador da região. Aqueles bandidos… eles teriam me matado sem piedade. Você salvou minha vida, como eu posso retribuir?

    Tianyu o observou por um momento, notando os detalhes: as joias nos dedos, o cheiro de incenso caro que emanava de suas roupas, contrastando com o fedor de sangue ao redor.

    — Não fiz esperando retribuição — respondeu Tianyu, a voz baixa e neutra. — Eles que vieram até mim.

    Mo Liang piscou, surpreso com a franqueza.

    — Mesmo assim, você é meu salvador. Para onde você vai? Essa estrada leva à Cidade do Jade Brumoso, se estiver indo para lá também, venha comigo na minha carroça, eu insisto, é o mínimo que posso fazer…

    Tianyu hesitou, olhando para a estrada adiante. Viajar sozinho era mais seguro, sem perguntas indesejadas.

    — Não preciso de companhia — disse, virando-se para ir.

    Mas Mo Liang insistiu, aproximando-se mais.

    — Por favor, jovem! Olhe para mim, sou um mercador gordo e sem defesas. Se mais bandidos aparecerem, estarei perdido. E você… parece precisar de uma refeição quente e um lugar para descansar. Eu tenho provisões na carroça. Considere como pagamento pela sua bravura.

    Tianyu parou, considerando. A carroça, embora danificada, ainda tinha cavalos vivos, e sua jornada até aqui tinha sido exaustiva. Além disso, Mo Liang parecia inofensivo.

    — Está bem — concordou, relutante. — Mas só até a cidade.

    Mo Liang sorriu amplamente, o medo dando lugar a uma tagarelice animada enquanto consertavam a roda quebrada com ferramentas da carroça. — Excelente! Vamos, suba. Eu sou de uma família de mercadores há gerações, sabe? Meu avô negociava com seitas menores nos confins de Yundao. Ah, e você? Qual é o seu nome, jovem herói?

    — Lin Tianyu — respondeu ele, subindo na carroça. Mo Liang chicoteou levemente os cavalos, e eles partiram devagar, a estrada rangendo sob as rodas.

    Enquanto avançavam, Mo Liang falava sem parar, um contraste claro com o silêncio estoico de Tianyu.

    — Essa estrada é traiçoeira, mas bela, não acha? Olhe para essa névoa que está sempre presente ao lado da estrada, ela vem das montanhas quentes ao sul, onde fontes termais borbulham como caldeirões. Daí vem o nome da Cidade do Jade Brumoso! A cidade é realmente uma joia no coração da província de Yun. — O Homem falava sem parar. — Você deve fazer parte da seita do Rio Celestial que está realizando os exames na cidade, certo jovem? Com sua força, você deve ser um prodígio da seita!

    — Não faço parte de nenhuma seita. Mas talvez o senhor possa me falar mais sobre ela e sobre a cidade? — pediu, curioso.

    Era a primeira vez que ouvia detalhes sobre o mundo além do vale. Já que ele estava preso com esse tagarela, poderia pelo menos aproveitar isso.

    Mo Liang riu, encantado por ter um ouvinte.

    — Ah, você ainda não faz parte de nenhuma seita? Entendo, então você deve estar indo para os exames, certo? A Seita do Rio Celestial está realizando exames de entrada nesses dias para recrutar jovens talentosos, como fazem a cada dois anos!

    Tianyu ouvia, absorvendo as informações.

    — A cidade é dividida em três distritos: o Bairro dos Mercadores, cheio de lojas com ervas, pílulas, armas e qualquer coisa que você possa imaginar; o Distrito Residencial, onde ficam as moradias, e é divido pela parte onde moram os nobre, e onde moram os plebeus; e a prefeitura, onde ficam os prédios do governo e o salão representativo da seita do rio celestial, onde os discípulos deles costumam ir após completar algumas missões que sejam perto da cidade…

    — Missões? — perguntou Tianyu, curioso.

    — Claro, como a seita fica perto da cidade, os discípulos sempre tem algumas missões para cumprir perto dela, então eles criaram o salão representativo da seita na cidade para facilitar as coisas, então eles sempre têm cultivadores indo e vindo da cidade. Para um mercador como eu, é o paraíso! Além de que isso garante uma segurança constante para a cidade.

    E Eles continuaram assim por horas, Mo Liang contando histórias: sobre um festival anual onde fogos iluminam o céu, sobre mercadores que enriqueceram vendendo pílulas falsificadas e foram punidos pela seita, sobre lendas da cidade de séculos atrás. — O comerciante babava de tanto falar, mas estava sendo útil.

    Tianyu intervinha raramente, com perguntas pontuais — “Como é a seita?” ou “O que são pílulas de cultivo?” — e Mo Liang explicava com entusiasmo, descrevendo como as pílulas ajudavam a refinar o Qi, ou como a Seita do Rio Celestial era conhecida por ser poderosa e justa. Estava sendo muito útil para Tianyu, que cada vez mais aprofundava seu conhecimento sobre o mundo.

    Em um momento, Mo Liang olhou para as roupas de Tianyu, rasgadas e manchadas de sangue que parecia antigo, não dos bandidos.

    — Suas roupas… parecem ter visto dias ruins. O que aconteceu, se não for indelicado perguntar?

    Tianyu ficou em silêncio, os olhos fixos na estrada. Mo Liang captou o sinal e mudou de assunto rapidamente.

    — Ah, esqueça! Vamos falar de comida. Na cidade, prove o Arroz das Nuvens, que é cozido com ervas que fica flutuando no vapor!

    Mais adiante, Tianyu, já mais à vontade com o tagarela mercador, perguntou: — Ataques como esse são comuns por aqui?

    Mo Liang franziu a testa, o tom ficando sério pela primeira vez.

    — Não, jovem Herói. Esses bandidos pareciam treinados, eles certamente não eram meros ladrões. Eles estavam atrás de uma encomenda especifica. Esse ataque certamente foi orquestrado por uma rivalidades entre famílias. Desculpe, não posso dar mais detalhes… segredos de comércio, sabe… Tianyu assentiu, não pressionando. A conversa continuou, alongando-se com anedotas de viagens passadas de Mo Liang, até que o sol começou a se pôr. Ao passar por uma colina, finalmente avistaram as luzes distantes da Cidade do Jade Brumoso, cercada por uma muralha com torres de jade reluzindo como estrelas na névoa que a cercava.

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