Índice de Capítulo

    Ponto de Vista de Noelle:

    — Tem certeza que quer ir? Eu e o Akira podemos dar conta disso sozinho — com uma voz calma e atenciosa, Saki perguntou enquanto nos arrumávamos para a festa.

    — Tenho — afirmei, me aproximando dela — É uma boa oportunidade pra testar isso! — passando minha mão suavemente pelo seu ombro.

    — O que foi isso?

    — Estive pensando em como iriamos diferenciar os Humanos dos Demônios — respondi ao fazer um leve brilho azul surgir — essa runa representa o pecado capital da luxúria, ela deve reagir ao chegar perto de um.

    — Irado! Desde quando sabe fazer isso?

    — Mais um dos truques que aprendi com minha mãe! — respondi com um sorriso orgulhoso.

    Usar feitiços e magias que descobri lendo as anotações da última Bruxa Celestial fazia eu me sentir mais próxima da minha mãe, como se a cada página eu me apegasse ainda mais a ela.

    — Mas tem uma coisa… — lembrou com uma expressão preocupada — Isso não vai reagir a mim? Se me lembro bem, o Shosuke conseguiu sentir que havia um demônio selado em mim quando o encontramos.

    — Já cuidei disso. Inicialmente, esse encantamento foi feito para localizar demônios em uma determinada área ou atraí-los. Eu apenas o simplifiquei, a runa vai apenas reagir a eventos externos, também não é forte o suficiente para chamar atenção de alguém, não tem com o que se preocupar.

    — Você é um gênio mesmo… — disse com seus olhos caídos e orgulhosos.

    — Ah, que isso… — não consegui controlar a vermelhidão em meu rosto ao ser elogiada.

    Ponto de Vista de Saki:

    Atenta com as pessoas ao meu redor… eu curtia a festa mais do que deveria. Confesso que perdi um pouco o foco, mas não deixei de observar algumas coisas suspeitas ali.

    O tempo que passei em Antares fez com que melhorasse minhas capacidades de investigação. Pra começar, desde que fomos enviados para Nebuloria, comecei a pesquisar e me atentar aos pontos importantes daquela cidade, assim, pude descobrir que o anfitrião da festa era o herdeiro da família Von, Dullaham Von. Um demi-humano com características de touro, é conhecido por dar várias festas e ser o cara mais animado de todas elas.

    Com isso em mente, tive minha primeira suspeita. Desde que pus os pés naquele lugar, Dullaham não havia movido um músculo. Ele estava em uma plataforma acima de duas escadas curvadas em sua direção, seus cotovelos estavam apoiados no cercado de mármore, segurando um copo cheio até a boca, com seus chifres baixos e um óculos escuro escondendo o seu olhar.

    De repente, com os lábios contorcidos em exaustão, ergueu seus ombros e desceu as escadas, saindo do meu campo de visão.

    — Opa — parei tudo que estava fazendo para seguí-lo — com licença, tô passando — afastando as pessoas no meu caminho enquanto seguia seus chifres pontudos.

    Parecia que a quantidade de gente na festa aumentava a cada passo que eu dava e no fim acabei o perdendo de vista.

    — Merda… onde ele se enfiou? — perguntei a mim mesma.

    — Achou alguma coisa? — uma mão fria e magra tocou meu ombro.

    — AI, CARALHO! — berrei em um susto.

    Noelle olhava para mim confusa.

    — Não me assusta assim! — reclamei.

    — ? — ainda mais confusa.

    Por um instante, lembrei dos tampões que minha amiga estava usando. Com um simples gesto, consegui fazê-la lembrar de retirá-los por um momento, porém, no momento em que fez isso, expressou a leve dor que sentia em seus ouvidos.

    — Encontrou alguma coisa? — perguntou.

    — Acho que não vamos conseguir nada aqui… — um tanto quanto frustrada — e o Akira?

    Respondeu apontando seu dedo sutilmente para o lado, mostrando Akira, com todos ao seu redor olhando para ele, enquanto demonstrava os passos mais quentes já vistos pela humanidade. A galera vibrava gritando seu nome, e ele girava com sua cintura solta e pés leves, exibindo seus ombros que balançavam para cima e para baixo.

    — Eu tenho que admitir, ele tem seu molejo.

    Infelizmente não conseguimos nada útil naquela festa e no fim ainda tivemos que arrastar o bailarino para fora da pista.

    No dia seguinte, ao acordarmos, fomos surpreendidos por um funcionário do hotel.

    TOC! TOC! TOC!” alguém bateu na porta.

    — Saki Nakamura? — carregando uma pequena caixa branca em suas mãos, o rapaz perguntou.

    — Eu mesma.

    — A Rainha Melissa, de Shryne, enviou isto para a senhorita — estendendo a para mim.

    — Ah… valeu… — fechei a porta ainda meio confusa.

    — A rainha mandou? — Noelle se aproximou — talvez tenha acontecido alguma coisa, melhor abrir logo.

    Ao abrir a caixa, um holograma saltou para fora, transcrevendo o áudio que era emitido de um pequeno dispositivo abaixo.

    “Espero que estejam vendo isso a tempo, recebemos mais uma mensagem anônima vinda do vilarejo perto de Nebuloria. Disse que queria se encontrar pessoalmente essa madrugada em um bar nessa exata localização” o endereço foi mostrado em um mapa no holograma “Acredito que se trate da mesma pessoa que enviou o pedido de ajuda, então peço que vejam o que ela quer. Não sabemos muito sobre a situação de Nebuloria, então tomem cuidado ao chegarem lá, é possível que seja uma emboscada. Não abaixem a guarda.” O holograma se fechou.

    — Ótimo — aquela mensagem abriu novos horizontes para mim — Não conseguimos nada na festa de ontem, esse encontro pode nos tirar as dúvidas importantes que temos.

    — Vai nos ajudar muito — Noelle concordou — tem algumas coisas que gostaria de perguntar.

    — Vamos logo pro ponto de encontro — Akira se apoiava em seu bastão, com seus olhos pesados e cansados, pausando sua fala em um breve bocejo — Não sabemos que o horário exato que temos que estar lá.

    — Nunca pensei que iria concordar com você — disse ao me aproximar do meu amigo quase dormindo — vamo logo — chutei levemente seu bastão, dando um pequeno susto em seu coração.

    — Caralho! — resmungou — como você consegue ser tão insuportável?

    — Deve ser um dom.

    Ansiosos pelo encontro com o remetente da mensagem, fomos novamente ao bar que nos encontramos há alguns dias. Horas se passaram, a tentação de pedir uma garrafa de saquê estava me torturando, como se gritasse me implorando para ser tomada, mas infelizmente, eu tinha que me manter sóbria. A noite caía enquanto conversávamos, o bar estava estranhamente agitado para o meio de uma semana, mas a tempestade de cerveja logo passou no fim do dia.

    Nós estávamos cansados de esperar, eu bebia apenas um copo de água entre os bocejos sonolentos, Noelle também lutava contra o sono, enquanto isso, Akira já havia perdido sua batalha.

    “Tap, Tap, Tap” passos lentos soaram na madeira.

    — Acho que ele chegou — disse o barman.

    Uma pessoa envolta por manto preto a cobrindo da cabeça aos pés atravessou a porta do bar. Eu acordei Akira no mesmo instante em que a vi enquanto me levantava rapidamente.

    — Vocês que vieram a comando da Rainha Melissa? — perguntou com uma voz um pouco trêmula, como se estivesse escondendo seu medo.

    — Isso mesmo — confirmei — você que enviou o pedido de ajuda?

    — Sim, confesso que esperava um grupo maior — em um suspiro desapontado.

    — Não se preocupe com isso, podemos dar um jeito — tentei o tranquilizar.

    — Que seja… — o cansaço era nítido em sua voz, novamente, com um suspiro angustiante, removeu o seu capuz.

    Seus chifres pontudos e lustrosos refletiam a luz amarela do bar, seus olhos afundados e escuros deixava claro suas noites mal dormidas.

    — D-Dullaham? — o barman gritou junto a mim.

    — Quem é esse cara? — Akira perguntou.

    — Ele estava na festa ontem a noite, devo admitir que você era uma das últimas pessoas que imaginei ter enviado aquela mensagem.

    — Eu te conheço?

    — Provavelmente não, mas eu te conheço. O herdeiro da família Von, Dullaham Von.

    — Bom… isso me poupa as apresentações.

    — Sou Saki Nakamura — o cumprimentei com um aperto de mãos — Esses são Noelle e Akira — dando um passo para o lado, apresentando meus companheiros.

    — Saki Nakamura? — com um olhar confuso — Pensei que estava atuando em Antares.

    Eu reconhecia minha pequena fama pela região do continente de Eryndor, mas não sabia o quanto aquele curto período que passei fazendo alguns favores iriam se espalhar por aí.

    — Foi apenas um bico, não trabalho pra ninguém.

    — Mesmo que esteja a comando da Rainha Melissa? — retrucou.

    — Vamos logo ao que interessa.

    Com o bar vazio, nos sentamos ao redor da mesa, prontos para entender o que estava acontecendo.

    — Por quê enviou um pedido de ajuda? Temos nossas suspeitas, mas sem algo concreto, não podemos fazer muita coisa.

    — A cidade vem sendo tomada por demônios há um bom tempo, no início, eles apenas se disfarçavam de humanos para nos matar, eram como lendas urbanas. Mas desde o incidente com a família Von, eles deixaram de se esconder e começaram a ter contato direto comigo e minha família.

    — Existe um forte rumor que a família Von se aliaram aos demônios, sua prosperidade no último ano é duvid-

    — ACHA MESMO QUE EU IRIA ME JUNTAR AQUELES MONSTROS? — gritou com fúria ao jogar todos os copos da mesa no chão — SE EU PUDESSE MATÁ-LOS COM MINHAS PRÓPRIAS MÃOS, FARIA SEM HESITAR!

    Mentando a seriedade, continuei firme na cadeira, esperando o sujeito acalmar seus ânimos.

    — Desculpe pela insensibilidade, mas tinha que confirmar algo antes.

    — Eu… peço desculpas por isso — curvando seu rosto para o barman que limpava a bagunça.

    — Se não for um incômodo, pode contar mais sobre esse “incidente”

    — Foi há alguns meses atrás… minha família estava completamente envolvida nas investigações sobre os desaparecimentos e assassinatos misteriosos em Nebuloria. Funcionários e amigos próximos foram mortos pouco tempo após desaparecerem e em uma tentativa de fazer justiça e remover as suspeitas que caíram sobre nós, apoiamos e investimos no caso sem pensar duas vezes — antes de prosseguir, respirou fundo e continuou com o choro entalado na garganta — Em uma noite qualquer, ouvi alguns barulhos estranhos vindos do escritório do meu pai, eu corri para ver o que estava acontecendo, mas cheguei tarde demais. Os sinais de luta não me enganavam, meu pai havia lutado contra os demônios que o encurralaram, mas não conseguiu nada além de uma morte dolorosa.

    Uma única lágrima escorria em seu rosto, enquanto agarrava seu manto com força em uma brava tentativa de não se afundar na tristeza.

    — Depois disso, eles apareceram para mim, em suas formas assustadoras. Eu estava assustado demais para lutar, não tinha forças nem para me mover, eles me obrigaram a ficar calado e me forçaram a cooperar com eles ameaçando toda a família Von.

    — O que eles ganham com isso? Digo, por quê eles queriam que você cooperasse?

    — Estão procurando algum tipo de artefato, eles o chamam de Artaris, ou algo do tipo, não consigo entender perfeitamente o que eles falam.

    — Etheris…

    — Eu venho os enrolando há um bom tempo, mas não por quanto tempo vou conseguir mantê-los distante.

    — Saki — Noelle chamou minha atenção — esse é o pior cenário que imaginamos.

    — Eu sei bem, se eles conseguirem o Etheris, vamos ficar em uma grande desvantagem.

    — Sinceramente — Dullaham interrompeu — não me importo se eles conseguirem esse tal de Etheris ou não — levantando da cadeira e se curvando com os joelhos no chão — mas eu imploro, mate esses demônios, façam os pagar pelo que fizeram! — com suas lágrimas encharcando o chão.

    Comumente, não tenho problema para matar criaturas demoníacas, mas vê-lo se humilhando daquela forma, me fez despertar um ódio puro e amargurante pelos demônios que estão por trás disso, o que me motivou a concluir aquela tarefa custe o que custar.

    — Pode deixar — determinada — não vou deixar nenhum deles sair vivo disso.

    — Eu agradeço — levantou-se recuperando sua compostura, enxugando o rosto — Não sou nenhum lutador ou guerreiro, mas conheço alguém que possa ajudar.

    — Se ele for útil, não vou negar sua ajuda.

    — Ele sempre está pelos becos mais obscuros de Nebuloria, seu nome é Ranga, um mercenário habilidoso, tenho certeza que será de grande ajuda.

    — Vamos procurá-lo, tenha certeza, mas agora, precisamos fazer mais algumas perguntas.

    Ficamos ali por mais alguns bons minutos para enfim conseguir traçar um norte ao sanar dúvidas cruciais sobre o caso. Nós escoltamos Dullaham de volta para sua casa, o deixando com a missão de atrasar o progresso das criaturas em busca do livro enquanto nos informa cada detalhe.

    No caminho de volta para o hotel, o silêncio é quebrado repentinamente por Akira.

    — Você está estranhamente quieta desde que saímos do bar, Saki.

    — Só tô com sono.

    — Deve ser cansativo bancar a durona por tanto tempo — brincou.

    — Não estava bancando a durona nem nada, só cansada…

    — Pode ser — comentou Noelle — mas o Akira também tá certo, acho que nunca te vi tão séria, tem alguma coisa te incomodando?

    — Ah… — suspirei exausta — não sei… mas acho que ver a situação do Dullaham me deixou puta pra caralho.

    — Isso é bom! — Akira exclamou — Agora temos ainda mais motivo pra acabar com esses desgraçados!

    — Tem razão… — sorri confiante — mas não vou deixar isso me afetar.

    Após uma boa noite de sono, pude colocar minha cabeça no lugar e determinada a concluir minha missão.

    Logo pela manhã, fomos ao Distrito de Knux, uma área perigosa em Nebuloria onde o tal do Ranga estaria. Seguimos a localização que Dullaham nos passou, o que nos levou até um prédio abandonado em um beco estreito e escuro de Knux. Batemos educadamente na porta, que já estava entreaberta, do prédio, mas ninguém nos atendeu, e assim como foi instruído, entramos no prédio.

    Ao atravessar a porta, o que era para ser apenas um prédio residencial abandonado, tomou a atmosfera de uma ruína amaldiçoada. Um peso caía sobre nossos ombros, como se algo nos puxássemos para baixo.

    — Que lugar esquisito… — meu amigo amedrontado comentou.

    — Pois é — observando a madeira mofada do corrimão de uma escada — por que alguém viveria aqui?

    Tudo ao redor tinha um ar sombrio, com portas e degraus caindo aos pedaços. Um cheiro de mofo insuportável assombrava o meu nariz, além da poeira que cobria tudo no ambiente e atacava minha alergia.

    — Vamos achar o Ranga logo — Noelle apertava seu nariz com força.

    Continuamos a vasculhar o prédio, abrindo porta por porta, algumas com certa dificuldade devido as suas más condições. Finalmente, em uma das portas que abrimos alguns andares acima, nos deparamos com um pequeno quarto apertado. Aquele lugar em específico está impecavelmente limpo até os mínimos detalhes, mas ainda mantinha o ar tenebroso do prédio. Em uma janela entreaberta, o sol iluminava um rapaz sentado atrás de uma mesa virada para a parede.

    Seu cabelo espetado era amarelo em um tom mostarda, o que combinava com seu óculos escuro com a lente da mesma cor. Ele era coberto por um sobretudo longo e cinza, quase preto, em conjunto com sua calça e bota preta.

    A sua frente, havia diversas armas de fogo tanto na parede quanto na mesa, elas estavam organizadas baseadas em sua categoria, posicionadas perfeitamente em seus lugares.

    — Você é o Ranga? — perguntei de forma curta e grossa.

    — Depende de quem pergunta — em um tom sereno e relaxado enquanto lustrava uma de suas armas.

    — Dullaham nos pediu para te procurar, precisamos de ajuda.

    — Sei… — erguendo a pistola em sua mão esquerda.

    Em um movimento mais rápido do que meus olhos puderam acompanhar, Ranga desapareceu.

    — 20 segundos pra me dizer porque eu não deveria estourar sua cabeça aqui mesmo — ele reapareceu rapidamente entre eu, Noelle e Akira, encostando sua arma na minha nuca.

    — Não acho que essa seja uma boa ideia… — o respondi com total confiança.

    Sem medo algum, olhei para trás pelo canto dos olhos, vendo Noelle e Akira prontos para o acertar com qualquer movimento brusco que faça. As marcas no corpo de Noelle logo se ativaram, projetando suas Garras Trovejantes para o pescoço do sujeito, enquanto Akira ateava fogo em seu bastão, para o incendiar.

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