Índice de Capítulo

    (Os eventos a seguir se passam logo após o início do Volume 2 / Capítulo 68)

    Na cidadela, segurando o meu alvo, tal como um gato apanhado pela nuca, eu o ergui para Noelle.

    — É, é ele sim — disse com certeza ao analisá-lo.

    — Então vambora! — pondo o rapaz debaixo do meu braço.

    — Certo, Yo! Estamos prontos! — a serpente do Mago Merlin se rastejava pelos ombros e pescoço de Noelle, rasgando, com suas presas, o tecido do espaço.

    — Por favor, não me machuquem — implorou.

    A fenda criada em nossa frente nos deu passagem para uma cabana escondida em um pântano, distante de qualquer civilização.

    — “Se a lenda dessa paixãããão, faz sorrir ou faz choraaaar!” — Mika cantarolava de dentro da cabana.

    — Essa é boa!

    — Pra mim é nova… — Noelle comentou.

    — De onde eu venho, essa é uma clássica! — respondi empolgada — vou dar um jeito de mostrar a vocês todas elas!

    — Seu mundo é bem diferente, não é? — meu amigo falava com curiosidade — aquele tal de Maturi é SURREAL!

    — Esse não é o nome dele…

    Noelle abriu a porta calmamente, vendo Mika fuçando nas engrenagens de um enorme relógio analógico. Enquanto isso, meu braço chacoalhava incessantemente por conta do alvo trêmulo em meu sovaco.

    — Mas já? — Mika se virou surpreso, levantando seus óculos empoeirados.

    — É — resmungou Akira — a bonitona aqui fez a limpa e não deixou nada pra gente…

    — Você vai chorar o dia todo é? — eu o provoquei, passando ao seu lado.

    — Fica tranquilo, na próxima você vai na frente — disse o “líder” — se bem que é melhor que nem tenha uma “próxima”.

    — Aqui — pus o homem em uma mesa de madeira entre nós — ele não tem muito a cara de quem roubaria um livro sagrado… mas pelo que entendi, o livro tá DENTRO dele.

    — Você chegou a revistar ele? — meu amigo me olhou, duvidando das minhas ações.

    — Ele tá se tremendo de medo desde que botei os olhos nele. Se ele estivesse escondendo, o livro já teria caído.

    — A Saki tá certa — Mika e Akira encararam Noelle com certa surpresa — digo, sobre o livro. Tá dentro dele.

    — Por favor, só não me machuquem! — o prisioneiro implorou novamente.

    — Antes de qualquer coisa — eu o ameacei com apenas um breve espiada por cima do ombro — como conseguiu esse livro?

    — E-Eu não sei! — ele gaguejava amedrontado — eu fui contratado pro serviço e fui ao endereço. Eram pessoas misteriosas e sombrias, disseram que eu tinha que levar o livro até um outro endereço.

    — Como eram essas pessoas? Que endereço? E como esse livro foi parar na tua barriga?

    — Eles estavam cobrindo seus rostos na sombra do capuz, não consegui vê-los. O endereço era passado através de enigmas, mas antes que eu começasse o percurso, falaram algo sobre segurança e tornaram o livro invisível, mas eu ainda estaria com ele.

    — Não me vem ninguém a mente… — eu procurava algo nas minhas memórias que me lembrassem um bando de pessoas encapuzadas.

    — Eu espero estar errado — Akira interrompeu — mas não consigo pensar em ninguém além das Túnicas Negras.

    — A descrição é vaga, mas sabemos que Ego, provavelmente, está com o Enchiridion… a situação ta começando a piorar.

    — E pra finalizar, o lance do livro invisível não passa de mentira… — a bruxa afirmou com certeza — eles apenas transportaram o livro pra dentro do seu corpo, o revestindo com um encantamento pra que não afetasse os órgãos.

    — Se estamos lidando com esse tipo de gente, não vai dar pra fazer corpo mole. Vamos ter que ser cautelosos — disse Mika, caminhando em direção à porta e a fechando.

    — Por favor, só não me machuquem.

    Expansão do Véu Arcano — recitou em um tom calmo e sereno.

    O corpo de Mika tomou um brilho azul, que logo começou a se expandir além das extremidades do seu corpo. A aura criada através da magia de seu corpo se tornou uma redoma, grande o suficiente para cobrir a cabana, dando um tom azulado para tudo de dentro da esfera.

    — E-Essa técnica… — Noelle parecia surpresa.

    — Quê que foi isso? — perguntei, não surpresa, mas curiosa.

    — Minha magia se limita apenas ao meu corpo, mas essa técnica permite estender o alcance de certas habilidades. Tudo que fiz foi expandir o limite do meu corpo e assim, parar o tempo.

    — Então, tecnicamente, a gente ta dentro de você?

    — Por aí… — eu o encarei com uma expressão bem duvidosa, quase como se estivesse zombando dele — NÃÃO! Que papo paia da porra viu!

    — Essa técnica exige um controle absoluto sobre a mana! Como você… — o queixo da minha amiga estava em algum lugar naquele chão.

    — Dois mil anos de idade, lembra?

    — Faz sentido…

    — Mantê-lo parado deve ajudar. Está pronta para começar?

    — Sim!

    Deixando a surpresa de lado, Noelle voltou seu corpo em direção ao prisioneiro.

    Eu não entendia bem o que ela estava fazendo, mas julgando pela runa gravada na barriga do detendo, assumi que estava tentando proteger o livro durante o processo. Por mais que o corpo estivesse parado no tempo, seu estômago se revirada constantemente, como se tivesse um bicho na sua barriga.

    De qualquer forma, nenhum de nós poderia fazer nada além de esperar e depois de alguns minutos, comecei a ficar inquieta com a demora.

    — Preciso dar uma volta — comentei, já andando em direção à porta.

    — Vou com você — Akira se acompanhou.

    Noelle nem ao menos expressou alguma reação, sua concentração era absoluta. Mika, por sua vez, apenas acenou, dando a entender que permaneceria ali.

    Nós abrimos e fechamos a porta silenciosamente, caminhamos alguns metros ao redor da cabana, sem sair do alcance do domo temporal de Mika.

    — Estive pensando… — meu amigo soltou suas palavras ao vento — acha que Layla e Kaiser estão bem?

    — Eu os conheci por pouco tempo, mas pelo que vi, devem estar ótimos.

    — Digo, ainda teve aquilo com o Frost… fico pensando se ele está envolvido em toda essa situação.

    — Relaxa! — tentei confortá-lo, dando um leve toque com meu cotovelo — Se quiser, a gente dá uma passadinha lá.

    — Não… — ele abriu um sorriso aliviado — tá de boa. Ainda tenho um longo caminho pela frente.

    — É verdade. Desde que chegamos a Antares, acabamos desviando um pouco do nosso objetivo.

    — De certa forma, acho que foi bom pra mim — eu arqueei a sobrancelha, confusa, me perguntando o por quê – Se eu tivesse viajado todo o caminho só pra descobrir o que tinha acontecido com eles, provavelmente eu iria enlouquecer. Olhando pro lado otimista da coisa, foi melhor ter descoberto naquela hora.

    — É, você tem razão… — seu ponto de vista fazia bastante sentido para mim — mas e aí, o que planeja fazer agora?

    — Vou terminar o trabalho.

    — O quê? — exclamei com um certo medo do que ele estava falando.

    — A pesquisa… até onde eu sei, meu pai investigava um tipo de romance. Eu nunca fui fã de pesquisas e nem mesmo de livros, mas… sinto que devo fazer isso por ele. Por eles.

    — Nossa… vindo de você, é até impressionante.

    — O problema é que eu não faço ideia de pra onde eu tenho que ir — disse com um sorriso envergonhado.

    — Tá de sacanagem…

    De repente, o domo azulado começou a diminuir rapidamente.

    — Já devem ter acabado.

    Akira e eu voltamos para dentro da cabana, vendo Noelle com o livro sagrado em suas mãos.

    Sua amarelada capa dura e adornada com pequenas placas de ouro triangulares nas pontas brilhava. Seu brilho agradável iluminava a cabana quase que por completa e as gravuras misteriosas em sua capa o fazia, de alguma forma, diferente dos outros livros que havia encontrado.

    — Parece que deu tudo certo, não é? — perguntei, levemente impressionada.

    — Confesso que ainda tô com um pé atrás — Mika olhava para o livro com um certo receio.

    — O que foi?

    — Pode ser que seja uma armadilha — minha amiga explicou — tô verificando a integridade do livro, mas não parece ser o caso.

    — Não sei o que seria pior, as Túnicas Negras ou Ego — eu senti um calafrio só de pensar em qualquer uma das possibilidades.

    — Ou pior do que isso. Existe a chance de Ego e as Túnicas serem forças aliadas — Noelle trouxe o pior dos cenários.

    — Por quê acha isso?

    — Não tenho certeza, mas chuto que todo aquele problema com as túnicas negras foi só uma distração.

    — Parecia mais que eles queriam nos impedir de ir atrás do Kaiser e do Akira.

    — Acho difícil, mas sem provas, prefiro pensar em algo mais concreto…

    — Tipo o quê?

    — Aí é que tá. Não temos nada — Noelle estendia o livro para mim — vamos tentar não perder dessa vez! — brincou.

    — J-Já acabou? Já posso ir? — o prisioneiro tremia como um cachorro molhado no frio.

    — Já… — suspirei, cansada de ver aquele rosto assustado — se manda.

    Ele disparou como uma flecha, saindo da cabana em um piscar de olhos.

    — Tá tudo bem deixar ele ir embora assim? — Akira perguntou.

    — Se ele tomar cuidado com os jacarés… — Mika o “confortou”

    Delicadamente, Noelle guiava a Jörmungandr pelo seu pescoço até o seu pulso enquanto falávamos. A serpente parecia despertar de um bom cochilo, bocejando como se não houvesse nenhuma preocupação em sua vida. Seu corpo longo se entrelaçava entre os braços da minha amiga, abrindo os olhos vagarosamente.

    Eu a invejava.

    — Certo, Yo, já acabamos! — ela falou com sua voz suave e gentil.

    A serpente levantou suas presas ferozmente, cortando o tecido do espaço a nossa frente. A fenda nos levou de volta para floresta de Sylvaturga, onde treinamos por cerca de um ano e meio.

    — Essa coisinha é uma mão na roda, né não? — disse Akira enquanto caminhávamos floresta adentro.

    Não demorou muito pra que ele quase morresse estrangulado. Felizmente, Noelle sabia acalmar a fera.

    — Ela tem nome, você sabe! — repreendeu, acariciando Jörmungandr, que ao seu lado, parecia um bichinho de estimação.

    — Chegamos — Mika declarou.

    Nós paramos subitamente de frente para a gigantesca árvore dos nove reinos no morro nevado.

    — Sylvia… — Noelle sorria com um olhar nostálgico.

    — Você teve uma reação parecida antes — comentei — já ouviu falar dela?

    — Mais ou menos… eu a encontrei há alguns anos, quando entramos naquela simulação.

    — Fala daquele teste do Galliard?

    — Sim, mas era apenas uma simulação, não tem nada a ver com essa Sylvia. 

    — Pensando bem, acho que aquele cara que encontramos na Ilha de Reven também tava na simulação.

    — Samaell? — Akira perguntou assustado.

    — Não! O outro cara!

    — O amigo do Galliard… — Noelle tentou elucidar sua memória, mas seus olhos estavam vazios e lentos como se não houvesse um cérebro na sua cabeça — o que tava no tubo quando voltamos pra Shryne!

    — AH! SEI QUEM É!

    Surge quaeso, magnanime! — O senhor do tempo, Mika, recitou, interrompendo nossa conversa.

    A terra estremeceu ao despertar de Lady Sylvia, a protetora da Yggdrasil. A neve caía do seu casco, cobrindo parcialmente a área ao redor da cratera.

    — Há quanto tempo, Lady Sylvia — ele a cumprimentou.

    Sylvia parecia não se importar muito com a nossa presença, mas acenava, quase que em câmera lenta, com sua cabeça.

    Já desperta, Jörmungandr abriu a fenda precisamente no centro da cratera, dando passagem para voltarmos ao Jardim. Nós caminhamos pela cidade tranquilamente em direção ao Salão Principal.

    — E aí? Já pensou no relatório? Senhor Herói? — provoquei meu melhor amigo, afim de me distrair um pouco.

    — Você sabe que não somos heróis, não é? Digo, o Arthur é literalmente um, mas o resto nem tanto.

    — Heróis do Jardim! Não parece um nome ruim… — continuei sem o dar ouvidos.

    Chegando no salão, Mika tomou a frente, abrindo os enormes portões dourados. Todos que participaram da reunião anterior estavam presentes em suas respectivas cadeiras, mas agora, uma nova integrante se juntou a nós.

    Uma mulher alta de cabelos avermelhados, com roupas molhadas e surradas. Ela estava de pé na ponta da mesa, do exato lado oposto a Gilgamesh. Suas mãos apoiadas na mesa e sua respiração ofegante me levaram a pensar que ela acabara de chegar.

    A mulher tornou sua cabeça parcialmente para nós, nos olhando com um olhar intenso e raivoso.

    Era impossível para mim não reconhecer aquele olhar.

    — E-Elena?

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