Capítulo 75 – Alma Ressonante
Meus olhos se abriram lentamente sob um teto branco e iluminado. A visão, ainda embaçada, não me permitia entender onde estava, restando apenas a confusão.
— Saki? — Noelle veio preocupada até a cama em que estava deitava.
— O-Onde é que eu tô? — perguntei atordoada.
— No hospital! Você perdeu muito sangue! — seus olhos desamparados passavam rapidamente por todo o meu corpo — Ainda bem… que bom que está bem.
— E onde estão os outros?
— Acabaram de sair, não tinham muito o que pudessem fazer.
— Você ficou…
Eu via os olhos da minha amiga perdidos enquanto seu rosto ficava inteiramente vermelho.
— Finalmente acordou? — Merlin surgiu em frente a porta, com um singelo sorriso.
— Quanto tempo eu dormi?
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— Não se preocupe, foram só algumas horas.
— Que coisa… — meu corpo relaxou aliviado.
— Por que tava lutando contra aquele cara? Você tá maluca? — minha amiga levantou sua voz.
— Você tá parecendo uma mãe… — eu ri brevemente — mas, era a única forma de fazer com que ele me treinasse… falando nisso… — olhando para meu braço esquerdo, revestido por um tecido preto, com círculos e linhas da mesma cor dos meus olhos desenhados em sua volta.
— Parece que você não é mais a única com garras, Noelle — o mago brincou.
— Não ficou tão feio, não é… Anzu? — perguntei, olhando para as garras na ponta dos dedos.
— Eu gostei… — meu braço falou.
— E-Ele fala? — Noelle se surpreendeu com a voz da criatura.
— Pois é… — eu sorri meio sem graça.
— Isso foi muito arriscado, garota — o mago se aproximou — seu braço foi completamente desintegrado e você desmaiou pela perda de sangue, se não fosse por esse carinha, você teria morrido.
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Ponto de Vista de Noelle:
Há 3 anos e meio, eu leio e releio as anotações da minha mãe todos os dias, os livros que acumulei em nossas viagens e os conhecimentos adquiridos ao longo desse tempo me tornaram a bruxa que sou hoje. Dos estudos perdidos sobre demonologia, poucos foram resgatados, o que limitou meu conhecimento. Sei que meu esforço me trouxe informações que me deixaram acima da média, mesmo assim, naquele exato momento… eu não estava entendendo nada.
— E-Espera aí, o que tá acontecendo? — perguntei, os interrompendo.
— Foi um trato — explicou — se bem que… se só um lado se beneficia, acho que tá mais pra presente.
— Não se preocupe, garanto que não serei um fardo… — Anzu respondeu com uma voz amena.
— É melhor que não seja mesmo — olhando novamente para minha amiga.
— Bom, eu já tenho dois braços direitos, por enquanto, ele vai ser o meu esquerdo — me encarou com um sorriso.
Parte de ser uma bruxa é saber quando se deve agir, falar ou perguntar. Naquele momento, olhando para a pele linda (ainda que pálida) da minha melhor amiga, eu sabia que tudo que devia fazer era deixá-la descansar.
Eu parti junto ao mago, deixando para Saki umas porções generosas de carne.
No dia seguinte, a visitei mais uma vez, sendo surpreendida assim que entrei no hospital. Ela estava pronta para sair, com suas roupas e mochila costurada em suas costas. A cor da sua pele também havia voltado ao normal, mas ainda assim, ela não deveria estar de pé em tão pouco tempo.
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— S-Saki? — a situação já estava autoexplicativa no momento em que percebi algumas enfermeiras desesperadas atrás dela.
— Noelle! Você chegou bem na hora! — Ela me puxou pelo braço apressadamente, me tirando do hospital.
As enfermeiras gritavam para que ela voltasse, mas nenhuma era capaz de alcançá-la.
— Você tem certeza que já pode sair?
— Tenho! E olha só! Eles tinham roupas iguaizinhas as minhas!
— Espera! — eu parei abruptamente, segurando seu pulso — Você acabou de perder o braço! Precisa de descanso!
— Relaxa! Eu tô bem!
— Mas-
— Eu não posso ficar parada… — o brilho em seus olhos sumiu por um instante — Tenho que ficar mais forte! Eu preciso…
Saki pausou suas palavras de repente.
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“Sonhos que devo proteger!” me lembrei de suas falas.
Eu nunca tinha a visto tão determinada, ela mordia seus lábios angustiados, com olhos apavorados, como se estivessem vendo o fim na sua frente.
De alguma forma, seus sentimentos, sua angústia, sua tristeza, penetravam minha mente. Eu me recordei do dia em que a conheci, o dia em que enquanto eu sofria angustiada, ela apenas me estendeu a mão e sorriu para mim. O dia que ela me salvou.
— Vamos… — soltei o seu braço assim que percebi sua aflição — Nós vamos ficar mais fortes! — gritei com o maior sorriso que pude dar.
O tom melancólico de seus olhos desaparecia, seus lábios se curvavam novamente para cima, dando um sorriso de canto com seus olhos em um brilho violeta.
Saki parecia ter voltado a seu estado normal, tendo em vista que o resto do caminho ela não calou a boca nem por um segundo, falando suas besteiras incessantemente. Aquilo era… lindo de ver.
Ponto de Vista de Akira:
— Ontem, nós dissecamos bastante o seu interior — o Mago Merlin discursava em uma vasta floresta, no meio de um denso nevoeiro — sua chama carrega peso. É vivida e aventureira. Agora, entendendo melhor sobre si, após tanto tempo aperfeiçoando o controle da sua magia, acha que está pronto para isso?
— Merlin, de verdade, eu não sei nem do que você tá falando — olhei confuso sob a densa névoa entre nós — O que é tudo isso? Que diabo de técnica é essa?
— Me responde uma coisa. Por acaso já sentiu como se seu corpo fosse tomado de si?
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— E-Eu acho que já…
— Tirando a manipulação mental — suas palavras me preocuparam um pouco — Isso é algo que está além da magia convencional.
— Além da magia convencional?
— Isso… — de repente um tom sombrio e maligno tomou o rosto de Merlin — Uma arte obscura, a conjuração dos mortos…
Eu fiquei horrorizado. Pouco sobre o que sei a respeito de magias e feitiços, é graças a Noelle que vive me explicando. Uma vez a ouvi dizer que mexer com as leis da natureza é um crime que vai além do que diz respeito as leis humanas. A conjuração dos mortos… isso não seria o mesmo que os ressuscitar?
— Então, vamos começar! — o mago sorriu com leveza.
— P-Pera aí! — eu tentei o impedir ao virar-se de costas, mas sem sucesso.
— Alma Ressonante: Heimdall! — falou com leveza. Uma aura arco-íris caiu sobre ele — Não precisa ficar assustado! — explicou com uma voz amena.
— Não é isso… é só que-
— É um pecado violar as leis da natureza, eu sei — Merlin se virou novamente para mim, seus olhos rosados, agora se tornaram uma roda cromática, com infinitas cores dentro seus olhos — mas não é esse o caso.
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Lentamente, o mago fechou os seus olhos e os reabriu na mesma velocidade. Sua aura e pupilas arco-íris desapareceram, mas sua expressão despreocupada se manteve.
— O que foi isso?
— Essa técnica, a Alma Ressonante, permite que você incorpore características de uma entidade conectada a você.
— Uma entidade?
— Deuses e Criaturas lendárias, todos esses indivíduos, ao morrerem, suas almas não encontram a paz.
— Eu juro que não tô entendendo — eu tentava acreditar em suas palavras, mas era difícil.
— Por que não tenta?
— Huh?
— Vamos lá, tente fazer assim como eu.
— Tá bom…
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Fechando meus olhos, me concentrei na mana ao meu redor, reunindo o máximo que pude e gritei.
— ALMA RESSONANTE!
Um absoluto nada aconteceu.
— É, eu imaginei que não ia dar em nada.
As palavras sumiram da minha boca enquanto sobrava apenas a vergonha.
— Isso não faz o menor sentido. Você quer que eu invoque um deus ou sei lá o quê, mas isso é impossível se só da pra invocar a alma dos mortos!
Merlin me olhou com suas sobrancelhas arqueadas, como se eu tivesse algo a mais para entender.
— A não ser que…
— Entendeu? — novamente, uma súbita tensão tomou o ar, apesar de sua expressão sorridente — Todos os Deuses estão mortos! — seus olhos entre abertos penetravam minha mente.
— N-Não pode ser! — como eu poderia acreditar em algo tão absurdo?
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— Não só pode, como é um fato. Agora aceite e me deixe explicar.
O ar ficou mais leve, me levando a pensar como raios Merlin conseguia fazer isso.
— Parece que o seu corpo ainda não suporta o poder da sua alma ressonante — disse o mago.
— Tá me dizendo que eu sou fraco demais pra isso?
— Exatamente — afirmou com convicção.
— Então todo esse tempo treinando foi pra não chegar a lugar nenhum?
— Longe disso. Me diga, você consegue utilizar as chamas azuis sempre que quer?
— Mais ou menos… geralmente acontece quando eu já tô no meu limite. Pra piorar, depois que as uso fico tão cansado que mal consigo andar.
— Só mais uma pergunta. O caminho que escolheu trilhar rumo ao oeste, é um caminho extenso e perigoso — por algum motivo, eu sabia que suas próximas palavras iriam tocar bem aonde não deviam — O seu pai, junto com seu grupo, estava seguindo o exato caminho descrito no pergaminho hiberiano que lhe foi dado. Ele encontrou um oponente que não pôde derrotar e o impediu de seguir o seu caminho. Sei que não precisa dos detalhes e sabendo de tudo isso, devo perguntar… por mais quanto tempo acha que vai conseguir avançar?
— Como é? — um misto de fúria e confusão me atingiu.
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— A cada passo que dá, mais forte serão seus inimigos. Você tem sorte de ter sido agraciado com aliados fortes e que se importam, mas e quando estiver sozinho?
— Eu não vou-
— Você vai — seus olhos olharam diretamente na minha alma — Pode até estar com aliados poderosos a sua volta, mas no momento em que estiver cara a cara com a morte, no momento mais decisivo da sua vida. Estará sozinho. Quando esse momento chegar, o que vai fazer, já que não é capaz de andar?
Novamente, sem palavras.
— Vou perguntar mais uma vez… Por mais quanto tempo acha que vai conseguir avançar dessa forma?
Ponto de Vista de Noelle:
Cerca de dois meses se passaram desde que chegamos ao Jardim. O Rei Arthur me guiou a entender os princípios por trás da Alma Ressonante.
A técnica consiste em uma invocação, necessariamente de uma alma sem corpo. A realização da técnica em si é simples, ser verbalizada já é suficiente para realizá-la. O problema, é o estado do seu corpo. Dificilmente um corpo está pronto para receber um poder tão grande subitamente e infelizmente, assim como todo processo de treino, adaptá-lo a tamanho poder requer sofrimento.
Após meses submetendo meu corpo a grandes níveis de estresse, suportando a pressão mágica que Arthur exercia sobre mim, eu o atacava agilmente, como se a pressão em meu corpo tivesse o mesmo peso das minhas roupas caso estivessem molhadas.
Arthur bloqueava minhas garras com maestria, usando sua longa espada, que guardada, quase cobria as suas costas inteiras de ombro a ombro.
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— Não gaste tanta energia — me instruiu — e eleve sua mana ao ápice sem que se disperse.
Ouvindo seu conselho, passei a me concentrar na organização das partículas de mana a minha volta, criando uma camada brilhante de magia em torno do meu corpo e aumentando minha resistência e força.
Cada vez que o Nobre Cavaleiro me empurrava para trás, eu sentia um toque de hostilidade, como se estivesse me provocando.
— Um herói deve sempre agir pelo bem dos outros — ele dizia com um tom de bondade e heroísmo em sua voz — lutar para proteger. Se levantar quantas vezes forem necessárias. Salvar a todos, até mesmo os seus inimigos.
Eu parei por um segundo, lembrando das vezes que não pude proteger aqueles que precisavam, das vezes que não consegui me levantar e da única vez que manchei as minhas mãos.
As memórias amargas distraíram minha mente, me deixando livre para receber um golpe repentino. Arthur me acertou com a face da sua espada, um golpe pesado em minha costela.
— Argh!
— Seus inimigos sempre irão jogar sujo, sempre se aproveitarão da sua vulnerabilidade. Um herói nunca deve tirar os olhos do seu inimigo e precisa ter uma mente inabalável.
Recuperando meu equilíbrio, avancei novamente, o rodeando com múltiplos ataques. Ele continuou recebendo todos os meus ataques com a superfície da sua arma, ainda me jogando para longe com truques malandros. Aquilo estava começando a me irritar.
— Use suas emoções para se conectar. Se lembre da sensação que teve ao chegar ao limite.
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Em uma tentativa de ultrapassar sua defesa, disparei como um raio em sua direção. Arthur se preparou para bloquear, mas não contava com o meu blefe. Quando enfim percebeu a runa gravada em sua espada, já era tarde demais e um brilho intenso explodiu em sua frente.
Arthur se inclinou para frente, confuso com sua perca de visão repentina.
Sua cegueira temporária me deu uma brecha para saltar em suas costas e descarregar toda minha eletricidade através de sua armadura.
— RAH! — de alguma forma, antes que pudesse tocar seu pescoço, uma onda de choque me arremessou a alguns poucos metros de distância.
O cavaleiro se virou com um sorriso, com sua visão completamente restaurada e erguendo sua espada aos céus.
— Justiça de Pendragon! — no fio de sua espada, uma fina cama de cristal translúcida se formou por toda sua extensão.
Seus braços se moveram agressivamente para o chão, disparando um feixe de cristal em formato de lua na minha direção. Eu via o momento exato em que aquele cristal me partiria ao meio. Foi ali, vendo o sorriso em seu rosto, que enfim entendi a oportunidade.
A mana corria em mim desenfreadamente, mas, ao mesmo tempo, organizada. Era possível sentir meu corpo repleto de energia, fortalecido com o excesso de mana que transbordava em mim. Linhas azuis acendiam pelo meu corpo, quase que como uma pintura de batalha.
— ALMA RESSONANTE! — Esbravejei no último segundo.
Uma forte onda de magia acertou o meu corpo, meu cabelo tomou uma nova cor, branco como a neve, além de um chapéu de bruxa formado com uma mana brilhante que se formou em minha cabeça.
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Quando menos percebi, o cristal disparado estava completamente estilhaçado no chão, enquanto Arthur, me olhava com um sorriso orgulhoso.
— Muito bem!
Um sentimento aconchegante tomou meu coração, confesso que por um instante, senti como se meus ombros fossem cobertos por um abraço caloroso e familiar…
— Espera aí! — sua expressão orgulhosa se transformou em uma confusão, ao mesmo tempo que esteva surpreso com o que via — Viollet?
— Disse que só Deuses e Criaturas Lendárias são invocadas, não é? — Eu tentei, mais do que tudo, eu tentei segurar as minhas lágrimas, mas não pude…
— Sim… e é justo — meus joelhos fraquejaram, me levando ao chão — De todas as pessoas no mundo, ela se tornou o maior dos heróis. Uma verdadeira lenda.
Eu apertava meu peito, não de tristeza, mas sim de alívio, alegria e uma enorme saudade.
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