Capítulo 17 - Nem tudo é o que se espera
— Sério que vocês não estão enjoados com isso? — Akira, com o rosto esverdeado, se segurava firme nas escamas da serpente tentando não cair.
— Fui pega desprevenida no início, mas meio que me acostumei com isso.
Noelle continuava desacreditada com a bela visão do mar. Me aproximei para ver o que tinha de tão bonito naquilo, mas assim que olhei para baixo e vi a imensidão do mar, minhas pernas tremeram de medo. Tentei desviar o olhar e continuei olhando para o horizonte.
— Hm?
— O que foi Noelle? Viu algo?
— Ali — estendendo sua mão, apontou para o corvo que sobrevoava os mares sozinho.
— Nossa! Tá muito longe, mal consigo ver ele!
— Dizem que a Ilha de Raven é rodeada por corvos, estamos perto.
Ao ouvir as palavras de Noelle, Akira correu como um louco e se jogou da serpente para o mar.
Felizmente, consegui agarrá-lo pelo braço, mas seu peso fez com que também me derrubasse.
— TÁ MALUCO, PORRA?
— SAKI?
— EU VOU NADANDO!
— TU VAI MORRER!
Em uma tentativa desesperada, Noelle pulou para nos salvar em pleno ar.
— VOCÊS COMERAM MERDA? — gritei ao ver que todos estavam em queda livre
Vendo que nós estávamos caindo, a serpente mergulhou em nossa direção. Eu gritei balançando o corpo de Akira enquanto ele já parecia estar desacordado. Quando estávamos prestes a bater com tudo na água, nossa grandiosa salvadora passou rapidamente, rasgando as águas e nos levando de volta aos céus.
— EU VOU LHE MATAR! EU VOU LHE MATAR! EU VOU LHE MATAR! — eu gritava enfurecida segurando o causador desse desespero pelo pescoço.
— Saki! Se acalma! — Noelle tentou me parar, mas não o largava por nada.
Após alguns bons minutos, finalmente nos acalmamos. Noelle suspirava aliviada por eu não ter estrangulado Akira e deixei o mesmo sentado e imóvel enquanto o ameaçava apenas com o olhar.
— Estamos chegando, já tem muitos corvos por perto.
À medida que nos aproximávamos, vimos uma névoa densa rodar todo o território de Raven, a serpente se inclinava e diminuía sua velocidade para perto de um cais de madeira na costa da ilha. Assim que pousamos, a atmosfera mudou drasticamente, o ar se tornou pesado, o clima escureceu subitamente e o céu estava coberto por nuvens carregadas.
“Que estranho, minha mana…”
— É um pouco diferente do que imaginava.
— Saki? O que ele tá fazendo? — antes mesmo que pudesse olhar para a ilha, Akira beijava o chão agradecendo a todas as divindades.
— Eu nem conheço esse cara…
— Obrigado por nos trazer até aqui — Noelle agradecia a serpente que logo levantou voo novamente.
— O que aconteceu aqui? Árvores mortas, ossos pelo chão, é até mesmo difícil de respirar.
— Aquela moça nos disse que a ilha não é visitada há anos, talvez tenha sido abandonada.
— Melhor acharmos logo um lugar para ficar.
— Não tem nenhum mapa na sua mochila? — Akira enfim se levantou.
— Cala a boca antes que eu te jogue no fundo do mar.
— Fale o que quiser, mas você também estava com medo.
— Com medo? Aquilo não era medo, apenas não sou a maior fã do mar aberto.
— Sei…
— Saki, você estava com o mapa da floresta e o da cidade, talvez tenha algum dessa ilha.
— É possível, vai ser difícil procurar por algo que não tenho certeza se possuo, ainda não me acostumei totalmente a usar essa mochila.
No fim, não encontrei nenhum mapa em específico, tudo que consegui foi pegar todos os papéis de uma vez.
— Vamos ter que procurar um a um, me ajudem aqui.
Havia dezenas de mapas, dei alguns deles para Noelle e Akira e procuramos pelo o que precisávamos. Estava passando as folhas uma por uma até olhar para o lado e perceber que entre os papéis que Akira carregava havia algo que ele não deveria ver, uma carta que escrevi durante meu treinamento com Elena.
— Já terminei por aqui, Akira, me dá uma parte — sutilmente, peguei a carta assim que ele me passou os outros mapas.
“Seria constrangedor se ele visse isso, melhor guardar direito”
— Achei! — gritou Noelle.
Fomos rapidamente até ela e vimos o mapa. Não era uma ilha tão grande e parecia um pouco diferente do que estava no mapa, além disso, três pontos marcados no mapa me chamaram atenção.
— Bar do Lírio Verde, Gioll e Biblioteca… Para onde vamos?
— Melhor irmos para o bar buscar informações, confesso que tô um pouco curiosa sobre o que é Gioll.
— Então vamos logo, preciso beber algo logo.
Deixei o mapa nas mãos de Noelle, se eu os guiasse, certamente estaríamos perdidos. Ela tinha um forte senso de direção, o que nos ajudou a chegar no bar em poucos minutos.
Um estabelecimento um pouco desgastado, uma placa pintada com tinta neon verde estava pendurada por teias de aranha que iriam cair a qualquer momento. A frente do lugar possuía uma porta como aquelas vistas em filmes de velho oeste, mas apenas seu lado direito estava firme na parede, enquanto o outro lado estava jogado no chão.
— Acho que eu consigo passar mais alguns dias sem água…
— Ainda vamos entrar? — perguntou Noelle.
— Vamos só fazer umas perguntas e sair rápido, nada de mais.
Quando entramos, nos surpreendemos com o ambiente bem cuidado, diferente de sua fachada, as mesas e cadeiras estavam em bom estado e os drinks atrás do Barman pareciam de ótima qualidade. Em toda extensão do lugar, havia apenas um homem bebum de cabelos negros largado do balcão coberto por um sobretudo bege e uma máquina de dança isolada no fundo.
— Talvez não seja tão ruim assim.
Ficamos aliviados com a surpresa e decidimos entrar e tomar uma bebida. Nos aproximamos do balcão onde um Barman limpava restos de bebidas jogados ao redor do homem desacordado.
O Barman aparentava ser um senhor de idade, com um cabelo grisalho e jogado para o lado tentando esconder a falta de cabelo. Ele usava um monóculo dourado que se apoiava em seu grande nariz redondo. Ao nos ver, parou tudo que estava fazendo e disse:
— Oh! Clientes! Sejam Bem-Vindos!
Após cumprimentá-lo, sentamos rapidamente nos bancos.
— Me vê uma água, por favor, campeão — Akira pediu sua bebida antes mesmo que o Barman pudesse perguntar.
— Claro! E as senhoritas? O que vão querer?
— Só um suco, por favor — pediu Noelle educadamente.
— Alguma preferência?
— Qualquer um que esteja gelado.
“Uau, ela realmente tá pedindo” Eu me perguntava como Noelle iria interagir com outras pessoas, quando saímos para passear pela cidade ela sempre estava indecisa e eu tinha que pedir tudo. Vê-la tomando decisões por conta própria me deixou aliviada.
— Sem problemas!
— O que tem de bom pra beber?
— Além de suco e água, temos bebidas gaseificadas e vários drinks.
— Tem saquê?
— O melhor da região!
— Vou querer uma garrafa.
— Certo, um momentinho.
Com nossos pedidos anotados, ele desceu de um banquinho e foi pegar as bebidas.
“Um anão?” era o que nossas expressões diziam.
As bebidas chegaram em poucos minutos, o pequeno senhor subiu em seu banco e nos entregou com copos de diferentes tamanhos.
— Aqui está!
— Obrigada.
— Ei, velho, esse cara tá aqui há quanto tempo? — perguntou Akira apontando para o bebum ao seu lado.
— Já tem algumas horas, mas ele tá respirando, não tem problema — respondeu enquanto dava alguns tapas em seu rosto.
— Ele tá babando…
— É sempre assim. Deixem ele, não vai incomodar.
Passamos um bom tempo descansando em um espaço com um sofá, algumas poltronas e uma mesa, e sozinha, tomei toda a garrafa de saquê e o álcool começou a subir para a cabeça. Como resultado, avistei a máquina de dança ligada tocando algumas músicas.
— Eu vou tentar… — Ainda estava meio sóbria, então estava consciente das minhas ações futuras.
— Tem certeza? Ainda temos que procurar um lugar para ficar — perguntou Noelle preocupada.
— Tenho. Relaxa.
A máquina era ligada a um piso onde tinha gravado setas em várias direções, olhei para aquilo e pensei:
“Não deve ser tão difícil”
Escolhi qualquer música que o jogo me permitia e comecei a remexer aos poucos e lentamente fui pegando o jeito. Eu já estava fazendo altas pontuações no placar de jogadores, subindo cada vez mais no ranking.
— Deixa eu jogar um pouco — Akira chegou cortando a minha diversão ao meio.
— Pera aí! Tô quase batendo o recorde!
— Nem se esforça muito, você não vai me passar — uma provocação bem sucedida.
— Como é? Tenta aí então!
— Hehe! — um sorriso maldoso veio em sua face
Assim que o deixei jogar, me arrependi instantaneamente. Ele estalou todas as juntas do seu corpo, o que logo me fez engolir seco.
— Tá tentando se aparecer? — tentei fazê-lo parar ao ver que ele estava colocando todas as opções na maior dificuldade possível.
“Em 3, 2, 1 VAI!”
Seus passos assustariam até mesmo o deus das danças, fiquei de queixo caído com seus movimentos.
— O garoto manda bem — disse o barman chegando ao meu lado.
— Eu tenho que admitir, ele tem o gotejo.
— É ISSO AÍ! — gritou ao bater todos os recordes da máquina — Tinha tempo que eu não dançava!
— Isso foi do caralho! Desde quando você dança assim?
Enquanto eu estava impressionada com os passos de Akira, dois homens entraram no bar chutando a porta.
— Saki, calma aí… — Akira se afastou e ficou observando os dois de longe por trás de uma pilastra de madeira — Esses caras parecem problemas…
Levemente embriagada, não me toquei no que estava acontecendo e subi na máquina de dança novamente.
Ponto de Vista de Akira:
— Ei, velhote! Traz a porra da minha cerveja! — o homem mais a frente, mal-educado e escandaloso, tinha um corpo largo e usava roupas sujas de vômito e bebida, também segurava uma garrafa de vidro quebrada com sangue pingando em sua ponta.
Um outro rapaz mais alto, sua cabeça quase alcançava o teto do bar, chegou calado vestindo uma roupa escura, disfarçando de forma porca o sangue que a sujou.
— Estão sujando todo o meu bar, peço que voltem quando estiverem limpos.
— Eu disse, traz, a porra, da cerveja! — o ameaçou com a garrafa próxima ao seu pescoço.
— C-Certo.
— Saki! Quer parar com isso por um instante? — perguntei sussurrando.
— Não!
A voz de Saki chamou a atenção dos encrenqueiros rapidamente.
— Olha! Tem gente que vêm a esse bar todo fudido é? — chegou cada vez mais perto do sofá onde Noelle estava — Uh? Essa cidade tem uma belezinha como essa?
Noelle fingia que ambos nem estavam ali e continuou tomando sua bebida.
— Não tá me vendo aqui não? — puxou seu queixo para perto de seu rosto.
— Uhg! — ela derramou o suco em cima da mesa — Me solta!
— Não… Hoje foi um dia estressante e tem tempo que não me satisfaço… Você apareceu na hora perfeita — com seus grandes braços, suspendeu Noelle a pressionando contra a parede e retirando a fivela de seu cinto.
— Não! Me larga!
No momento em que vi o desespero de Noelle, deixei de me esconder e incendei meu punho.
— PAR…
Antes que eu gritasse para ele parar, escutei o som de uma lâmina saindo de sua bainha e em seguida, um silêncio absoluto.
Eu olhava para os olhos em prantos de Noelle e sua expressão de medo sendo lavada pelo sangue que escorria em seu rosto. Quando me dei conta, a cabeça do maldito estava decapitada no chão, Noelle caiu no chão tossindo com a mão em sua garganta e logo corri para ajudar.
— Noelle? — gritei preocupado.
Meu grito finalmente tirou a mente de Saki de dentro do jogo e ela logo se virou.
— Quê? Noelle?
Saki e eu ajudamos Noelle a se levantar, ela estava em choque, com o rosto coberto por sangue e sem palavras.
— Que merda aconteceu aqui? Por que ela está coberta de sangue? — o álcool desapareceu da cabeça de Saki e ela parecia estar sóbria novamente.
— Aquele idiota tentou estuprar a amiga de vocês — uma voz grossa e máscula com tom de seriedade entrou por nossos ouvidos.
Assim que olhei para cima, um homem alto de cabelos negros e barba rala estava de pé segurando uma grande katana em suas mãos. Ele vestia um sobretudo bege aberto, algumas faixas que cobriam apenas sua barriga e calças também bege, porém sujas.
— Desgraçado… Logo quando eu não estava por perto! Que porra!
— Vi que você ia agir garoto, mas apenas queimar seu rosto não iria resolver o problema, quando atacar, tem que acertar pra matar.
— Droga…
— Hm? — De repente, uma grande sombra nos cobriu.
O outro homem que havia entrado no bar estava nos olhando com ódio nos olhos, seus braços e boca estavam abertos como uma besta, assim ameaçou nos atacar.
— Você também quer morrer, é? — disse com a katana cortando levemente o pescoço do gigante.
Ele abaixou os braços e lágrimas escorreram de seus olhos, em um relance, consegui ver que dentro de sua boca não havia língua, por isso, sem dizer uma única palavra, deixou o bar arrastando o corpo do seu companheiro e carregando sua cabeça debaixo dos braços.
— S-Seu nome… Como se chama? — perguntou Noelle.
— Karayan.
— Muito obrigada…
— Também agradecemos, mas Noelle, agora você precisa lavar o seu rosto.
— Certo…
Saki se levantou com Noelle e a levou para o banheiro, enquanto eu fiquei a sós com Karayan.
— Você disse que aqui eu precisava acertar para matar, é sempre assim nesse lugar?
— É uma pena.
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