Capítulo 16 - Enchiridion
Ponto de Vista de Saki:
Passado algumas horas, Galliard veio até nós.
— Saki.
Me levantei ansiosa pela resposta.
— Tome cuidado em seu caminho, não subestime esse mundo. Sua habilidade em combate e raciocínio são excepcionais, mas tem coisas muito maiores por aqui.
— Isso quer dizer que…
— Exatamente, está pronta para seguir sua viagem.
Eu não sabia exatamente como me sentir, ao mesmo tempo que estava feliz em ter passado no teste, estava insegura quanto ao rumo da minha vida.
— Noelle, você também, falta refino em suas técnicas, mas com o tempo vai melhorar seus defeitos.
Ela pulou de alegria, nunca a vi tão feliz. Seus esforços foram reconhecidos e parecia que foi o que ela sempre quis em toda a sua vida.
— Obrigada Sr. Galliard! Prometo não manchar o legado das bruxas que foi passado a mim!
“Legado das bruxas?” Acreditava que agora ela fazia parte de algo muito importante e o peso disso a motivava.
— Já você Akira, infelizmente não foi uma luta justa para ti, mas tem um grande potencial escondido dentro de você, não desanime e siga sua jornada.
— Foi só uma desvantagem elemental, eu teria dado uma surra nele.
— Acho que cê não ganharia dele nem numa queda de braço — provoquei expressando um sorriso maldoso.
— COMO É QUE É? EU APOSTO QUE EU GANHO VOCÊ SÓ USANDO UM DEDO!
— Ah é? Vem pra mão então!
— Ei, ei! Parem de se provocar, hahaha! — interrompeu Galliard.
— É, relaxa aí esquentadinho…
— …
— Então, pra onde iremos agora? — perguntou Noelle.
— Agora que se tornou uma bruxa, deve ir à Ilha de Raven, a nação das Bruxas. Adquira mais força, mas acima de tudo, conhecimento. Uma bruxa ignorante, não pode se considerar uma.
— Certo! Vou dar o meu melhor!
— Recomendo que vá também, Saki. A Ilha de Raven é famosa por contar as maiores histórias do mundo, lá pode encontrar o que procura.
— Eu nem sei o que to procurando — a incerteza da minha jornada era algo que me trazia indignação todos os dias, era como se eu não tivesse um propósito.
— Sei que seu pai não te contou os detalhes, eu o conheço, ele gosta de fazer joguinhos, mesmo com assuntos que não se deve brincar, mas confie nele, ele sabe o que está fazendo.
Galliard e Elena pareciam confiar cegamente em meu pai, o que me levou a pensar quem ele era de fato.
— Quando partimos?
— Elena comprou suas passagens para amanhã de manhã, descansem enquanto isso.
— É claro que ela iria querer se livrar de nós quanto antes… — resmunguei.
— Temos poucas horas pra descansar, passamos um dia inteiro lá dentro… — Noelle parou por um momento ao perceber um pequeno detalhe — Pera aí, se passamos um dia fora, como o sol ainda está se pondo?
— Quanto tempo ficamos lá realmente?
— Foram apenas duas horas, mais do que o esperado por conta da minha distração.
— Essa variação de tempo vale pra todas as dimensões?
— Só se eu quiser.
“Esse cara por acaso é Deus?”
— Falando nisso, o que foi que aconteceu?
— Nada de mais.
Olhei desconfiada, mas achei melhor não questionar mais.
— Ainda temos algumas horas antes de partir, o que vão fazer?
— Eu vou precisar cruzar o mar para ir ao outro continente, nossas viagens se cruzam por um tempo, então é melhor eu tirar um cochilo.
— Outro continente? É uma viagem e tanto — respondeu Galliard surpreso.
— E você, Noelle?
— Acho que só podemos esperar agora.
Eu estava inquieta demais para poder dormir. Não saber o que me espera era algo que me incomodava profundamente, no fim, passei a noite em claro.
Prontos para partir pela manhã, nos despedimos de Galliard e fomos até o endereço que ele nos passou. Poucas pessoas estavam pelas ruas, o comércio começava a abrir enquanto o sol ainda emergia no horizonte.
— Parando pra pensar, Galliard falou que iriamos viajar, mas… com o que exatamente?
— Minha família viajava muito de barco, então só consigo pensar nisso — respondeu Akira cambaleando de sono.
— Uma cidade como essa não tem aviões? Pera aí! Será que eles usam Teletransporte? Portais? Cara, eu preciso ver isso! — por mais que eu já tivesse me acostumado com as coisas incríveis que esse mundo proporciona, não podia deixar de me maravilhar apenas com essas incertezas.
— EI! VOCÊ AÍ DO CABELO ROXO! PARADA! — De repente, 3 guardas musculosos apareceram correndo.
Não entendi o que estava acontecendo, instintivamente, levantei as mãos e continuei parada. Os guardas chegaram em instantes me cercando com suas lanças de aço.
— A Rainha Melissa exige sua presença, por favor, nos acompanhe sem resistir!
— Saki? O que foi que você fez? — Nos olhos de Akira era possível ver o julgamento que fez sobre mim.
— Eu não fiz nada!
— Soltem ela! Ela não fez nada! – gritou Noelle com suas garras e presas afiadas.
— Relaxa, Noelle. Eu só vou ver o que a tal rainha quer e vou embora.
— Tem certeza?
— Quem não deve, não teme. Tá tranquilo.
Escoltada pelos guardas, eles me dirigiram até um arranha-céu que facilmente estava acima das nuvens. Mesmo tendo dito que não temia, estava nervosa por me encontrar com a rainha.
Todos da torre me olhavam com julgamento, como se eu tivesse cometido um crime grave. Fui levada até um elevador onde deixamos dois guardas para trás.
“Por que eles diminuíram suas defesas justamente agora? Eu poderia facilmente fugir se eu quisesse”
O elevador, que não havia subido nem dois metros, parou e abriu a porta de frente para um longo corredor com um tapete vermelho por toda sua extensão. Esculturas, armas e livros dourados decoravam todo o interior juntamente com uma luz amarela dando destaque a seus detalhes.
O corredor finalizava com uma porta de adornos dourados e azuis, e em seu centro se encontrava um brasão no formato de lótus com uma joia vermelha entre as pétalas.
Calmamente, o guarda que me acompanhava abriu a porta lentamente.
— Vossa Alteza, ela está aqui.
Passando pela porta, o ambiente cegava meus olhos. O forte brilho do ouro iluminava tudo ao redor, muitos diriam que um lugar digno de uma rainha. Ao fundo do grande quarto, avistei uma silhueta de frente para uma janela onde era possível ver toda a cidade.
Ela lentamente se virou com as mãos para trás, revelando seus olhos esverdeados e cabelo castanho. Brincos dourados e um grande vestido vermelho traziam para si um ar de nobreza desigual. Mesmo sendo a rainha, ela não parecia ter mais de 20 anos, eu esperava alguém bem mais velho. Puxando um leque aberto para perto de seu rosto, disse:
— Uma vez um velho sábio me disse: “Aqueles que podem voar, deveriam voar”. Consegue completar a frase, Saki Nakamura? — sua voz aveludada e gentil ecoou pelos meus ouvidos, me surpreendendo com uma frase na qual nunca me esqueci
— “Não tem necessidade de ficar preso ao chão”
— Conhece o autor desse livro?
— Sim… Ele é meu pai, mas ele nunca publicou.
— Não tenho tanta certeza disso…
Quando meu pai estava trabalhando, sempre havia um livro que o acompanhava. Lembro de tê-lo pego e lido escondida nos lençóis, tenho certeza de que ele deixou e tenho mais certeza ainda de que nunca vi esse livro em outro lugar. Um bom livro infantil nunca publicado.
— Aonde quer chegar com essa conversa?
— Tenha mais respeito! — o guarda repreendeu.
— Não há problema, está dispensado. Deixe-me a sós com essa garota.
— Sim, Alteza! — saiu sem questionar.
— Qual o problema? Não tenho muito tempo.
— Não se preocupe com isso. Precisamos conversar.
— Vai comprar outra passagem pra gente? — perguntei em um tom irônico.
— Se precisar.
Por um momento, havia me esquecido de que estava falando com a rainha.
Ela andou silenciosamente em direção à janela.
— É tão cansativo governar esse lugar — disse em um suspiro — O que acha, de me juntar a você?
— Como é? — eu não acreditava no que acabara de escutar.
— Tô brincando — riu sutilmente — tem muito trabalho aqui.
— Eu não tô entendendo. Por quê me chamou?
— Há muito tempo, o Velho Sábio salvou minha vida quando era criança. Ele ajudou a mim e aos meus amigos em um momento difícil, mas um dia desapareceu. Antes disso, ele deixou uma mensagem, dizendo que em um futuro, uma criança “exótica” chegaria a este mundo. Bem, e 6 meses atrás, apareceu uma forasteira na cidade, alguém que carregava o mesmo colar que o Velho carregava. Quem diria que a criança seria a sua filha.
Fiquei feliz por saber um pouco mais sobre o meu pai.
— Como sabia que estava aqui?
— Não para minha felicidade, eu sei tudo que acontece por aqui. Quem entra, quem sai, para onde vão, o que querem, tudo.
— E o que isso tem a ver comigo? — Tentei ir direto ao assunto, não queria deixar Noelle e Akira esperando.
— Já disse que não precisa se preocupar. Neste exato momento, seus amigos devem estar comendo algumas trufas recheadas.
— …
— O principal motivo que te chamei aqui, foi apenas para te ver. Devo minha vida ao Velho Sábio e consequentemente, a você.
— Sou só uma zé-ninguém, tem certeza que quer dever sua vida a mim?
— De fato, ainda não é tão poderosa quanto eu, não faria diferença. Na sua idade eu já era mais forte do que meu irmão e seus cavaleiros.
— Você não é a rainha à toa, não é?
— Enfim, gostaria de lhe dar esse presente, vai ser de grande ajuda.
A rainha Melissa andou até uma estante de livros próxima à janela e pegou um livro velho de capa robusta.
— Um livro?
— O livro.
Ela o pôs em minhas mãos virado para baixo, curiosa olhei para a capa rapidamente. O livro era intitulado como “Enchiridion” e parecia ter sido escrito há milhares de anos.
— Como esse livro vai me ajudar?
— Só vai descobrir lendo, só tenta não dobrar as páginas.
— Hum… Obrigada pelo presente, sei de alguém que pode me ajudar.
— Noelle um dia saberá para o que serve, deixe que o tempo lide com isso — eu não me lembro de ter citado esse nome para ela.
— Cara, você é assustadora? Quantos anos você realmente tem?
— Assustadora? — riu ao me responder — Só tenho 19 anos, pareço mais velha para você? Fufufu.
— Você só fala como uma velha mesmo hahaha.
— Oh! — felizmente, ela não se ofendeu com o que disse e apenas continuou rindo.
— Agora, se me permite, estarei partindo, Vossa Alteza — disse em um tom irônico, a reverenciando com respeito.
— Vá, seus amigos a esperam.
Assim que abri a porta, a rainha completou:
— Antes que me esqueça, o Enchiridion é de extrema importância para todos os povos, não deixe que descubram que o possui.
— Certo, podexá.
— Também tome cuidado com esse mundo, principalmente com o Caos.
Fiquei em silêncio por um momento, mas logo me despedi.
— Obrigada.
Após sair, andei calmamente pela rua pensando no que a rainha disse, até me lembrar de que já estava atrasada para a viagem.
Corri em direção ao lugar onde os guardas haviam me parado, mas quando cheguei, Noelle e Akira não estavam lá.
— Saki? — ouvi a voz de Noelle por um momento.
Me virei rapidamente procurando por eles e os encontrei em uma pequena loja de doces com mais alguns guardas. Diferente de Noelle que estava sentada quieta em uma cadeira, Akira comia todos os doces que via pela frente.
— Quê que cês tão fazendo? — Fiquei desacreditada com o que meus olhos presenciaram.
— Eles nos deram doces enquanto esperávamos — rindo, ela jogou uma pequena bala para mim, enquanto o Akira ao menos me escutava.
— Quantos vocês comeram?
— Só alguns, mas ele ali não parou de comer desde que você saiu — respondeu apontando para o rapaz que não saia de perto dos doces.
— Ele vai passar mal…
— Eu avisei.
— Quanto tempo falta para partirmos?
— Uns 30 minutos.
— É melhor irmos logo, não quero dar problemas para a rainha.
— Falando nisso, o que ela queria?
Contei brevemente a Noelle o que havia conversado com a rainha Melissa.
— Uau! Seu pai parece ser uma pessoa incrível!
— E ele é mesmo. Ah! Ela também me deu isso de presente.
Lembrei que Noelle poderia saber para o que ele serviria, então tirei o Enchiridion rapidamente de minha mochila.
— O Enchiridion? Ela te deu isso?
— Sim, disse que você saberia o que é.
— Bom, saber eu sei, mas não sei como abri-lo.
— Como assim? É só um livro — tentei passar as páginas ao responder, mas não conseguia abrir de forma alguma.
— Você nem tentou abrir ele?
— Com o que fecharam essa coisa? — Independente da força que fazia, o livro não se abria.
— O Enchiridion é um livro sagrado, não vai ser tão fácil quebrar um Selo Divino.
— Se tem uma forma de quebrar, então vamos fazer isso!
— Estamos indo para Raven, o conhecimento mágico das bruxas são incomparáveis, podemos achar uma forma de fazer isso lá.
— Por que não perguntamos para Galliard?
— Duvido que ele nos diga.
— Fala sério… — enquanto estávamos conversando, Akira ainda comia doces como um animal — Dá pra alguém parar esse cara?
Saímos da loja de doce comigo arrastando um homem desacordado pela rua até o Porto Central de Shryne.
— Olá! Como posso ajudá-los? — Uma moça de cabelos longos e castanhos nos cumprimentou assim que chegamos no local.
— Ah, é… Temos uma viagem para a Ilha de Raven em alguns minutos.
— Ilha de Raven? O Sr. Galliard mandaram vocês aqui?
— Isso.
— Só ele mesmo — riu brevemente — Partirão em 10 minutos, me acompanhem por favor.
A atendente nos levou até nosso embarque passando por diversas filas enormes, curiosa, perguntei para Noelle.
— Eu esqueci de perguntar para Galliard, mas do que exatamente iremos viajar?
— Não sei, ele não nos disse nada sobre.
— Querem saber como irão para Raven?
— Sim, Vamos de Barco ou de Avião?
— Avião? Estamos em 4999. Paramos de usar aviões há quase 2 milênios.
— O quê? 4999?
— Aonde você tava todo esse tempo? Debaixo de uma caverna? — respondeu Akira ainda sendo arrastado por mim.
— Você tá acordado? — larguei ele brutalmente no chão.
— Chegamos!
Não havia notado antes, mas já tinha se passado alguns bons minutos desde que não víamos grandes filas no porto. Estávamos em uma linha vazia e abandonada com uma porta de madeira, o lugar mais sujo do porto que rodeava toda a costa.
— Ela já deve estar chegando. Ao subirem, se segurem firme e não soltem até que estejam no ar.
— Espera um pouco, disse que não usam aviões há 2 milênios.
— E não usamos, mas a Ilha de Raven aceita apenas um método de transporte internacional, as Serpentes Dupla Elementais.
— Serpentes o que?
De repente, algo correu rapidamente pela água.
— Ah! Ela chegou, tenham uma boa viagem.
A porta de madeira se abriu com muita dificuldade, quase caindo aos pedaços, revelando algo que se assemelhava com um grande dragão rosa.
— E-Essa é a serpente?
— Sim! — Subimos em suas costas com medo do desconhecido, um frio na barriga me atormentava — mas tenham cuidado, a cidade de Raven não é visitada há anos — disse a atendente após estarmos em cima da serpente prontos para partir.
— Pera, tá falando SÉRIO… — A serpente disparou em alta velocidade sobre a água, todos nós gritamos assustados até nossas bocas se encheram de água pelo mergulho que a criatura fez repentinamente. Em poucos segundos, ela se impulsionou para cima com a água e pairou pelos céus.
Após recuperarmos nossos sentidos, Noelle estava maravilhada com a situação, enquanto eu e Akira vomitamos no mar.
— QUE INCRÍVEL!
— Espero nunca mais fazer isso…
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