Capítulo 9 - Mundo Desconhecido
O céu acima de Lin Tianyu era um véu negro cravejado de estrelas, cada uma exalando um brilho que ele nunca soube existir. Ele caminhava sem rumo, os pés descalços pisando a terra fria das montanhas que cercavam o que antes era um vale cheio de flores, mas que agora era apenas uma terra morta.
O ar da noite era frio e cortante, carregado do cheiro de pinheiros e umidade, mas seus olhos, agora despertos, captavam tudo com uma clareza que ele nunca imaginou ser possível.
Árvores altas erguiam-se, suas folhas tremendo ao vento em um verde profundo que ele não podia nomear. A lua, um disco pálido pendurado no céu, lançava as sombras das folhas dançando sobre o chão.
Tianyu parava a cada poucos passos, os olhos arregalados enquanto tentava absorver um mundo que sempre foi apenas som e toque.
Ele foi cego desde o nascimento, preso em uma escuridão que moldou sua vida como uma prisão.
Durante anos, ele sonhou com a visão, com o “vermelho” que Xue descrevia nas flores, o “azul” do céu que sua mãe dizia ser infinito, as montanhas que seu pai dizia ser gigantes.
Mas agora que via, agora que tinha esse dom, as primeiras coisas que seus olhos capturaram não foram flores ou o céu azul.
Foram chamas. Sangue. A cabeça de sua irmã rolando na terra, os olhos dela cheios de lágrimas fixos nele. O corpo carbonizado de sua mãe com os braços retorcidos em uma súplica muda. O rosto de seu pai, contorcido em agonia enquanto implorava para ele fugir, antes que a espada o silenciasse.
Essas eram as primeiras cores de sua vida. O vermelho do sangue, o negro das cinzas e o laranja do fogo que devorou tudo o que ele amava.
Tianyu não conseguia parar de ver tudo de novo e de novo em sua mente, como um looping de sofrimento infinito. Sua mão se fechava firmemente enquanto as imagens voltavam, gravadas em sua mente como lâminas que não paravam de cortar.
Ele continuou em direção às montanhas, seguindo pelos cantos da estrada, tentando se afastar de toda aquela destruição. Seus os olhos vagavam por cada detalhe que cruzava seu caminho.
Uma pedra coberta de musgo brilhava úmida sob a luz da lua. Ele parou, inclinando a cabeça enquanto tentava entender qual cor essa pedra tinha, se esse musgo grudado nela era realmente o “verde” que sempre ouviu falar.
O som do vento nas folhas agora tinha forma, ele via as folhas e os galhos se mexendo, um movimento que antes era apenas um sussurro em seus ouvidos. Seu coração estava apertado por uma beleza que ele nunca conheceu antes, mas que agora não sabia como sentir.
Mais adiante, Tianyu avistou um riacho estreito cortando a encosta da montanha. A água refletia a luz da lua, brilhando como prata líquida, algo que ele nunca imaginou existir.
Ele se aproximou, hesitante, e se agachou à beira do riacho. Seus olhos seguiram o fluxo da água, captando pequenos redemoinhos que giravam sobre as pedras lisas do fundo. Era a primeira vez que via água em movimento, e ele estendeu a mão, deixando os dedos roçarem a superfície fria.
A sensação era familiar, mas agora acompanhada de uma imagem que parecia dançar diante dele. Ele ficou ali por um momento, fascinado, tentando entender como algo tão simples parecia tão complexo para ele.
Após um tempo contemplando o movimento da água ele se levantou e continuou.
Seus pés tropeçavam em raízes pois seus olhos se desviavam para o céu a todo momento. As estrelas, que antes eram apenas histórias contadas por Xue, agora piscavam como pontos de luz distantes, cada uma diferente, algumas mais brilhantes, outras quase invisíveis.
Com o pescoço inclinado para trás, ele em sua inocência tentou contar quantas havia, mas logo desistiu, atordoado pela imensidão. Era como se o céu fosse um pano infinito, e ele, pela primeira vez, podia ver essa sua vastidão com os olhos.
Ao seu lado ele encontrou um arbusto carregado de pequenas bolinhas com uma cor que ele não podia nomear, ao se aproximar e tocar nelas, ele conseguiu associar o formato as pequenas frutas que ele costumava comer com sua irmã, e que ela dizia serem vermelhas.
Ele arrancou uma e a segurou entre os dedos, girando-a para ver como a luz refletia em sua superfície lisa. Ele hesitou, querendo prová-la, mas a cor da fruta se juntou a memória do sangue de Xue, e a fruta caiu de suas mãos enquanto ele recuava.
Era tudo novo, tudo estranho, mas a alegria que poderia ter vindo com essas descobertas estava morta, enterrada sob as cinzas da vila que ele deixou para trás.
Seus passos o levaram a uma clareira onde ele parou e olhou ao redor. O mundo era vasto, maior do que os sons e toques jamais lhe contaram, mas ele estava perdido nele.
Sem a vila, sem sua família, sem um propósito além da raiva que queimava em seu peito. Ele não sabia o que fazer.
— Eu vou vingar vocês — sussurrou ele, os olhos brilhando enquanto encarava o céu. — Vou encontrar quem fez isso e fazer eles pagarem.
A promessa saiu firme, um juramento que ele fez ecoar em sua mente, substituindo sua visão de dor, mas logo o peso da realidade caiu sobre ele.
“Como?”… Pensou ele, os punhos cerrando-se enquanto a impotência o engolia.
Ele era fraco, um menino cego até pouco e que não sabia lutar, não sabia nada sobre a vida, que dependia de Xue para guiá-lo, de seu pai para ensiná-lo, de sua mãe para protegê-lo.
Contra homens que paravam rios, que queimavam vilas com um gesto, que cortavam cabeças com espadas voadoras, o que ele podia fazer?
— Sou um inútil. — Disse ele, a voz tremendo de raiva. — Sempre fui… e agora, mesmo podendo enxergar, não sou nada.
Ele caiu sentado na grama, os olhos fixos no chão enquanto tentava encontrar um caminho que não existia.
Tianyu não era idiota. Enquanto caminhava, enquanto as imagens do ataque giravam em sua mente, ele pensou sobre que viu.
O cultivador com o robe carmesim, o artefato que brilhou ao tocar o sangue de Lin Xue, a luz dourada que explodiu quando ele apareceu. Os invasores que queimaram a vila, os homens que riam enquanto matavam, todos eles procuravam algo, algo ligado à sua família.
E o homem do colar, a figura translúcida que o salvou, que falou com tanta tristeza ao tocar o rosto de sua mãe… Tianyu lembrava das palavras dele. “Lin Mei, minha pequena…”
Foram Palavras ditas com um amor que só alguém da família poderia carregar.
— Você é meu bisavô, não é? — Murmurou ele, levantando o colar com as mãos trêmulas. — Lin Zhan…
Ele apertou o jade, os dedos brancos de tanto pressionar, e gritou.
— Fala comigo! Por que eles querem a gente? O que foi que você fez?
Mas o colar permaneceu frio, opaco, silencioso como uma pedra comum.
Tianyu deixou a mão cair, o peito apertado enquanto as peças se juntavam em sua mente. O ataque, o artefato, o homem do colar, tudo estava conectado, mas ele não entendia como, e isso o deixava ainda mais perdido.
— Você disse pra eu fugir… mas pra onde — perguntou ele, a voz baixa agora, quase um sussurro. — Não tenho nada… não sei nada sobre o mundo…
Ele ficou ali, sentado na grama, os olhos vagando pela clareira enquanto o peso de sua solidão o esmagava.
Ele via o mundo agora, as árvores altas, o céu estrelado, a luz da lua que pintava a grama de prata, mas era um mundo que não o queria, um mundo que roubou tudo dele e o deixou com nada além de raiva e perguntas sem respostas.
Enquanto permanecia na clareira, Tianyu notou um pequeno pássaro pousado em um galho baixo, suas penas brilhando em tons que ele não sabia nomear, talvez fosse o “azul” que ele ouviu falar, talvez fosse outra cor, ele não podia saber.
Ele se aproximou lentamente, fascinado, observando como o pássaro inclinava a cabeça, seus olhos refletindo o luar.
Era a primeira criatura viva que ele via desde o massacre, e por um momento, ele se perguntou como algo tão frágil podia existir em um mundo tão cruel.
O pássaro grasnou, um som que ele conhecia, mas agora acompanhado de um movimento que o hipnotizava, antes de voar e desaparecer entre as árvores.
Um sentimento de cansaço o tomou e ele se sentou encostado na árvore, tentando falar com o colar novamente, segurando-o contra o peito enquanto sussurrava.
— Por favor… me diz o que fazer…
Mas o silêncio persistia. Tianyu deixou o jade cair contra o peito, com os ombros curvados enquanto a exaustão começava a dominá-lo.
O tempo passou, o frio da noite penetrando em seus ossos enquanto ele encarava o nada, com uma raiva e tristeza que ardiam fundo em sua alma.
Ele chorou mais uma vez, chorou por Xue, pelo riso dela que nunca mais ouviria, pelo rosto que só viu na morte. Chorou por sua mãe, que o guiava com mãos gentis, agora reduzida a cinzas. Chorou por seu pai, que morreu implorando para ele viver, um pedido que ele não sabia como cumprir.
— Me perdoem… — Sussurrou ele, a voz quebrada enquanto se deitava na grama, o corpo tremendo de cansaço. — Eu não sei o que fazer…
Seus olhos começaram a se fechar, a exaustão puxando-o para um sono que ele não queria, mas não podia evitar.
Mas então, quando a escuridão do sono quase o tomou, um brilho fraco cortou o ar. Tianyu abriu os olhos, o coração disparado enquanto via o colar em seu peito pulsar com aquela luz suave novamente, como uma chama que se recusava a morrer.
A luz cresceu e uma figura emergiu, translúcida e trêmula, pairando acima dele na clareira. Era o homem de antes, cabelos longos e brancos flutuando como névoa, rosto marcado por rugas profundas e os olhos que pareciam sempre cheios de uma tristeza infinita. Ele vestia o mesmo robe simples, desgastado, e sua forma parecia ainda mais fraca agora, como se cada aparição o consumisse um pouco mais.
O homem olhou para Tianyu e ficou em silêncio, como se as palavras fossem difíceis de encontrar. Tianyu também ficou parado, o corpo tenso enquanto encarava a figura, a raiva e a tristeza lutavam dentro dele como duas tempestades.
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