Capítulo 6 - Ruína
Caída de joelhos no chão, Saki gritava loucamente para Noelle.
— AAAAAAAAARG! AAAAAAAAH!
Ela se levantou e correu em sua direção enfurecida.
Antes que conseguisse encostar nela, Galliard conseguiu segurá-la Saki por debaixo dos braços.
— SAKI! SAKI! TENHA CALMA! — gritou desesperado.
A visão de Saki estava completamente monocromática. Tudo à sua volta estava turvo e com distorções bizarras.
De repente, ela se viu em um ambiente completamente escuro, apenas escutando as vozes abafadas de Noelle e Galliard.
— Saki! Acorda! — dizia os dois.
Saki correu em direção às vozes, tropeçando e quase caindo várias vezes.
Sua perna fraquejou com uma dor agonizante, a fazendo cair no chão que se tornava um lodo negro. Ao abrir os olhos novamente, algo pulou na sua frente.
A criatura à sua frente agarrou seu rosto, mostrando seu sorriso diabólico e seus olhos pretos e vazios a assustaram, sua pele totalmente pálida como um fantasma mostrava para Saki qual era o seu medo, ela mesma.
O demônio roubou sua aparência e com dentes e unhas afiados, a atacou.
Antes de ser atingida, ela acordou assustada na cama, se levantando rapidamente com suor por todo seu corpo e tremendo como nunca.
— SAKI! — Noelle se ergueu rapidamente da cadeira na qual estava sentada.
Saki não a escutou, seu rosto estava avermelhado e as queimaduras em volta de seu pescoço estavam maiores. Ela pôs os pés para fora da cama e sentiu um arrepio por toda a sua espinha.
Tomando coragem, se levantou e foi até o banheiro. Noelle continuava a chamar seu nome, mas sua voz não a alcançava.
Chegando ao banheiro, foi até o espelho colocando a mão no seu rosto. Impetuosamente olhou seu reflexo e se sentiu aliviada.
“CAÍA” algo sussurrou em sua mente. O suor continuou escorrendo no seu rosto, então decidiu abaixar a cabeça e lavar com água fria.
Ao levantar e passar a toalha no rosto, pensando que tudo estaria bem, quase desmaiou com o susto que tomou ao se olhar no espelho novamente.
Ela sentiu como se seu coração tivesse parado, não conseguia reconhecer a pessoa que acabara de ver.
No espelho, a figura se alterna entre sua versão normal e demoníaca.
Um sorriso maléfico crescia na figura do espelho até que de repente… desapareceu.
“O que… O que tá acontecendo?” pensou Saki andando lentamente para trás aterrorizada.
— SAKI! — berrou Noelle segurando fortemente o braço de Saki com os olhos fechados.
Saki a escutou. Ela se virou e olhou para Noelle, que estava se tremendo de medo.
— N-Noelle…
Noelle abriu os olhos e viu que Saki havia finalmente voltado aos seus sentidos.
— Ah! Me desculpa! — disse Noelle soltando seu braço rapidamente.
— Ei, Saki! — Galliard chegou correndo ao banheiro — Você… Está bem? Você está pálida! — disse ofegante.
— Tá… Tudo bem… — respondeu devagar.
— Ótimo… Eu estava preocupado com os efeitos colaterais.
— Efeitos colaterais? — perguntou arqueando a sobrancelha.
— Sim, da gema.
— É mesmo…
— Não se lembra? — Perguntou Noelle — Galliard fundiu a Gema de Selamento em você…
— E “Ele” tentou resistir… — interrompeu Saki.
— Sim — disse Galliard — é normal isso acontecer, mas não como daquele jeito.
— Bom, o que importa é que eu já to bem — disse Saki levantando os ombros.
— Calma aí — falou Galliard pondo a mão no ombro de Saki — eu tenho que fazer uma avaliação para que tudo tenha ocorrido bem mesmo.
— Ah, certo…
Então, Galliard, Saki e Noelle foram para a sala na qual a Gema foi trabalhada.
Saki olhava ao seu redor, observando os livros, pedras e artefatos que havia ali.
Chegando na mesa ao fundo da sala, Galliard puxou uma cadeira para Saki. Ela se sentou e assim começaram a avaliação.
Ao verificar os batimentos cardíacos e funcionalidade dos membros não encontrou nada incomum, tudo estava dentro dos padrões.
— Noelle — Galliard estendeu sua mão para Noelle — me passa o Medidor de Mana.
— Certo! — respondeu com um tom mais animado e confiante.
Noelle pegou um objeto metálico, num formato retangular com suas arestas arredondadas e duas pontas, semelhantes a chifres, nas quatro laterais e no centro do retângulo, havia um círculo gravado.
— Obrigado!
Com o Medidor de Mana em mãos, Galliard o direcionou para Saki e pressionou o círculo do Medidor. Aquele artefato completamente prateado, ganhou detalhes azuis, além de um fio de mana azul sendo tecido de cada uma das pontas se ligando no centro.
Com os quatro pontos ligados, foi disparado um feixe de mana em direção a Saki, que, ao se encontrar com o ele, mudava sua cor para um violeta-escuro.
Galliard passou esse feixe por todo o seu corpo até chegar na nuca.
Ao mirar exatamente onde havia o símbolo do Clã de Lilith, o feixe mudou sua cor para um magenta bem forte, destacando assim, sua marca.
Aquilo chamou sua atenção, era incomum, mas nada que fugisse das suas expectativas até então.
— Pronto — disse desligando o medidor — não tem nada de errado com seu corpo, claro que está diferente, mas nada preocupante.
— Ufa! — Noelle se sentiu aliviada.
— Então não tem com o que se preocupar, certo? — perguntou Saki.
— Só posso dizer que não deve forçar demais o seu corpo para não danificar o selo — respondeu enquanto devolvia o medidor para Noelle e voltando para arrumar sua mesa — fora isso, não tem com o que se preocupar.
— Não sei o que me espera. Não posso prometer nada — brincou rindo em um tom amigável.
— Hahahaha! Só tome cuidado.
Ao fundo, todos escutaram passos subindo as escadas. Era um som feito pelas batidas de um salto alto batendo fortemente na madeira e em poucos segundos uma mão apareceu empurrando a porta levemente.
Para eles, foi revelada uma mulher com aproximadamente 1,80m vestida com um terno preto. Ela usava o paletó por cima dos ombros e tinha um suspensório em sua cintura.
Seu rosto era bem cuidado, sobrancelhas bem feitas e não possuía mancha alguma. Seu cabelo avermelhado e amarrado com um coque, juntamente com sua expressão agressiva, trazia a imagem de uma pessoa que não era tão calma.
— Então quer dizer que a filha do velho já está aqui?! — gritou enfurecida — Quando planejava me contar, GALLIARD? — Chamas ascenderam em seus olhos ao perguntar.
— Q-Querida?? — Galliard se assustou com a chegada repentina da mulher — Veja bem… Eu tinha coisas a tratar antes! — respondeu gesticulando desesperadamente com suas mãos.
— Quem é essa aí?
Galliard se recompôs e foi até a mulher em frente a porta.
Ele limpou a garganta e disse — Saki, Noelle, Essa aqui é a Elena, Dona e Mestre do Dojo Imperial.
Um silêncio se perpetuou por alguns segundos até que a mulher perguntou arqueando a sobrancelha.
— Não tá faltando alguma coisa não?
— Ah! Ela também é minha esposa.
— O QUÊ? — Tanto Noelle quanto Saki entraram em choque.
— Ela parece assustadora — comentou Noelle
— Cara, ela parece uma fera selvagem, chega a dar medo! — Saki expôs seus pensamentos altos demais
— Ei meninas- — Galliard tentou impedi-la, mas era tarde demais
— COM QUEM VOCÊ PENSA QUE TA FALANDO? — Elena golpeou Saki com seu punho flamejante a fazendo cair no chão.
Elena saiu da sala com suas mãos ardendo em raiva e chamas.
— Velho maldito! Ao menos dê educação a sua criança! — disse enfurecida.
— Querida, se acalm- — Ela fechou a porta agressivamente, a estraçalhando.
— Saki, é melhor que fique longe dela se não quiser que ela te mate — disse Galliard passando por cima daquilo que um dia foi uma porta.
Saki e Noelle se olharam surpresas, mas não conseguiram segurar o riso.
Do outro lado, Galliard tentou conversar com sua esposa.
— Que seja!
— Olha, querida, nós prometemos!
— Tô pouco me fudendo!
— Você vai ver! Ela é-
— Não!
Galliard passou a frente impedindo que continuasse a descer as escadas, igualando sua altura na ponta dos pés.
— Elena… Por favor… — pediu com um tom de voz mais imperativo e com uma expressão mais ameaçadora
Elena olhou para o fundo de seus olhos e cedeu.
— C-Certo… — respondeu alisando o ombro com o rosto envergonhado.
Passado um certo tempo, Saki e Noelle estavam revirando todas as coisas que estavam nas estantes de Galliard, até que elas escutam o mesmo a chamarem.
— Ei! Venham aqui!
Ao descerem para a sala, viram Galliard segurando uma pequena mochila em suas mãos.
— Por favor, sentem-se. Tenho algo para as duas.
Para Saki, Galliard pôs a mochila em seu colo. A cor preta predominante em seu material, juntamente a detalhes em cor violeta, combinava com as cores de sua roupa e cabelo.
— Minha?
— É um presente. O velho disse que seria uma longa jornada, para algo assim, não há presente melhor do que esse.
— Nossa! Valeu mesmo! — Mesmo agradecendo pelo presente, Saki desconfiou que aquilo seria o melhor presente para sua jornada por conta de seu tamanho. Ela abriu rapidamente a mochila e olhou para o seu interior e tudo que conseguiu ver, foi um imenso vazio.
Sem entender, revirou todos os cantos dela, mas não conseguiu encontrar um fundo para a mochila. Ela procurou tanto até perceber que o seu ombro já estava para dentro da mochila e ainda assim não encontrava nada.
— É… Senhor Galliard? — virou-se receosa — quão funda é essa mochila?
— Hehe! Por isso ela é o melhor presente de todos! — disse Galliard ao gargalhar — Essa mochila é ligada a uma dimensão artificial, então ela é basicamente infinita!
— DIMENSÃO ARTIFICAL? INFINITA? — gritou Saki.
— Isso não foi nada! HAHAHAHAHAHA!
— Realmente não tem presente melhor!
Enquanto Saki ficava encantada com seu presente, Galliard continuou falando:
— Bom, já tem uns dias que vocês chegaram à cidade e não aproveitaram nada dela.
Ele lentamente colocou a mão no bolso.
— Por isso, peguem — revelou um cartão prateado com um grande círculo no meio.
— O que é isso? — Noelle perguntou curiosa.
— É apenas um simples cartão.
Galliard colocou o cartão nas mãos de Noelle.
— Tem 10.000 dinheiros aí, usem a vontade!
— Caramba! 10.000 não é muita coisa?
— Isso não é problema! Vão, sejam bem-vindas e aproveitem a cidade de Shryne!
— Muito obrigada mesmo!
— Não se esqueçam que a cidade é muito grande, então tentem não se perder.
— Também não sejam tão burras pra cair em algum golpe fajuto! — gritou Elena da cozinha.
— Oh! A velha rabugenta ainda tá aqui! — disse Saki em um tom irônico e provocativo.
— VELHA É A SUA MÃE — berrou enfurecida disparando fogo pelos punhos.
Saki a deixou resmungando para o vento e saiu com a companhia de Noelle.
Elas passaram por diversas lojas, prédios e espaços turísticos apreciando a beleza de cada uma das coisas.
De repente, Saki sentiu um incômodo e se virou rapidamente, porém, não encontrou nada.
“Eu devo estar vendo coisas.” pensou por um momento.
Assumindo que poderia ser um dos efeitos colaterais da Gema de Selamento, continuou suas compras, porém, em cima de um dos prédios, havia uma pessoa seguindo as duas.
A pessoa estava escondida nas sombras dos prédios e as observava de longe.
“Essa é a segunda explosão de mana que acontece em menos de uma semana. Uma delas foi a quilômetros de distância, mas a outra aconteceu bem no meio da cidade…” E logo após ser notado, desapareceu na escuridão.
De longe, Saki avistou uma barraca de comida, semelhante com as barracas de cachorro-quente de onde veio.
— Noelle! Noelle! Noelle! — chamou cutucando seu braço e saltitando como uma criança.
— O que foi? — perguntou rindo — Isso faz cócegas hahaha!
— Aquilo ali é uma barraca de cachorro-quente? — seus olhos brilhavam, ela estava tão sedenta por aquilo que começava a salivar.
— Eu não sei… O que é cachorro-quente? — perguntou Noelle.
— Como assim “O que é cachorro-quente?” — disse Saki com o brilho de seus olhos sumindo — Cachorro-quente é simplesmente a primeira maravilha do mundo! Um sabor aprovado pelas divindades que foi cedido humildemente a nós huma-
— Parece só comida de rua — interrompeu Noelle apontando para a barraca com um olhar de desdenho.
Saki olhou para aquela estrutura de madeira frágil rodeada por moscas e num instante caiu na real.
— Eu garanto que não é como aquilo — disse empurrando Noelle pelos ombros — Vamos! Vamos achar um lugar que tenha um bom cachorro-quente! — seguiu com um olhar determinado.
— Ei, peraí! Não precisa empurrar!
Então, Saki e Noelle foram em busca de uma lanchonete com um bom cachorro-quente.
No fim do dia, elas voltaram para a casa de Galliard com algumas sacolas nos braços e alguns farelos de pão na roupa.
— Eu te disse que era uma maravilha, não disse? — comentou enquanto batia na porta.
— Realmente, tava delicioso! — respondeu Noelle com um sorriso.
Galliard abriu a porta e as recebeu gentilmente.
— Finalmente voltaram! Se divertiram?
— Claro! Tem uma lanchonete aqui perto que faz um cachorro-quente surreal!
— Talvez eu deva ir algum dia desses.
Saki e Noelle entraram e continuaram conversando com Galliard na sala, mostrando todas as coisas que haviam comprado.
Após um tempo, já era tarde da noite, elas foram para o quarto e se prepararam para dormir.
Deitadas na cama, com um silêncio calmo e relaxante, adormeceram.
Passado um certo tempo no qual dormiam, alguém com vestes pretas e azuis se aproximava da janela se espreitando pelas sombras e segurando uma lâmina em sua mão, se preparava para um ataque fatal.
Porém, ao chegar próximo ao quarto, foi surpreendido com uma enorme rajada de fogo próximo ao seu rosto.
O assassino caiu no chão, mas rapidamente se levantou e pulou para cima das casas e prédios.
Correndo por uma área residencial, ele se aproveitava das sombras que a luz da lua fazia nas chaminés para fugir das bolas de fogo disparadas em sua direção.
A perseguição durou por um longo tempo e ao perceber que não corria mais risco e acreditar que estava fora de vista, se esgueirou pelas sombras no chão da rua.
De repente, enquanto caminhava por debaixo de uma ponte que ligava duas casas, uma cortina de fogo apareceu em sua frente.
— Achou mesmo que ia escapar tão facilmente? — disse uma voz feminina que vinha do outro lado das chamas.
O criminoso não se surpreendeu com aquilo, ele pulou para fora da sombra e andou alguns passos para frente, revelando assim seu rosto.
Seu cabelo liso e cinzento, curto e bem-arrumado para o lado, formava uma franja em frente ao seu olho esquerdo, seus olhos pequenos e azulados acompanhavam sua arrogância, olhando seu oponente com desprezo.
Usava um sobretudo azul-escuro com capuz e ao lado portava uma espada que não possuía guarda em sua empunhadura. Ainda como parte de suas vestes, usava duas braçadeiras pretas com a gravura de um leão com fios de prata.
— É claro que não — respondeu estendendo uma faixa em sua mão — sei que não é uma pessoa tão fácil de lidar — levantou sua franja e amarrou a faixa em sua testa.
A faixa tinha linhas em orientações aleatórias com uma estrela no meio dela.
A mulher atravessa a cortina dizendo:
— Desembucha logo o que você quer!
Passando seu corpo através das chamas, suas roupas eram embrulhadas pelo fogo, formando assim um terno envolto por chamas incessantes.
— Não é da sua conta, Chama Noturna — respondeu sacando sua espada.
— Não me chame assim, as pessoas têm um péssimo gosto pra nomes! — exclamou enquanto criava uma esfera de fogo em uma de suas mãos.
— Então do que eu deveria te chamar?
— Não importa… Não vai sobrar nada em você pra se lembrar
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