Capítulo 26 - Transferência
Assim que senti meu corpo livre da pressão mágica, eu olhei para o céu e vi claramente os olhos perversos por baixo daquela máscara.
— Samaell… — pensei que ao ver aquele que matou a minha mãe eu conseguiria manter a calma, mas eu estava enganada.
A fúria subiu a minha cabeça, meu corpo descarregava eletricidade descontroladamente, minha pupila se transformou em uma linha vertical, como a de um verdadeiro e puro lobo prateado. Sem conseguir pensar em mais nada, saltei em sua direção!
— Desgraçado — disse em um murmúrio rangendo os dentes.
De repente, Saki me segurou em seus braços pelo ar, me impedindo.
— Noelle! — gritou ao aterrissar.
— Saki? O que tá fazendo?
— Você não pode lutar com esse cara ainda!
— Como assim não posso? Eu não vou deixar ele ir embora!
— Noelle, escuta. É nítido que você cresceu e está mais forte, mas é mais nítido ainda que esse cara está além do que a gente possa imaginar.
— Esse desgraçado… ele tirou TUDO de mim — perdendo a racionalidade, nos braços da minha amiga, eu comecei a gritar — Se não fosse ele, eu não teria passado por tudo aquilo! Ele matou a minha mãe! — as lágrimas vieram em seguida.
— Sim, ele matou a sua mãe, mas antes disso, ele matou a Bruxa Celestial!
— Então o que vai fazer? Você por acaso pode lutar contra ele?
Minha pergunta trouxe aos olhos de Saki uma clara dúvida, mas logo em seguida, seu sorriso brilhante, junto a sua confiança, vieram com uma resposta.
— Tá brincando? — seus lábios tremiam de medo — Não tem ninguém com quem eu não possa lutar!
Eu não consegui achar uma resposta para aquilo. Ela estava mentindo, mas suas intenções estavam claras como a luz do dia.
— Akira e Shosuke estão segurando o tripa seca ali, mas vou precisar deles agora. Você consegue dar conta?
Eu me soltei dos braços da minha amiga e me levantei agilmente para olhar em seus olhos.
— Faça o que for, mas não mate ele. Essa parte é minha.
Ponto de Vista de Saki:
Durante o curto período de tempo que estive com Noelle, ela mudou diversas vezes, mas em nenhum momento ela deixou de ser uma pessoa amável e gentil. Vê-la com um olhar determinado e raivoso foi uma surpresa para mim, ainda assim, olhei bem para ela e não consegui responder nada além.
— Deixa comigo.
Virei-me de costas e saltei para fora do Gioll, passando por uma das paredes quebradas.
— Aí vocês dois, venham comigo.
— Mas… — Akira tentou questionar.
— Venham logo!
Quando Akira e Shosuke tentaram chegar ao meu lado, as lâminas transparentes do inimigo quase os alcançaram, felizmente, eles foram salvos por Noelle. Um grande raio em formato de corda que saía da parede segurava seu braço, o prendendo.
— Escuta aqui! Você é meu! — ela gritou, seus olhos estavam de volta ao normal, mas as lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto.
— Valeu, Noelle! Tô contando com você! — disse antes de saltar mais uma vez com Akira e Shosuke.
Meus punhos estavam cerrados e trêmulos, eu sabia que também não poderia lutar contra Samaell, mas no estado em que Noelle estava, a situação poderia ser bem pior. Essa seria minha primeira luta de verdade desde que cheguei a este mundo e para piorar a situação, contra o cara que matou uma das figuras mais fortes desse mundo. Mesmo com tudo isso, meus pensamentos não giravam em torno da situação atual, eu sentia algo estranho sobre a Noelle, um pressentimento de que algo iria dar errado.
Na minha cabeça, as palavras dela se repetiam sem parar, eu não entendia seus sentimentos, mas não conseguia ignorá-los.
— Nossa! Quanto tempo passou? As coisas parecem ter mudado um pouco — ouvimos a voz do “Senhor da Morte” ao nos aproximar de sua presença.
— Saki, o que vamos fazer? — perguntou Akira, visivelmente tremendo de medo.
— Não somos fortes o suficiente, também não sabemos nenhuma técnica de selamento, é suicídio — Shosuke afirmou.
— Você tá certo, é suicídio, não tem nada que podemos fazer — eu tentava manter a calma com um sorriso. A inexperiência, a falta de poder, o medo, a ansiedade, as dúvidas, tudo isso estava me sufocando, mas eu não poderia ficar apenas parada esperando algo acontecer.
— Merda, por que eu segui vocês? — Akira se lamentou.
— Ele não nos atacou, nem atacou a ilha, vamos torcer pra que não tenhamos que lutar.
Em segundos, a figura sombreada no céu apareceu em nossa frente, rindo como se sentisse o nosso desespero e se divertindo com ele
— Oh caralho! — gritei em um susto.
— Então você é Saki Nakamura, sim… essa essência caótica não me deixa mentir — disse em um tom amigável — E você deve ser a presença amaldiçoada que apareceu mais cedo… — direcionando sua visão para Shosuke
— Você realmente é uma pessoa bem caótica — ironizou Akira.
— Você tá bem tranquilo pra quem pode morrer a qualquer momento!
— Você… é… deixa queto.
Por mais que a situação não fosse adequada, não pude deixar de olhar com um certo deboche para o rosto caído em vergonha do Akira.
De repente, algo nos puxou para perto do rosto de Samaell, trazendo de novo o medo ao nosso corpo.
— É ótimo que vocês reconheçam os seus lugares. Bom, que tal nos divertirmos um pouco? — perguntou enquanto nos mantinha preso ao seu lado.
Eu me perguntava como não conseguia mover meus pés ou braços, mas assim que olhei para baixo, vi meu corpo envolto por minha própria sombra.
— O que é isso? — Akira perguntou.
— Eu preciso aquecer o meu corpo. Quantos anos se passaram? 100? 200? De qualquer forma, ainda estou um pouco fraco.
— Do que você tá falando? — perguntou mais uma vez.
— Serão 3 contra 1, mas a diferença de poder é muito grande, então vou lhes dar uma vantagem.
— Uma vantagem?
Eu tenho certeza de que sua expressão maquiavélica em sua face fez o meu coração errar uma de suas batidas por um instante
Ponto de Vista da Noelle
Encarando meu oponente, analisei todos os nossos encontros anteriores, desde suas falas até seu comportamento estranho.
— Você tem algum problema, não é? — decidi arriscar mais uma vez — Quem é você?
Com saliva escorrendo pelo seu maxilar, quase espumando de raiva, respondeu — Eu… eu sou…
Sua pupila tomou vida novamente, olhos azuis emergidos em escuridão olharam para mim.
— Eu sou Njord… eu acho…
“Ele parece são. É a minha chance de entender o que tá acontecendo” pensei brevemente
Tomei uma postura relaxada, evitando hostilidade, mas atenta a qualquer ataque repentino, logo perguntei.
— Você consegue controlar a névoa negra, não é? Por que está fazendo isso?
— Eu não a controlo, desde o início isso foi um experimento falho — respondeu com uma expressão frustrada.
“Até mesmo a sua fala, é como se ele fosse outra pessoa”
— Garota, me responda — se erguendo lentamente e olhando diretamente para mim — O que aconteceu aqui?
“Ele não se lembra?” meus olhos se levantaram surpresos.
— Você não se lembra? Agora há pouco…
— Então realmente está acontecendo…
Seus ombros caíram em decepção. Eu queria fazer mais perguntas, mas antes que eu pudesse erguer meus lábios, um corte leve surgiu próximo ao meu olho.
— Vai ter que me desculpar, mas tomarei seu corpo para mim! — com um olhar sádico, disparou para cima de mim
Sua lâmina transparente passou bem em frente aos meus olhos, por pouco me esquivei do ataque.
— Meu corpo? Do que tá falando?
Sem o atacar, apenas procurando respostas, continuei evitando seus golpes.
“Ele está mais devagar, consigo ver os seus golpes facilmente, mas…” repentinamente, fui atingida por uma grande pedra “seus ataques são precisos, não está mais atacando feito louco”
Meu braço direito, há pouco atingido, estava dormente, nem mesmo tive tempo de levantar e sua espada já se aproximava outra vez.
— Esse corpo já está velho e podre, não resta mais tempo — disse atacando cada vez mais rápido.
“Ele quer trocar de corpo? Isso é mesmo possível?” Eu não acreditava nessa possibilidade, por mais que tivesse visto Galliard fazendo coisas que eu acreditava serem impossíveis.
Por um breve momento, seus ataques cessaram. Uma gota de suor escorreu pelo meu queixo, caindo no chão em seguida.
— O meu corpo, como planeja trocar de corpo comigo? — perguntei mesmo desacreditando dessa possibilidade.
— Acho que não faz diferença te contar, de qualquer forma, este corpo precisa descansar — disse o ofegante.
“Ele sempre fala como se esse corpo não fosse dele, ele já trocou de corpo antes?”
— O núcleo mágico possui uma assinatura única em cada pessoa, uma fração de sua essência pode ser transferida facilmente, porém, o núcleo atua junto com a alma. Enquanto o núcleo mágico tem toda a essência mágica do ser humano, a alma carrega a compatibilidade, além de sua personalidade e essência humana.
Para alguém que não aparentava possuir nenhum conhecimento científico, sua resposta me chocou.
— Transplantar um núcleo mágico é um processo extremamente delicado e perigoso, mas possível. Se eu passar o meu núcleo para o seu corpo, posso sobrescrever sua essência, tomando controle do seu corpo.
“Não parece ser mentira, mas… não posso confiar em um sujeito como ele”
— Acredite se quiser, obviamente, a transplantação de um núcleo mágico se tornou uma técnica estritamente proibida por conta de seus riscos.
— Riscos?
— Para que a técnica ocorresse com sucesso, a alma deve ser compatível com o núcleo, caso contrário, a alma começa a rejeitá-lo, em seguida, ela apagará toda a informação contida do núcleo.
— Então…
— Sim, ambos se tornam corpos vazios e gelados, sem resquício de vida.
— Se isso vai acontecer, do que adianta trocar de corpo?
— Eu preciso de tempo pra saber como contornar esse problema, mas a alma que habita este corpo já está rejeitando meu núcleo e algum gatilho está acelerando esse processo. Se eu trocar de corpo constantemente terei tempo suficiente para concluir a pesquisa e parece vocês vieram aqui para me salvar!
“Esse não é o seu corpo verdadeiro, de qualquer forma, essa conversa está me levando a algum lugar”
— Mesmo que tenha trocado de corpo, o que significa tudo isso? A névoa negra, Samaell, o que está acontecendo?
— Infelizmente você vai ter que ficar na curiosidade. Vamos acabar com isso agora!
— Espera!
Minhas palavras não chegaram aos seus ouvidos, ele estava determinado a terminar com essa luta rapidamente.
Eu ainda não havia chegado na resposta que procurava, se tudo acabasse aqui, poderia significar que nunca mais sairíamos daqui e mais uma vez, continuei evitando seus golpes.
Nós passamos por cada centímetro daquele salão, destruindo o chão liso de mármore e as paredes de quartzo.
— O que pensa que está fazendo? Pare de ser covarde e pare de fugir! — gritou enfurecido.
— Eu não tô fugindo!
Após continuar fugindo e me esquivando de seus ataques, eu observava seus padrões de ataque, pensando em alguma forma de terminar isso. Nossa rota já estava se repetindo diversas vezes, foi quando percebi que eu já havia caído no seu joguinho.
O ar atrás de mim condensou em uma parede, de forma inesperada, meu corpo paralisou por um segundo. Sem que eu percebesse, meu oponente fez meu corpo se acostumar àquela movimentação repetitiva e a interrompeu bruscamente.
Usando a janela de meio segundo até meu corpo responder a quebra de padrão, ele perfurou meu ombro esquerdo, cravando-o na parede de pedra logo atrás.
— Eu ainda preciso de você viva, então não tente resistir.
Enquanto o pouco de sangue escorria pelo meu braço, eu não pude deixar de conter o meu sorriso. O agarrei usando meu braço ainda livre, contente por ter êxito.
— Por favor, não morra.
— Mas o quê? — disse arqueando a sobrancelha ao escutar um trovão aos céus.
— Manifestação do Trovão: ROMPE TORMENTAS!
Ao canalizar mana o suficiente em meu corpo, fui capaz de atrair os raios da nuvem carregada acima de mim, eletrocutando o meu corpo imune a eletricidade.
Sem o meu chapéu, eu não sou capaz de controlar os raios com tamanha habilidade, manipulá-los requer anos de experiências que não tenho, porém, ao usar meu corpo como para-raios é extremamente mais fácil fazer com que eles venham até mim.
A lâmina translúcida desapareceu, eu carregava meu braço esquerdo dormente com uma dor grande o suficiente para não me fazer desmaiar pelo cansaço.
— Ainda bem… que não precisei usar isso — disse ofegante — minha mana está… — minhas pernas fraquejaram, me fazendo cair de joelhos no chão.
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