O sol já se inclinava para o horizonte quando a carroça de Mo Liang finalmente se aproximou dos portões da Cidade do Jade Brumoso.

    A névoa que dava nome à cidade pairava como uma cortina etérea ao redor das muralhas altas, feitas de pedra cinzenta com veios de jade que reluziam sob a luz do entardecer.

    Tianyu, sentado ao lado do mercador, observava tudo com uma mistura de curiosidade e cautela.

    O ar estava carregado com cheiros novos para ele — fumaça de fogueiras distantes, o aroma picante de especiarias sendo vendidas em barracas próximas aos portões, e o odor úmido do rio que serpenteava ao lado da estrada antes de se perder nas colinas além da cidade.

    Mo Liang chicoteou levemente os cavalos, acelerando o ritmo enquanto a fila de viajantes à frente diminuía.

    — Aqui estamos, jovem Tianyu! A Cidade do Jade Brumoso, o coração da província de Yun. Olhe para aquelas torres, elas são feitas de jade puro, extraído das minas nas montanhas próximas. Elas brilham como estrelas à noite, guiando os viajantes perdidos. — Sua voz era animada, como sempre, contrastando com o silêncio pensativo de Tianyu.

    À medida que se aproximavam, Tianyu notou os guardas nos portões. Eram homens robustos, vestidos com armaduras de couro reforçado e capas verdes com o emblema da cidade: um rio estilizado circundando uma pedra de jade.

    Não pareciam cultivadores. Suas auras eram de mortais, sem o fluxo sutil de Qi que Tianyu havia começado a perceber instintivamente em si mesmo.

    Um deles, um homem de barba grisalha e olhos atentos, ergueu a mão para pará-los.

    — Identificação e propósito da visita — disse o guarda, sua voz rouca e autoritária, enquanto inspecionava a carroça com um olhar rápido.

    Mo Liang sorriu amplamente, puxando um pergaminho de dentro de sua túnica.

    — Boa tarde, capitão! Sou Mo Liang, mercador registrado. Estou retornando com mercadorias para minha loja no Bairro dos Mercadores. Este aqui é meu companheiro de viagem, Lin Tianyu, que me ajudou no caminho.

    O guarda assentiu, desenrolando o pergaminho e dando uma olhada rápida.

    Tianyu observou rapidamente o pergaminho que estava coberto de símbolos pretos. Letras, supôs ele, mas para Tianyu, que havia passado a vida inteira cego, eram apenas rabiscos indecifráveis.

    Ele nunca havia aprendido a ler; no Vale das Flores, sua mãe e irmã descreviam o mundo para ele, e os poucos livros da vila eram lidos para ele em voz alta.

    Agora, vendo aquelas marcas, sentiu uma pontada de frustração. “Tenho que fazer algo sobre isso” pensou, mas manteve o silêncio.

    O guarda ergueu uma sobrancelha ao ver o corte no rosto de Mo Liang, mas assentiu após verificar o pergaminho. Ele estendeu a mão para Tianyu. — E você, garoto? Tem algum documento? E o que há com essas roupas rasgadas.

    Tianyu hesitou. Ele não tinha nada, nenhum papel, nenhuma identificação. No vale, ninguém precisava disso.

    — Eu… não tenho — admitiu, a voz baixa.

    O guarda franziu a testa, mas Mo Liang interveio rapidamente. — Ele é de uma vila remota, guarda. Perdeu tudo no ataque. Eu respondo por ele. Aqui, uma moeda extra pela compreensão.

    O guarda pegou a moeda de prata que Mo Liang ofereceu discretamente e guardou no bolso.

    — A taxa de entrada é de dez moedas de bronze para a carroça, duas cada pessoa. E cuidado com os problemas dentro das muralhas. Com o exame da seita, estamos de olho em estranhos.

    O guarda pegou o pagamento da taxa de Mo Liang e acenou para que passassem.

    — Tudo em ordem. Bem-vindos à cidade.

    Mo Liang agradeceu com um aceno e guiou a carroça pelos portões abertos. Assim que entraram, o mundo mudou para Tianyu.

    A estrada de terra deu lugar a ruas pavimentadas com pedras lisas, ladeadas por edifícios de dois ou três andares, com telhados curvos e lanternas penduradas que começavam a ser acesas contra o crepúsculo.

    O barulho era ensurdecedor para os sentidos aguçados de Tianyu: o clangor de martelos em forjas distantes, o grito de vendedores anunciando suas mercadorias, o riso de crianças correndo entre as pernas dos adultos.

    Tianyu virou a cabeça, tentando absorver tudo. Uma barraca próxima vendia frutas coloridas que ele nunca havia visto — esferas vermelhas e brilhantes, como pequenas joias.

    — O que são? — perguntou para Mo Liang, apontando, sua voz baixa para não atrair atenção.

    Mo Liang riu, olhando na direção.

    — Ora, São maçãs do fogo, vindas das encostas vulcânicas que cercam o continente. Doces por dentro, mas com uma casca picante. Você nunca viu uma? Elas são bem comuns em toda Yundao.

    “Não… eu nunca vi muitas coisas.” pensou Tianyu balançando a cabeça, sentindo-se um pouco tolo.

    Ele já havia comido elas muitas vezes, O velho Zhang sempre costumava trazer algumas quando fazia suas viagens para as cidades próximas, porém não havia como ele saber como elas se pareciam.

    Mo Liang ergueu uma sobrancelha, surpreso pela pergunta, mas não insistiu, mudando de assunto para apontar um prédio alto com bandeiras esvoaçantes.

    — Ali é o salão da prefeitura, onde o governador cuida dos assuntos da cidade. A Seita do Rio Celestial tem muita influência por aqui, mas não administra diretamente. Eles ficam em sua montanha próxima, mas sempre enviam alguns discípulos para cumprirem missões aqui.

    A carroça continuou pelo Bairro dos Mercadores, onde as ruas se estreitavam e as lojas se multiplicavam. Tianyu observava tudo com olhos atentos, notando como as pessoas se moviam com pressa, negociando preços em vozes altas.

    Um grupo de mercadores discutia ao lado de uma pilha de caixas, e uma mulher com um bebê no colo barganhava por tecido. Era um mundo vivo, pulsante, tão diferente da tranquilidade do vale que doía no peito de Tianyu.

    Ele tocou o colar de jade, recordando sua promessa de vingança — talvez aqui que ele daria seu primeiro passo, um lugar para se fortalecer antes de confrontar seus inimigos.

    Finalmente, Mo Liang parou a carroça em frente a um edifício imponente, muito maior do que Tianyu esperava.

    Era uma loja de três andares, com fachadas de madeira polida e janelas amplas exibindo prateleiras cheias de ervas, frascos de pílulas reluzentes, tecidos finos importados e até espadas.

    Uma placa grande pendurada na entrada dizia “Emporium Mo” em letras douradas que Tianyu não conseguia ler, mas o tamanho e o luxo do lugar falavam por si.

    Funcionários vestidos com uniformes limpos saíram correndo para ajudar, saudando Mo Liang com reverências.

    — Essa… é sua loja? — Tianyu perguntou, surpreso.

    Ele havia imaginado Mo Liang como um mercador comum, viajando com uma carroça modesta, mas isso era um império comercial.

    O edifício ocupava metade do quarteirão, com clientes entrando e saindo — nobres com sedas finas, mercadores rivais inspecionando mercadorias, e até um ou dois cultivadores com auras fracas de Qi.

    Mo Liang riu, saltando da carroça com agilidade surpreendente para sua compleição.

    — Sim, jovem Tianyu! O Emporium Mo é o maior fornecedor de itens exóticos da cidade. Meu avô fundou isso há décadas, temos uma história antiga por aqui. Venha comigo para dentro, tenho que agradecer por sua bravura.

    Tianyu assentiu e desceu, enquanto os funcionários descarregavam a carroça e levavam as caixas para dentro da loja.

    O interior era ainda mais impressionante: prateleiras altas cheias de jarros de cerâmica, cheirando a ervas medicinais e incensos. Um balcão central exibia pílulas coloridas em caixas de vidro, e no fundo, uma escada levava a andares superiores com tecidos e joias.

    Enquanto olhava tudo aquilo maravilhado, Tianyu notou Mo Liang segurando a caixa de madeira ornamentada que ele protegia desde o ataque.

    Ela emitia um brilho sutil, um fluxo fraco de Qi azul dançava como névoa ao redor das bordas. Seus Olhos Celestiais, mesmo destreinados, permitiam que ele percebesse isso, despertando sua curiosidade.

    “O que há ali dentro?” pensou, mas manteve o silêncio, não era de sua conta.

    Após descarregarem tudo, Mo Liang chamou Tianyu para um canto reservado da loja, longe dos olhares dos clientes.

    — Agora, jovem herói, é hora de retribuir de verdade. Você salvou minha vida e minha mercadoria, aqueles bandidos teriam certamente me matado e levado tudo. — Ele disse enquanto gesticulava para um funcionário.

    O funcionário rapidamente trouxe uma trouxa de roupas novas: uma túnica de seda azul escura, bordada com padrões dourados, simples mas elegantes, calças pretas e botas de couro macio. Ao lado, um pequeno saco tilintava com moedas.

    — Não preciso disso. Eu ajudei porque não tive escolha. — Tianyu recusou balançou a cabeça, recuando um passo.

    Mo Liang insistiu, empurrando os itens para suas mãos.

    — Bobagem! Não sei pelo que você passou, mas suas roupas estão rasgadas e sujas. Aqui na cidade, a aparência importa jovem Tianyu. Aceite, por favor. É o mínimo que posso fazer por você. E essas moedas vão ajudar você a se estabelecer por um tempo.

    Tianyu hesitou, olhando para suas próprias roupas manchadas de sangue e terra. Ele não tinha nada além do colar de jade e sua determinação.

    — Está bem… obrigado. — Ele pegou os itens, sentindo o tecido macio contra a pele, algo que nunca havia experimentado no vale.

    Enquanto Tianyu se trocava em um quarto nos fundos, Mo Liang esperava do lado de fora. Quando ele saiu, o mercador assentiu aprovando.

    — Muito melhor! Agora você parece um jovem nobre. Diga-me, Tianyu, quais seus planos aqui na cidade?

    Tianyu pensou por um momento, tocando o colar.

    — Eu… quero aprender mais sobre cultivo. Onde posso encontrar conhecimento sobre isso?

    Mo Liang ergueu as sobrancelhas, surpreso.

    — Aprender sobre cultivo? Mas você já é um cultivador, eu vi como lidou com aqueles bandidos. Sua força não é a força de um mortal. — Ele indagou enquanto coçava o bigode.

    — Bem, não é da minha conta. Mas sabe, apesar de ser um mortal eu sei um pouco sobre o cultivo, tenho que saber para manter um negócio como o meu. — Mo Liang disse estufando o peito, orgulhoso.

    — Mas para cultivar sem ter muito dinheiro ou recursos… é muito difícil. Livros e técnicas custam muito caro, e podem apenas ser comprados com pedras espirituais, não com ouro comum. Além de que sem a orientação de um mestre, você pode danificar seus meridianos…

    Lin Tianyu já esperava que seria difícil, mas ouvir isso o fez sentir impotência. Ele precisava de uma forma de ficar mais forte, mas ele sequer sabia o que eram pedras espirituais.

    — Bom, acho que o melhor caminho seria entrar em uma seita. A Seita do Rio Celestial é excelente jovem Tianyu, justa, poderosa, com ótimos recursos para iniciantes. E eles treinam seus discípulos sem se importar com suas origens, apenas com seus talentos. Por que não tenta participar dos exames? Tenho certeza que você se daria bem, tendo visto sua força mais cedo. — Mo Liang disse motivando Lin Tianyu, vendo que ele parecia decepcionado com a dificuldade em cultivar.

    Tianyu assentiu, contemplando em silêncio. Ele tinha a carta de recomendação de Chen Wei no bolso, talvez esse pedaço de papel poderia lhe abrir as portas do cultivo.

    “Entrar em uma seita… tenho que pensar sobre isso.” Isso o fortaleceria para sua vingança, mas também poderia o expor aos inimigos que o procuravam, ele não sabia onde eles tinham olhos e se tinham alguma forma de o localizar. Ele precisava pensar mais sobre isso.

    — Muito obrigado Senhor Liang, terei certeza de retribuir toda sua ajuda no futuro. — Lin Tianyu agradeceu sinceramente, as conversas com Mo Liang no caminho e a ajuda que ele deu aqui foram muito importantes para ele.

    —  Bobagem, você salvou minha vida, estou apenas retribuindo.

    Antes de se despedirem, Mo Liang entregou um mapa rudimentar da cidade.

    — Aqui, a Hospedaria das Névoas Eternas fica no Distrito Residencial, perto do rio. Diga que irá se hospedar em meu nome, já mandei um servo ir até lá e informar que reservei um quarto para você. Tome um banho e descanse bem por enquanto.

    Ele chamou dois funcionários e pediu para que acompanhassem Lin Tianyu.

    — Eu preciso ir agora, tenho que fazer os arranjos para ajudar as famílias dos meus guardas mortos. Eles eram bons homens, deixaram esposas e filhos. Vou providenciar enterros decentes e pensões para suas famílias.

    Tianyu piscou, surpreso. Mo Liang era um homem rico, mas parecia se preocupar com seus empregados.

    — O senhor vai providenciar pensões para os familiares dos guardas mortos?

    Mo Liang sorriu tristemente.

    — Claro. Afinal negócios são negócios, mas pessoas são família. Vá agora, jovem. Se precisar de mim, pode voltar aqui sempre que precisar, não se preocupe que você sempre será bem-vindo.

    Tianyu acenou em despedida e saiu para as ruas, o saco de moedas no cinto e as roupas novas o fazendo se sentir estranho, mas mais confiante.

    O entardecer havia dado lugar à noite, com lanternas acesas iluminando as vias. Ele seguiu o mapa — ou tentou. Alguns símbolos eram indecifráveis para ele, então teve que perguntar direções algumas vezes aos vendedor de rua, apontando no mapa e descrevendo os pontos de referência que Mo Liang havia mencionado.

    Finalmente, chegou à Hospedaria das Névoas Eternas. Era um prédio elegante, com fachadas de madeira entalhada e um jardim frontal com flores que brilhavam fracamente à luz das lanternas.

    Não parecia uma pousada simples, era chique, com guardas na entrada e clientes bem-vestidos conversando no saguão.

    Tianyu hesitou, sentindo-se fora do lugar apesar das roupas novas, mas foi bem recebido ao mencionar o nome de Mo Liang ao recepcionista, que o levou a um quarto amplo no segundo andar.

    O quarto era grande, com uma cama macia com lençóis de seda, uma banheira de cobre para banho, e uma janela com vista para o rio. Tianyu sentou-se na cama, exausto da jornada, mas sua mente girava. A cidade era um mundo novo, cheio de oportunidades.

    Com a carta de Chen Wei, talvez a seita fosse o caminho. Mas primeiro, precisava pensar se essa era mesmo a melhor rota, se não ficaria muito exposto.

    Ele fechou os olhos, prometendo: “Vou me tornar forte o suficiente para destruir aqueles que me tiraram tudo.”

    A noite caiu sobre a cidade, e Tianyu, após um banho quente — o primeiro em dias — adormeceu com sonhos de vingança e poder.

    Enquanto isso, na loja, Mo Liang trancava a caixa de madeira ornamentada em um cofre escondido, ignorando o brilho sutil que emanava dela. “Amanhã, finalmente entrego para a Família Mei. Tenho que lhes informar sobre o ataque… que os céus protejam a jovem dama.”

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