Capítulo 72 - O Jardim
— Jardim? — Noelle perguntou com uma expressão confusa.
— Bom, alguns não concordaram com esse nome, mas é assim que chamamos esse lugar — O lendário mago confirmou.
— Um jardim acima das nuvens… chega a ser estranho — Akira e eu olhávamos para um distante horizonte, contemplando a vista para a cidade celestial.
— Fiquem à vontade para se impressionar, terão bastante tempo para se acostumar.
— O que quer dizer?
— Ser uma bruxa celestial, alcançar a iluminação, derrotar Lilith… nada disso será possível se não aprenderem algumas coisinhas — deu com um sorriso sincero.
Merlin seguiu calado por uma escadaria de pedras brancas, nos guiando pela gloriosa cidade.
O “Jardim” possuia uma aura majestosa, com estruturas belas e cores nobres, entre elas, azul, branco e dourado. A arquitetura se assemelhava a arquitetura grega, ao menos como eu me lembrava dos livros da escola. Como esperado de uma cidade tão grande, havia inúmeras pessoas na rua, se aventurando entre os pisos de mármore e árvores vistosas e frutíferas, andando com túnicas brancas e douradas. Confesso que a variedade de pessoas também me assustou um pouco, o lugar era como uma enorme árvore que poderia gerar qualquer tipo de fruta, dos cabelos mais brancos aos mais pretos, da pele mais clara a mais escura.
Mas o que mais me chamou a atenção nelas foi a sua calma e felicidade, era como se todos estivessem vivendo a vida dos sonhos, sem um pingo de tristeza, tendo apenas uma vida tranquila, longe das guerras do Éden.
— Que tipo de “coisa” a gente veio aprender mesmo? — perguntei curiosa.
— Nesse mundo, existe um limite para o qual seres humanos possam alcançar… felizmente, existem técnicas, ou melhor dizendo, fatores externos, que podem nos fazer alcançar mais do que 100% do nosso potencial.
Suas palavras fizeram meus olhos brilharem com entusiasmo, me deixaram inquieta, ansiosa para saber como poderia ficar ainda mais forte.
— Esse é o Salão Principal — Merlin orientou, olhando para o topo de uma enorme casa.
Seu único destaque era esse, apesar do seu tamanho, ela não se destacava do resto da cidade, tendo a mesma cor e arquitetura.
Sem muito esforço, o mago empurrou as duas (e gigantescas) portas de ouro, revelando um longo tapete vermelho com adornos dourados ao redor. O Tapete se estendia até a outra ponta do salão, passando por debaixo de uma grande mesa retangular, também dourada.
No fundo do salão, havia uma pequena escadaria crescente, onde a luz do salão não a alcançava após alguns degraus, deixando seu destino misterioso. Também, nas duas paredes nas laterais, havias 4 vitrais em cada lado, cada um deles com uma figura humanoide e acompanhados de chamas douradas em uma espécie de lampião
— E esses, são os Nobres Heróis do Éden — declarou com um sorriso confortável.
Naquele momento, eu acreditava já estar acostumada com a sensação de brilho e virtude que todo o lugar passava, porém, percebi que estava enganada ao dar de cara com 3 indivíduos sentados ao longo da mesa em suas respectivas cadeiras.
— Atalanta, Gilgamesh e o meu preferido deles, Rei Arthur — os apresentando da direita para a esquerda.
Ao longe, pude vê-los murmurando entre si, dois deles sorriam como se estivessem segurando o riso, enquanto o que estava entre eles, batia o seu dedo indicador na mesa, impaciente.
— Ah… desculpem por isso — o Nobre guerreiro a minha esquerda virou-se para nós, sorrindo, esbanjando glória através da sua voz leve e gentil.
Rei Arthur, aquele que, de todos ali, mais se parecia com um guerreiro. Seu cabelo preto, bem próximo do castanho, tinha um corte simples, quase como aquele corte de tigela, além também de seus belos olhos castanhos. Ele vestia uma armadura grande e cinzenta, com gemas azuis em seus ombros e abdômen. Arthur também parecia usar uma malha, assim como a de seu mestre, por debaixo da armadura cinzenta, alongando-se até seus pulsos e tornozelos. Suas botas de couro eram grandes, proporcionais a sua armadura. Por fim, seu pescoço era envolvido por um tecido azul, costurado a mão, que parecia ter um valor mais sentimental do que o simples propósito de protegê-lo do frio.
— Não se preocupe, Merlin, você é sempre bem-vindo — a voz madura da linda dama aquecia meu coração, era como se eu estivesse escutando os conselhos sábios de uma mãe calma e amável.
Atalanta tinha uma pele clara e brilhante, facilmente a mais formosa de toda a cidade. Seu cabelo preto e cacheado caía por cima de seus ombros, cobertos por uma túnica branca, semelhante a dos moradores do Jardim, túnica essa que se estendia até o fim de suas longas pernas, com um sutil corte lateral. Seus pulsos vestiam uma larga pulseira dourada, prendendo uma pequena parte da túnica que vinha de seu ombro. Seu busto era protegido por uma armadura leve e também dourada, com adornos e detalhes em vermelho carmesim. Ela erguia seus olhos serenos em minha direção, revelando uma cor vermelha e vibrante, combinando com seu colar fino, portando o pingente de uma flor vermelha.
— Estamos no meio de uma discussão importante aqui! — se levantou impaciente.
Finalmente, Gilgamesh, o único irritado na mesa. Sua pele negra destacava seu cabelo loiro e penteado para cima, assim com o seu olho também amarelado. Gilgamesh, assim como Arthur, era inteiramente protegido por uma armadura. Sua armadura dourada esbanjava um ar arrogante da realeza, mas ao contrário de seus companheiros que mantinham as mãos livres, ele vestia uma manopla da mesma cor. A armadura possuía alguns detalhes em preto, mas nada que ousasse tirar a glória que ele parecia querer demonstrar em suas vestes.
— Vejo que o restante do pessoal não tá aqui — comentou ao notar que haviam cinco cadeiras sobrando — mas não há importância — continuou caminhando para dentro do salão — Quero pedir um favor a vocês.
— Não tá me ouvindo, velhote? Não se esqueça que também sou um rei! — continuou a reclamar.
— Acho que já estamos acertados, não é? Prolongar ainda mais esse assunto não vai nos levar a lugar algum — Arthur se levantou, pondo as costas de sua mão no peito de Gilgamesh.
— É, acho que sim — Atalanta concordou.
— Do que precisa, mestre?
— Esses são Saki, Noelle e Akira — nos apresentou, dando um passo para o lado.
— E onde está o sábio? — a guerreira perguntou, procurando ao longe com seus olhos — tenho certeza que senti sua presença.
— Ele continua meditando, não?
— Esse idiota se enfiou em uma caverna há 20 anos, não vai sair tão cedo — Gilgamesh suspirou, sentando-se exausto em sua cadeira.
— Bom, preciso que vocês dois — olhando para ambos guerreiros — ensinem algumas coisas para eles.
Arthur e Gilgamesh arregalaram os olhos com expressões estarrecidas, procurando sentido nas palavras do mago.
— M-Mestre, está falando sério? Eu não sei se estamos em tempo para isso…
Atalanta ria de seus rostos enquanto ambos ainda não acreditavam no que lhes era pedido.
— Ficou caduca de uma vez?
— São jovens promissores, estou falando de potenciais não vistos há centenas de anos.
— Bem… — Arthur coçava sua nuca, ainda perdido — vou ver o que posso fazer…
— Arthur, preciso que os guie. Acredite neles… assim como acreditei em você.
— T-Tá legal — suspirou derrotado.
Gilgamesh lançou seus pés sobre a mesa, cruzados assim como seus braços.
— Minha resposta se mantém a mesma. Não tenho tempo pra isso.
— Mas tem tempo pra ficar barriga pra cima com os braços cruzados? — por um momento, deixei meus pensamentos escaparem.
— Uuuu… — Atalanta parecia impressionada e estranhamente feliz com minha fala.
O Rei Arthur, por outro lado, parecia ter pena da minha alma.
Gilgamesh permaneceu em silêncio por cerca de 3 segundos. Passado esse tempo, seus olhos se abriram subitamente, emanando uma destruidora pressão mágica que caiu sobre meus ombros. Meus batimentos aceleravam a cada segundo e meus joelhos não duraram muito e cederam rapidamente. Minha respiração ficava ofegante enquanto meu corpo era pressionado contra o chão, destruindo parte do piso.
— Já chega! — Arthur gritou, dando fim a minha dor.
Aparentemente, havia se passado apenas cinco segundos desde que Gilgamesh me derrubou, mas para mim… eu pensei que estava ali há anos.
Ele se levantou, com suas veias pulsando de raiva em sua testa.
— Espero que não me confunda novamente, inseto.
Antes de me levantar, apenas pude ouvir o som de sua armadura subindo as escadas.
— Você tem coragem… — Atalanta me olhava enquanto me erguia — gostei…
Depois do ocorrido, Merlin nos levou para aonde seria a nossa “casa” durante o período de treinamento no jardim. Um local aconchegante, com um beliche e uma cama de solteiro.
— Pelo visto é bom a gente não irritar ninguém — Akira brincou, olhando para Noelle que também gargalhava.
— Ha. Ha. Ha. Muito engraçado.
O Rei Arthur e seu mestre apareceram no dia seguinte, pronto para iniciar um intenso treinamento. Pelo que entendi, iríamos para um local especial, um tanto distante do Salão Principal, mas em um lugar igualmente grande.
— Então, vamos lá.
— POR DEMACIA! — gritei, esperando trazer confiança ao nobre campeão.
— É… não você… — disse me empurrando gentilmente para o lado com sua mão.
Rapidamente, levou Noelle para o seu lado, justificando.
— Sinto muito, mas só poderei levar um de vocês — com um sorriso desconcertado — o mestre me disse para levar a jovem de cabelo branco, portanto, vocês devem pedir a outra pessoa.
“Sinceramente, não iria querer estar no lugar de vocês…” sussurrou com pena.
— Foi mal aí, gente! — Noelle se desculpou ao subir em um cavalo junto a Arthur.
— É né, o que se esperar de um cara que ainda anda a cavalo… — zombei.
Merlin, que apenas observava, enfim rompeu o silêncio.
— E você vem comigo — direcionando seus olhos para o meu amigo.
Vendo o livramento que acabara de receber, Akira faltou apenas chorar. Enquanto Akira voltava para dentro da casa rapidamente antes de sair, o mago me deu uma única escolha.
— Infelizmente, Atalanta está muito ocupada com seus deveres de Guardiã do Jardim, então, apenas resta aquele sujeito — com um sorriso cínico e irritante no rosto.
Akira retornou tão rápido quanto saiu e prontamente já seguiu seu caminho com o mago, que antes de sair avisou:
— Pelo horário, ele deve estar no salão principal!
— Boa sortê! — meu amigo ainda sacaneava minha cara.
Sem mais opções, atravessei algumas ruas da cidade, pensando em algum tipo de abordagem para sua personalidade orgulhosa, até enfim retornar ao Salão Principal. Eu movi a enorme e pesada porta de ouro, encontrando apenas uma mesa vazia. As memórias do dia anterior corriam em minha mente, lembrando da escadaria que Gilgamesh subiu ao se retirar.
O andar acima do salão, apesar de ainda abaixo do teto, se tratava de um simples e vasto quintal, com arbustos e árvores cortados precisamente sob o céu ensolarado. As costas desnudas do cavaleiro arrogante estavam viradas para a entrada, o mesmo, vestia apenas uma calça larga de lã e cobria seu pescoço, e consequentemente peitoral, com uma tolha.
— Já pode esquecer, vai embora — disparou antes mesmo que eu pudesse pensar em falar.
— Nah… não vim pedir pra treinar ou nada do tipo — levantei os ombros convicta de minhas palavras — só vim pedir desculpas por ontem. Deixei meus pensamentos falarem altos demais.
— Não importa. Sua petulância não significa nada pra mim — se recusando a virar para mim enquanto mexia em algo a sua frente.
“Não é o que pareceu…”
— Você me parece bem forte… aquela pressão não é algo normal… — me aproximei lentamente.
— Não tô a fim de bater papo e se está tentando me seduzir, pode esque-
— Mas confesso que já vi mais forte… — provoquei com uma voz melosa, deslizando minha mão por alguns arbustos sobre o gramado.
— O que disse? — Seus olhos enfim se viraram para mim, com um olhar ardente e desacreditado.
— Pois é…
— Bom… pouco importa — desconversou com uma voz claramente preocupada — se já disse o que queria, vá embora!
— Ah… talvez eu devesse pedir ao “Grandioso Rei Arthur” para me treinar — dei meia volta, novamente, pensando alto demais — afinal, foi ele quem te impediu, não foi? O motivo deve ser bem óbvio…
De repente, antes que eu conseguisse sentir sua sede de sangue, uma lança dourada atravessou o ar entre as franjas na lateral do meu rosto. Eu não esperava por aquilo. Claro, eu o estava provocando, mas uma tentativa de homicídio estava longe das minhas expectativas.
Gilgamesh andou calmamente até mim, deixando pegadas profundas por onde passava enquanto emanava uma pressão intensa, porém, menor do que a anterior. Sua pupila havia se estilhaçado, perdendo o brilho dourado em seu rosto e restando apenas o branco de seus olhos.
Apesar de seu caminhar tranquilo, a expressão em seu rosto era antônima. Até então, eu jurava por tudo que era mais sagrado, que peido não pesava.
— Você é Saki Nakamura, não é? Eu ouvi um pouco a seu respeito, mas nada que me chamasse atenção — a lança cravada na parede subitamente reapareceu em sua mão, como se tivesse sido invocada — Você não é daqui e vaga pelo nosso mundo causando tumulto sempre que consegue. Você não tem propósito algum e vive uma vida que não tem o menor controle. Não tem força para proteger aqueles que te acompanham e parece que não consegue nem limpar a merda do próprio rabo! O que faz uma pessoa assim achar que pode me subestimar e me provocar de maneira tão fútil?
Suas palavras duras atravessavam a minha alma, assim como a ponta de sua lança pontiaguda que ameaçava meu peito.
Eu olhava para o fundo de seus olhos raivosos, entrando em uma crise de sentimentos que me imobilizaram.
— Foi o que pensei. Suma daqui! — voltando para sua posição original — E é melhor que não se esqueça, da próxima vez que for falar com um rei, abaixe sua cabeça.
Atordoada com seu discurso, me retirei em silêncio. Meus passos e som ambiente eram abafados pelos meus pensamentos, as palavras de Gilgamesh reverberavam na minha cabeça, tirando meu senso de direção e me fazendo vagar pela cidade.
— Não vai parar nunca? — a voz de Anzu estalou na minha mente.
Quando percebi, estava dentro do seu bar, agora, caindo aos pedaços.
— Até quando vai deixar esse cara entrar na sua mente? — perguntou, notando um homem loiro e misterioso atrás de mim.
— Você mais do que ninguém deveria saber que ele tá certo… — resmunguei com a cabeça baixa.
— Até aonde eu sei, você já teria acertado aquele cara bem no saco.
— Não dessa vez… venho pensando nisso há algum tempo…
— Disso eu sei.
— Dá pra você parar de vasculhar a minha mente?
— Se descobrir como fazer isso, espero que me conte — com um sorriso sacana escondido na sombra de seu chapéu — Não sei mais quanto tempo vou aguentar vendo seus pensamentos românticos e até um pouco pervertidos com aquela bruxa…
Com meu rosto completamente vermelho e envergonhado, avancei furiosamente para cima do demônio.
— Se falar isso mais uma vez, eu juro que te mato!
O bar aos poucos era restaurado, voltando a sua normalidade.
— Saki! — meus sentidos voltaram a funcionar no mundo afora, me deparando uma voz doce.
Noelle e Akira me olhavam com estranheza, tapando a lua com suas cabeças, me vendo sentada em posição fetal em um banco qualquer.
— É, eu disse, que ela estaria mais ou menos assim. Só não esperava que a coisa fosse tão feia… — meu amigo zombou.
— O que aconteceu? — Noelle perguntou preocupada.
Após explicar o ocorrido, Noelle e Akira decidiram que seria uma boa ideia caminhar pela cidade para “clarear” a mente.
O lugar era mágico. Apesar do Éden ser um mundo regido pela mana, o Jardim era muito mais extravagante. Havia frutos brilhantes crescendo nas árvores, animais excêntricos entre as nuvens fofas e macias, peças teatrais e show de música para o público. Tudo belo e glorioso de se ver.
Eu subestimei a atitude de meus amigos, mas em questão de minutos, percebi que pude deixar de pensar naquelas palavras, pelo menos por um tempo.
Nós nos afastamos um pouco do centro do Jardim, caminhando pelas ruas menos numerosas. Ao longe, avistei uma casa, um tanto quanto barulhenta, que me chamou a atenção pela música familiar que tocava.
Ambos disseram que não tinham interesse em ver o que estava acontecendo, mesmo assim, minha curiosidade falava mais alto e os arrastei comigo.
A medida que eu me aproximava, ficava ainda mais desacreditada. Escutando quase que claramente:
“De onde eu venho tem maaaais… De onde eu venho tem maaaais!” um coral feminino junto a uma voz grave e máscula cantava.
Eu arrebentei a porta do lugar (me esforçando para não quebrá-la), vendo um homem, negro como um chocolate meio amargo, rodeado e sendo sufocado por uma infinidade de mulheres, ao som de Leo Santana.
— Sou negão, eu sou negão, negão! — ele cantava enquanto quebrava tudo com seu molejo.
Minha amiga ficou perdida sem saber para onde olhar, envergonhada com a luxúria.
— Sexo, sono, luxúria, sexo, bebida… — ela repetia incrédula.
— Ê vidão… — Akira comentou.
O rapaz me era familiar, porém, um pouco diferente do que eu costumava me lembrar. Seu corpo magro, agora ainda mais alto, tinha músculos bem aparentes, definidos perfeitamente. Suas curtas tranças estavam amarradas atrás de sua cabeça, com a lateral do seu cabelo raspada. E por fim, ele vestia apenas uma calça preta e larga junto a uma corrente de prata ao redor do seu pescoço.
— MIKA?
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