Capítulo 13 - Presa Fácil
O enorme monstro de pedra disparou em minha direção enfurecido. Eu paralisei de medo, ele parecia uma montanha, um ataque daquele bicho me mataria instantaneamente.
Quando cheguei próxima a uma súbita morte, escutei um grito salvador ao fundo.
— SILVIA! PARE!
Eu me virei quase chorando e vi a figura de um senhor bem magro e grisalho. Ele usava uma roupa um pouco rasgada e tinha uma barba longa e descuidada.
Assim que o senhor gritou, a besta rochosa parou.
— Pelos deuses! Me desculpe! Me desculpe! — disse o senhor correndo até mim — você está bem?
— Ah… É… Sim, obrigada — Com o monstro ainda ao meu lado, eu respondi em completo choque.
— Me desculpe de verdade! A Silvia é nosso cão guardião e ela sempre ataca quem invade a nossa vilinha.
“Essa coisa é o cão deles?” Nada fazia sentido. Como pessoas de uma vila destruída teriam domado uma fera deste tamanho? Quão forte eles eram de verdade?
O senhor apoiou meu braço em seu ombro reparando em minhas feridas e perguntou:
— Foi você que caiu do céu? Está machucada?
— Eu tô viva, acho que é o que importa. Hehe — disse com um sorriso nervoso.
— Por favor, venha, vamos cuidar de suas feridas.
— Muito obrigada! — Não senti maldade alguma em suas palavras, então aceitei a ajuda.
— Pode ir Silvia, obrigado por sua ajuda — disse enquanto fazia um carinho em sua cabeça. Logo depois fomos para a vila.
As casas estavam caindo aos pedaços, poucas delas estavam sendo sustentadas por árvores que cresceram ao redor delas.
A vila parecia abandonada há anos e essas pessoas estavam lá há pouco tempo.
O senhor parou em frente a uma porta que havia apenas a sua parte debaixo e qualquer um conseguiria passar por cima. Ele abriu a porta e disse:
— essa é a minha casa, entre por favor.
Dentro da casa tinha uma cama e uma mesa de madeira velha e mofada, com um de seus pés improvisados de galhos colados por um tipo de seiva. Eu entrei evitando encostar nos musgos espalhados pelo chão e parede.
— Sente-se por favor, vou tratar seus machucados — ele se agachou puxando uma maleta debaixo da cama — Aliás, meu nome é Martin, e o seu? — perguntou retirando algumas bandagens.
— Noelle.
— É um belo nome.
Enquanto Martin enrolava meu braço com as bandagens, perguntei:
— O que aconteceu aqui? Por que tá tudo destruído?
— Na verdade, não sabemos, já estava assim quando chegamos.
— Entendi…
Assim que Martin terminou de tratar minha ferida, eu me levantei.
— Muito obrigada mais uma vez, mas agora eu preciso ir.
Eu não sabia como, mas eu tinha que voltar para a caverna e me encontrar novamente com Saki e Akira.
— Mas já? Você parece tão magrinha, não quer comer alguma coisa?
— Não… — fui interrompida pelo meu próprio estômago que entregou minha mentira.
Eu me senti envergonhada no mesmo momento, era possível ver a cor vermelha no meu rosto aparecendo rapidamente.
— Hehe — ele sorriu gentilmente.
No fim, fui parar em uma outra casa, em uma mesa com mais 4 pessoas. Ao lado de Martin estava uma mulher, também de cabelo grisalho e bem magra. Ao meu lado, estavam dois homens loiros que não pareciam tão velhos quanto eu, mas um deles aparentava ter alguns poucos anos a mais do que o outro e pareciam bastante gentis e amigáveis.
— Noelle, essa é Berenice, minha esposa.
— Um prazer conhecê-la — acenou sutilmente.
— E esses são meus filhos, Bruno e Levi.
— É um prazer, Noelle! — disseram ao mesmo tempo.
— Obrigada por me receberem, é um prazer conhecê-los também.
Após nos apresentar, Martin serviu uma tigela de sopa para cada um. Ela parecia suculenta, o cheiro estava delicioso e os vegetais pareciam de ótima qualidade.
Assim que coloquei a colher na boca, minha mente explodiu. O sabor estava tão bom quanto o cheiro, nunca havia comido uma sopa daquela maneira.
— Hmm! Está uma delícia Dona Berenice.
— Uau! Você gostou? Que bom!
— O sopão da mãe é o melhor, não tem igual! — exclamou um dos filhos.
Nós comíamos silenciosamente, saboreando cada colherada, até que Levi, o filho que aparentava ser o mais velho, disse:
— Pai, eu achei pistas sobre o assassino sanguinário, ele…
— Levi! Eu disse para você deixar isso quieto! — interrompeu levantando a voz.
— Mas pai…
— Nada de “mas”, saímos de Dilarean para fugir dele, não para caçá-lo.
Levi se calou.
— Desculpa por isso Noelle, é que… O tio deles… O irmão de Martin… Tem sido um momento difícil para nós — Berenice se mantia firme enquanto falava, mas era nítido a vontade de chorar nos seus olhos e lábios.
O clima agradável acabou completamente, a sopa esfriou e todos saíram de casa, menos Berenice.
Eu a vi carregando a pilha de tigelas e panelas que usou para cozinha e me aproximei.
— Precisa de ajuda?
Antes que pudesse responder, peguei parte da pilha e levei em meus braços. Fomos até um poço que ficava no centro da vila. Ela puxou uma corda meio desgastada com muita dificuldade, então me ofereci para ajudar também. Puxamos um grande balde de água, onde Berenice começou a limpar a louça.
Em meio ao pôr do sol, estávamos silenciosamente limpando os pratos no qual comemos anteriormente, com um clima mórbido e lágrimas guardadas em sua garganta, ela falou:
— Noelle, sei que pode parecer demais, mas nem eu, nem o Martin conseguimos fazer os meninos esquecerem essa vingança. Você parece lidar bem com esse tipo de coisa… Pode nos ajudar? — me perguntou com lágrimas nos olhos.
Não sei de onde ela tirou que eu seria uma boa pessoa para resolver esse problema, mas não pude deixar de tentar ajudar.
“Eu só vi alguém que parecia muito perdida”
Me lembrei do momento em que fui socorrida a troco de nada, lembrei da pessoa que sou eternamente grata por ter me ajudado.
“Então é assim que você se sentiu, Saki?” pensei aflita
Olhando para o estado triste de Berenice, fiz o que julguei ser o certo.
— Eu vou tentar fazê-lo parar, mas não posso garantir que vou conseguir.
— Muito obrigada! — disse em lágrimas.
— Onde eles estão? — perguntei me levantando.
— Provavelmente estão com a Silvia, eles a adoram… — respondeu soluçando.
— Certo.
Saindo da vila, fui em direção ao campo de terra onde Silvia ficava e andei por um caminho rodeado por grama alta, em meio a um pôr do sol com cores lindas e vibrantes.
“Já tá ficando tarde… Tenho que encontrar aquela caverna logo”
De longe eu já via a couraça da besta, o que me levou a pensar o que ela seria.
— Galliard, o que é a Silvia?
“A Silvia é o filhote de um Terratopos, um dos titãs da natureza. Sua espécie já nasce com uma força bruta inimaginável e pode chegar a ter o tamanho de uma grande montanha”
— Isso é um filhote?! Espero nunca encontrar um Terratopos na vida.
Chegando ao campo, Silvia estava se alimentando de alguns pedregulhos com sua forte mandíbula.
Ela parou por alguns segundos e voltou a comer, com certeza ela me viu, mas entendeu que não sou uma ameaça. Eu dei algumas voltas pelo campo, mas não os encontrei de jeito nenhum.
Após o céu já ter escurecido e as estrelas começarem a aparecer, resolvi voltar para a vila. Lá, encontrei a dona Berenice entrando em sua casa.
— Dona Berenice!
— Oh, Noelle. Encontrou ele?
— Não…
— Que estranho, ele sempre está lá quando some da vila.
— A senhora tem algo que possua o cheiro dele?
Ela me olha com um sorriso malicioso.
— Tem interesse?
— Não! Não é nada disso! — a vergonha veio no mesmo momento — É só que eu poderia farejar e encontrar ele mais fácil assim.
— Sei, sei, meu filho é um gati… Pera aí! Farejar? — perguntou surpresa
— Sim, assim eu posso seguir o rastro dele.
— Por acaso… Você é uma Demi-humana?
— Ah… É… Mais ou menos… Nesse caminho…
Não é como se eu escondesse quem eu sou, apenas sempre evitei falar sobre.
— Não é comum ter um Demi-humano andando por aí. O que está fazendo aqui?
— Pra falar a verdade, nem eu sei.
De repente, um forte vento soprou por nós, quase levando meu chapéu.
— Essa não, está ficando muito tarde e ele ainda não voltou, é perigoso à essa hora.
— Eu posso encontrá-lo, só preciso de algo com o cheiro dele.
— Já sei! Entre.
Berenice me levou para dentro da casa, chegou perto das três camas que ficavam ao lado da mesa e se abaixou.
Ela passou alguns segundos tentando alcançar algo, até que voltou com algo em suas mãos.
— Aqui está! — ela segurava uma pequena cobra de pelúcia — Esse é o brinquedo de infância dele.
“Fofo” veio em minha mente por um instante
— Certo! Deve servir.
Eu me aproximei da pelúcia e tentei sentir seu cheiro.
— Achei! — sempre que farejava algo, um rastro semelhante a uma névoa se formava em minha frente e dessa vez não foi diferente.
Eu segui o rastro que levava para dentro da grama alta e lá continuei procurando. O rastro prosseguia se afastando da vila, o que começou a me preocupar.
Ao sair de dentro do mato, dei de cara com uma grande área vazia que terminava em uma pequena montanha com uma entrada.
De longe vi o filho de Berenice andando com uma grande mochila nas costas e me aproximei silenciosamente sem que ele me notasse.
— Você é o Levi ou o Bruno?
— Aaah! — gritou assustado — O que você tá fazendo aqui?
— O que VOCÊ tá fazendo aqui! Sua mãe está preocupada porque o filho ainda não voltou pra casa e ele não para de pensar em como matar um assassino.
— Eu VOU atrás do Assassino Sanguinário, ele matou o meu tio e nos fez morar nesta vila de merda!
— O que acha que vai conseguir se vingando?
— Eu não sei! Um alívio? Uma satisfação? Eu não sei! Só quero fazê-lo pagar!
— Volta pra cas…
— Você não entende! Sabe o que é perder um parente sem ao menos saber qual o rosto do assassino? Sabe o que é querer ir atrás desse filho da puta todos os dias? É CLARO QUE NÃO! — o garoto começou a chorar rios de lágrimas, sua revolta era compreensível.
Antes que eu pudesse argumentar, de dentro da grama alta, uma espada longa girou em minha direção. Eu consegui desviar facilmente, a pessoa que a jogou com certeza não tinha nem experiência, nem força suficiente.
A espada cravou no chão e em seguida, um grito foi disparado.
— Deixe-nos em paz! — o outro filho de Berenice correu em direção ao seu irmão.
— Bruno!
— Olha, se acalmem, vamos convers…
Sem nem me ouvirem, os dois correram em minha direção com suas armas. Eles tremiam e mal sabiam segurar uma espada, o desespero em seus olhos fez com que seus corpos se mexessem sozinhos.
Levi, o primeiro que avançou, tentou me acertar mirando a espada em meu pescoço e com um simples salto consegui sair do alcance de seu ataque.
O outro irmão, Bruno, pulou e atacou com a espada de cima para baixo. Eu não esperava um segundo ataque e por isso tive dificuldade para esquivar.
Em conjunto, ambos tentaram me acertar logo após seus ataques. A forma amadora de lutar fez com que suas armas colidissem. O impacto os desestabilizaram e me deu abertura para acabar com essa luta desnecessária.
Quando dei o primeiro passo para prendê-los no chão com teias de choque, fui recebida com dois chutes no estômago.
Eu deslizei para perto do campo gramado, mas consegui me manter de pé. Levi e Bruno se levantaram sorrindo e se preparando para atacar mais uma vez. Nesse momento, percebi que os subestimei e que a verdadeira amadora era eu. Seus ataques combinados e suas fintas me enganaram facilmente.
Seus erros propositais me pegaram de surpresa
Estava decidido que lutaríamos ali mesmo. Antes de avançarem novamente, o mais velho percebeu algo diferente. Bem na sua frente, havia um objeto que brilhava sutilmente sob a luz da lua.
Levi desarmou sua guarda e correu para pegá-lo desesperadamente e eu não entendia o motivo de seu desespero.
— Cara! Você deixou isso cair! — gritou com seu irmão.
— Eu não! Ela tava com você! — retrucou.
— Tsc! Tanto faz! Guarda isso aí direito agora — disse jogando o objeto para Bruno.
Eles se prepararam novamente para lutar, mas parei e perguntei:
— O que é isso aí?
— Nada…
— Não sabemos direito, mas parece um fragmento de chave…
— Bruno!
Aparentemente, essa era uma informação que eles não deveriam revelar.
— Você disse chave?
— Sim… — Levi respondeu em um suspiro — O Assassino Sanguinário carregava algo parecido pendurado em sua roupa.
Um fragmento de chave… o motivo pelo qual nos dividimos se tornou claro. Levá-los para Dona Berenice, agora era só uma consequência.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.