Capítulo 2 Ameaça Silenciosa
Na Seita do Dragão Carmesim, o Salão do Conselho era uma caverna de obsidiana no coração do Monte. Estátuas de dragões com olhos de rubi ladeavam as paredes e uma mesa longa de pedra negra ocupava o centro.
Runas vermelhas brilhavam no chão lançando sombras que dançavam como chamas. Os doze Elders da seita sentavam-se ao redor da mesa com mantos vermelhos e auras que faziam o ar crepitar. Huo Yanlong estava à cabeceira com o rosto severo. A notícia do oráculo pairava como uma sombra.
— De acordo com o oráculo, o Clã Lin vive — disse ele com a voz cortante. — Yue Wuxin viu uma calamidade nascida do sangue deles numa região montanhosa. Não sabemos onde mas a ameaça é real.
O silêncio pesou até Huo Shentian, o Segundo Elder bater na mesa. Um homem corpulento com barba grisalha e olhos selvagens, ele era conhecido por sua brutalidade.
— Destruímos todas as vilas dessa região! Temos que queimar cada casa, cada campo, cada mortal, até o sangue dos Lin virar cinzas. Não deixamos nada vivo!
Huo Lianhua, a Quarta Elder, levantou a mão. Uma mulher de cabelos negros e olhos frios, ela falava com calma.
— Cuidado, Shentian — disse. — Somos uma seita ortodoxa, respeitada nos Nove Reinos. Matar mortais abertamente é contra os códigos. A Seita da Lua Prateada já nos observa, e o Imperador Tianhuo não tolera massacres. Se agirmos assim, seremos alvos.
Shentian bufou com desdém.
— Códigos? — disse. — A ordem celestial está acima de códigos! Os Olhos Celestiais são uma abominação, uma praga que desafia os céus. Se não agirmos, a calamidade que Wuxin previu nos destruirá!
Huo Wuji, o Sétimo Elder, recostou-se na cadeira. Um homem magro, com olhos astutos, ele era o mais cético do conselho.
— E se o oráculo estiver errado? — perguntou com um sorriso irônico. — Yue Wuxin fala em visões interpretativas, nunca claras. Destruir vilas por uma profecia vaga? Arriscamos nossa reputação por nada.
Huo Yanlong lançou um olhar que fez Wuji se calar. Sua voz saiu baixa, mas carregada de autoridade.
— As visões de Wuxin podem ser enigmáticas mas nunca falharam — disse. — Ela previu a ascensão do Clã Lin há décadas, por isso os exterminamos. Os caçamos até que seu último descendente, Lin Zhan, caísse sob minha própria espada. Se agora ela diz que o sangue deles ainda vive, isso não pode ser ignorado. Mas Lianhua tem razão, não podemos sujar as mãos diretamente.
Huo Lianhua inclinou a cabeça, com um brilho calculista nos olhos.
— Então, usemos lacaios — sugeriu. — A Seita da Garra Flamejante é leal a nós. Eles são ambiciosos, mas obedientes. Podemos ordenar que ataquem as vilas, disfarçando os massacres como atos de bandidos. Assim ninguém ligará os ataques ao Dragão Carmesim.
— A ideia de Lianhua é boa — disse Huo Yanlong. — A Seita da Garra Flamejante fará o trabalho. Ordene que exterminem todas as vilas da região. Os digam para não destruir os corpos, enviaremos coletores para testar o sangue dos mortais mortos depois para ver se realmente encontramos traços do sangue dos Lin. Se encontrarem, trarão provas.
Huo Shentian resmungou, mas assentiu. Os outros Elders trocaram olhares, alguns com medo, outros com fervor fanático. A decisão estava tomada.
De volta ao vale, Lin Tianyu ajudava sua irmã a pegar água no rio. A luz do sol iluminava a superfície do riacho criando reflexos que Tianyu não podia ver, mas que ele sentia no calor que tocava sua pele e no som das gotas que saltavam contra as margens.
O Vale das Flores era um lugar de sons, e para Lin Tianyu, cada um deles era uma pincelada em um quadro que ele pintava em sua mente, um quadro que ninguém mais poderia enxergar da mesma forma.
Ele estava agachado na beira do riacho, as mãos mergulhadas na água fria enquanto segurava o balde de madeira que Lin Xue havia largado ao seu lado.
A brisa soprava suave, carregando o cheiro úmido das pedras e o perfume das flores que cresciam nas encostas. Xue estava a poucos passos dele, os pés chapinhando na água enquanto enchia seu próprio balde, o som de suas risadas era como sinos entre as árvores que ladeavam o caminho.
— Você é lento demais, Tianyu! — Ela gritou, a voz carregada de provocação enquanto jogava um punhado de água em sua direção. As gotas acertaram seu rosto, frias e inesperadas, e ele ergueu uma mão para se proteger, rindo apesar do ataque.
— Você é quem me arrastou até aqui. Se eu for lento, é porque você não me ensinou melhor — retrucou Tianyu, sacudindo a cabeça para tirar a água dos cabelos.
Ele inclinou o balde, sentindo o peso da água subindo, e ajustou a posição com um movimento preciso, guiado pelo som do líquido contra a madeira.
Xue bufou, mas o som de seus passos na água se aproximou, e Tianyu sentiu o toque leve de sua mão em seu ombro.
— Você não precisa que eu te ensine nada. Sempre foi assim. Eu corro atrás das coisas, e você acha elas sem nem tentar.
Havia um tom de admiração em sua voz, escondido sob a brincadeira, e Tianyu sorriu, sem saber como responder.
Os dois continuaram o trabalho, o balde de Tianyu enchendo-se lentamente enquanto Xue contava uma história sobre o velho Zhang, o ferreiro da vila.
— Ontem ele tentou consertar a carroça do tio Li, mas a roda quebrou de novo e ele caiu na lama na frente de todo mundo. Você tinha que ouvir o grito que ele deu, parecia um porco assustado! — Ela riu alto, o som se espalhando pelo riacho, e Tianyu riu junto, imaginando o velho Zhang resmungando coberto de lama.
— Ele provavelmente culpou a carroça — disse Tianyu enquanto ria, levantando o balde cheio e equilibrando-o contra o peito.
Xue assentiu, embora ele não pudesse ver, e pegou seu próprio balde.
— Vamos levar isso pra casa antes que a mãe venha atrás de nós. Ela já deve estar separando as ervas, você sabe como ela fica quando demoramos.
O caminho de volta foi leve, os passos dos irmãos na terra macia enquanto o sol subia mais alto no céu. Tianyu sentia o chão sob seus pés, cada pedra e raiz um mapa que ele conhecia de cor, e o som do balde balançando em suas mãos marcava o ritmo da caminhada.
Xue ia à frente, cantarolando uma melodia simples. Ela não admitia, mas sempre fazia isso para ajudar Tianyu a se localizar.
Tianyu sabia, e seguia ela com os ouvidos atentos ao som de sua voz.
Quando chegaram em casa, Lin Mei estava na porta, as mãos cheias de folhas verdes que ela separava com movimentos rápidos e precisos. O aroma das ervas enchia o ar, um cheiro terroso e fresco que Tianyu sempre associava à mãe. Ela ergueu o olhar ao ouvi-los, a voz carregada de um calor sutil.
— Vocês dois demoraram tanto que pensei que tinham virado peixes no riacho. Tragam essa água pra cá, preciso lavar essas ervas antes de secarem.
Tianyu colocou o balde no chão ao lado dela e Xue fez o mesmo, rindo enquanto limpava as mãos molhadas na roupa.
— Se Tianyu fosse um peixe, ele ia ficar parado na água o dia todo, ouvindo as bolhas — disse ela, dando um empurrão leve no irmão.
Lin Mei balançou a cabeça, um sorriso brincando em seus lábios.
— E você ia assustar todos os peixes com esse barulho que faz. Agora me ajudem aqui, essas ervas não vão se lavar sozinhas.
Ela apontou para uma pilha de folhas ao lado da porta, e Tianyu se ajoelhou ao lado dela, mergulhando as mãos na água do balde para esfregar as ervas com cuidado.
Enquanto trabalhavam, Yu heng saiu de dentro da casa, o som de seus passos pesados na madeira anunciando sua presença antes que ele falasse.
Ele carregava uma rede de pesca enrolada no ombro, o rosto suado do trabalho na cerca que consertava na borda da vila
— A água chegou na hora certa — disse ele.
— Tianyu, venha comigo depois disso. Vou te mostrar como arrumar essa rede, está rasgada de novo.
Tianyu assentiu, sentindo o peso da confiança na voz do pai.
— Sim, pai. Só termino aqui com a mãe primeiro.
Ele continuou esfregando as ervas, o som da água contra suas mãos misturando-se ao som das folhas que sua mãe separava ao seu lado.
O dia avançava, e após terminarem com as ervas, Tianyu seguiu seu pai até um canto da casa onde ele desenrolou a rede sobre o chão. Tianyu ouviu o som das cordas ásperas roçando umas nas outras. Era áspero, mas familiar.
Tianyu sentou ao lado dele, as mãos tateando os fios enquanto seu pai explicava.
— Aqui, sinta esse rasgo — disse, guiando os dedos de Tianyu até um buraco na rede. — Você puxa assim, e depois amarra desse jeito. Não precisa ver pra fazer, é tudo no toque.
Tianyu ouviu com atenção, os dedos seguindo os movimentos lentos de seu pai, aprendendo o padrão das cordas enquanto o pai falava.
Era uma tarefa simples, mas havia uma calma no jeito que seu pai ensinava, uma paciência que Tianyu sempre admirava.
Enquanto isso, Xue saiu correndo para a vila, gritando algo sobre ajudar Li Hua com a galinha fugitiva. Tianyu ouviu os passos dela se afastarem, seguidos pelo som agudo da voz de Li Hua gritando ordens ao longe.
Ele sorriu, imaginando a menina de tranças correndo atrás do animal, e continuou o trabalho com o pai, o som da rede sendo consertada preenchendo o espaço entre eles.
Mais tarde, enquanto o sol começava a se pôr novamente, Tianyu caminhou lentamente até o centro da vila, guiado pelo som do martelo do velho Zhang.
O ferreiro estava na oficina, batendo em um pedaço de ferro com golpes ritmados, o clangor ecoando como um tambor distante.
— Tianyu, é você aí? Chamou Zhang, a voz rouca cortando o ar enquanto parava o martelo.
— Sim, tio Zhang — respondeu Tianyu, aproximando-se até sentir o calor da forja em sua pele. — Xue disse que você caiu na lama ontem.
O velho riu.
— Essa sua irmã fala demais. Foi só um tropeço, a culpa é da carroça do Li que não presta.
— Venha aqui, quer sentir como está ficando essa faca? Está quase pronta.
Tianyu estendeu a mão, e Zhang guiou seus dedos até o metal quente, mas não o suficiente para queimar.
Ele sentiu a textura áspera, o peso da faca, e assentiu.
— Vai ficar boa — disse, e o velho riu novamente, voltando ao trabalho.
— Por favor, diga para Xue ir pra casa quando ela voltar com a Li Hua, nossa mãe pediu para chamá-la.
— Pode deixar, elas já devem voltar. Agora que sua irmã está ajudando a pequena, quase sinto pena da galinha — disse o velho Zhang, dando risadas.
Lin Tianyu riu, imaginando o destino da pobre galinha.
Ele continuou conversando mais um tempo com o velho, até se despedir.
Velho Zhang ofereceu ajuda para guiá-lo de volta, mas Lin Tianyu recusou. Ele conhecia o caminho, mesmo sem enxergar.
Quando retornou à casa, o céu já se tingia de laranja. Ele não podia ver, mas podia sentir o ar mais fresco, carregado com uma brisa leve que acompanhava o som suave do riacho ao longe.
Ele sentou-se nos degraus outra vez, ouvindo os sons da vila. O martelo de Zhang, as risadas das crianças ao fundo, sua mãe com as ervas dentro da casa. Yu heng passou por ele, carregando a rede consertada e deu um leve tapinha em seu ombro antes de entrar.
Tianyu inclinou a cabeça, sentindo o vento em seu rosto, e deixou os sons do vale envolvê-lo como um cobertor familiar. Era um dia como qualquer outro, e ele não precisava de mais do que isso.
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