Capítulo 82 - Frutos do Treinamento
O campo de batalha cheirava a morte.
— Isso é ruim! Temos que nos apressar! — Jenny gritou para os soldados, correndo em direção à praia.
Eles gritavam motivados, erguendo suas armas aos céus em um único brilho azulado. Os magos conjuradores ficavam para trás, atirando com suas armas, que potencializavam a magia conjurada, já os magos manipuladores, avançavam sem parar, golpeando os inimigos com a mana que pairava no ar após o ataque dos conjuradores. A batalha se intensificava, todos os soldados-magos ali davam seu sangue e suor em cada luta.
— São apenas demônios normais… — Noelle afirmou, analisando nossos inimigos.
— Eles tão se virando bem, mas perdem em quantidade.
— Vai ser moleza — arrogantemente, Akira apoiava seu bastão de aço nos ombros, pendurando seus pulsos na arma.
— Vão ficar parados aí até quando? — Cesar nos repreendeu, gritando com toda sua força — ATAQUEM!
Sem questionar, nós nos olhamos rapidamente, assentindo com a cabeça, confiantes da nossa força e em um único salto, partimos para a batalha.
Eu aterrissei exatamente no meio da horda, os empurrando com uma onda de choque mágica. A atenção das criaturas foram voltadas para mim e vários deles começaram a correr em minha direção, com seus sorrisos diabólicos e orelhas pontudas. A pele inteiramente preta deles era coberta por uma fina camada de mana roxa, apenas um pouco mais escura do que a minha.
Não importava sua quantidade ou força, qualquer um que aparecesse em minha frente era recebido com socos poderosos o suficiente para mandá-los de volta para o inferno. Os gritos e ruídos tomavam conta do lugar, até de repente, algo, tão veloz quanto um raio, atravessar todos os demônios a minha volta.
Noelle, com suas garras trovejantes, cortava tudo em seu caminho, deixando apenas um rastro de poeira demoníaca para trás. Ela parecia se teleportar pelo campo de batalha, em poucos segundos, uma quantidade considerável de demônios haviam sido marcados pela bruxa, que rapidamente, acertou o chão com a palma da sua mão, fazendo com que uma corrente de raios se alastrasse por cada um.
— Espera! Saíam de perto de mim! — eu escutava Akira clamar.
Ao ouvi-lo, me impulsionei em sua direção, aniquilando toda e qualquer criatura no caminho. Quando estava prestes a alcançá-lo, já vendo seu corpo sendo soterrado por uma pilha de demônios, uma enorme torre de fogo ascendeu aos céus.
— Ficou preocupadinha, foi? — Ele zombava, ao sair de dentro das chamas com os braços apoiados em seu bastão.
— Exibido… — o desprezo estava claro em meu olhar.
“Tzz!” minha amiga apareceu de repente, levantando poeira.
— Eles não param de vir!
— Já enfrentei hordas assim antes! — comentei enquanto acertava os demônios que pulavam em nós — Só temos que acabar com todos e esperar o chefão aparecer!
— Quando foi que você fez isso? — Akira questionou, surpreso.
— Eu tive uma vida antes de conhecer vocês!
Eu sabia que todas aquelas horas investidas em roguelikes não seriam em vão.
A batalha continuou por mais alguns longos minutos, até que, enfim, as hordas de demônios cessaram.
— Parece que eliminamos todos — disse meu amigo.
— Ou recuaram, temos que ficar atentos!
Os soldados comemoravam com felicidade, diferentemente da sua última luta. Distante do mar, Jenny acenava para nós, nos chamando.
— Foi incrível! — ela vibrou enquanto nos aproximávamos — Vocês são realmente muito fortes!
— Que isso… — eu ri, desconsertada — Não é pra tanto.
Cesar chegou ao lado de sua companheira e retirou seu capacete pela primeira vez desde que nos encontramos, revelando suas sobrancelhas acentuadas que iam além da testa e pequenas orelhas acima de seu cabelo castanho.
— Na nossa última batalha, chegamos a perder mais da metade do nosso batalhão, além de um capitão… — pondo seu capacete embaixo do ombro — Na batalha de hoje, o número de baixas foi nulo. Graças a vocês.
Confesso que me espantei com sua declaração.
— Me perdoem! — ele se curvou agressivamente — eu subestimei suas capacidades e duvidei de sua boa vontade! Peço que me perdoem!
Olhei brevemente para Noelle e Akira, tão constrangidos quanto eu, e suspirei sem saber o que fazer.
— Relaxa! Só não tenta atirar na gente de novo! — brinquei.
— Cesar está certo! — Jenny levantou a cabeça de Cesar — Sei que não sou a pessoa pra dizer isso, mas não seria absurdo dizer que estão no nível de um soberano!
— Um soberano? É, talvez…
— Os soberanos são os guerreiros de elite de cada continente — minha amiga refrescou minha memória — Não sei se consigo afirmar que estamos no mesmo nível que Frost.
— Não vimos nem metade do que ele era capaz de fazer, mas não acho que ele seja mais forte que Arthur e Gilgamesh.
— Espera aí, conheceram o Rei Frost? — Jenny parecia espantada, exalando seu entusiasmo.
— É… — eu me lembrava da decepção que tive ao vê-lo pela última vez — mais ou menos.
— Sentiram isso? — Akira surgiu de repente.
— Do que tá falando?
— Tem alguma coisa vindo, provavelmente o tal “chefão”!
“BROOOOM!” a terra estremeceu. As ondas no mar começaram a se agitar, me dando a certeza do que estava por vir.
— JENNY! Reúna todos os soldados aq- — meus lábios travaram ao ver que era tarde demais.
— AAAAAAAAAAAAH! — o grito dos soldados próximo às montanhas tomaram a baía.
Uma presença avassaladora infestou a praia. Meus olhos miravam para alguns soldados perfurados por um cercado de ossos que pareciam formar um casulo.
— Droga! VENHAM PRA CÁ AGORA! — eu gritava aos sobreviventes.
— Aí gente… deem uma olhada aqui… — chamou Akira.
Do seu lado havia o mesmo casulo, ossos afiados que emergiam da terra, como se estivessem cercando algo.
— Mesma coisa desse lado… — Noelle confirmou.
— Tá acontecendo de novo! — Cesar, já com um olhar descrente, murmurou.
— De novo?
— Na última batalha, depois de derrotarmos os demônios, uma criatura emergiu do chão e aniquilou mais da metade dos soldados!
— Como imaginei… — eu me culpava pelo meu descuido, mesmo sabendo o que poderia acontecer.
— O-O que vamos fazer! — Jenny retirava seu capacete, mostrando suas pequenas orelhas acima da cabeça, pronta para desistir.
— Noelle, Akira, derrubem esses dois! — Eles assentiram com a cabeça, sem tirar o olho dos seus oponentes ainda inativos — Jenny, você reúne todos os que sobreviveram e voltem até aqui, eu vou criar uma abertura pra vocês fugirem!
— M-Mas e vocês?
— Relaxa! — eu abri um sorriso confiante — Eu te vejo no acampamento!
Jenny limpou seus olhos lacrimejados e balançou sua cabeça, aceitando a missão. Ela e seu, aparentemente irmão, correram em direção ao casulo de ossos a minha frente, guiando os soldados sobreviventes.
Os casulos, que mediriam facilmente cerca de 30 metros, começaram a desabrochar. Um dos ossos que caíam sobre a areia estava prestes a esmagar uma dúzia de guerreiros, eles gritaram, prontos para tentar segurar sua sentença de morte.
Meu corpo se moveu imediatamente, disparando em direção ao casulo. Os soldados abriram os olhos e cessaram seus gritos ao me verem segurando o espinho de osso acima de suas cabeças, sem muita dificuldade.
— VÃO! — ordenei.
Assim que tive certeza de que todos estavam longe o suficiente, empurrei o osso para cima, o desprendendo do casulo. O osso voou alguns metros acima do casulo e retornava ao chão com a ponta da lâmina voltada para baixo, até que, subitamente, uma mão pálida se levantou, erguendo-se em direção ao osso gigante.
O osso afiado atravessou a palma da mão gigante, que cerrou seus punhos e segurou a lâmina como se fosse um mero espinho partindo do verso da sua mão. O restante do casulo caía uniformemente, espalhando a areia da praia para todos os lados.
— SKAAAAAAAAAAAAAAAAA! — A criatura de ossos rugiu.
Ela desabrochou como uma flor, um monstro de ossos gigante. Olhando para cima, tapando o sol com sua mão, parte do osso que atravessara sua mão tornou-se uma lâmina. Seu outro braço, largado no chão, agarrava um dos ossos caídos ali e o fundiu com seu corpo. A medida que a areia caía novamente na praia, eu via sua silhueta se ajustando através dos grãos, tomando a postura de um louva-a-deus, com lâminas de osso acopladas em seus braços esqueléticos.
— REEEEEEEEEEEEEEEEL! — O casulo a frente de Noelle rugiu.
Eles eram semelhantes, ambos gigantes feitos de ossos, com exceção de seus braços e cabeça. Seus braços simplesmente não existiam, mas em sua nuca, um rabo longo e flexível de ossos se estendia até os joelhos.
— VOOOOOOOOOOOOOR! — Perto do mar, frente a frente com Akira, mais um rugido tenebroso e estridente.
Assim como seus irmãos, uma monstruosa pilha de ossos, que carregava um arco construído com fragmentos de ossos em sua mão.
Os olhos vazios do esqueleto, por mais que vazios, olharam para mim com uma sede de sangue. Sua lâmina cortou o ar entre nos em um piscar de olhos, rápido demais para o seu tamanho. Eu me esquivei instintivamente para trás e olhei para a criatura, espantada com sua velocidade.
Virei meus olhos rapidamente para trás, vendo Jenny e o restante dos soldados amontoados no meio da praia e ao meu lado esquerdo, a pequena passagem de onde viemos. Eu sabia exatamente o que deveria fazer.
Ponto de Vista de Jenny:
Eu não sabia o que fazer. Nós estávamos cercados por criaturas imensas que emanavam uma pressão poderosa. O ar estava denso, minhas pernas congelaram no momento em que eles apareceram.
— JENNY! — Saki gritou, escapando dos cortes ágeis do esqueleto — Corre! — apontando para a minha esquerda.
A passagem que dava aos alpes, o único lugar por onde poderíamos escapar. Esquivando-se de seus golpes, Saki guiava o gigante para longe da passagem, porém, mesmo com o caminho livre, meu corpo não se mexia.
— Jenny! Vamos! — Cesar, meu irmão, puxou meu braço ao correr.
Vê-lo disparar sem hesitar destravou o meu corpo, tomando enfim coragem.
— CORRAM, AGORA! — eu ordenei aos soldados sob o meu comando.
Nós corríamos abaixo das ondas de choque e da areia que voava através da praia, chegando, quase que por um fio, a subida para voltar aos alpes.
— Temos que ir! — meu irmão voltou-se para mim, me vendo para encarando a luta dos guerreiros.
— Vão na frente! Eu encontro vocês no acampamento.
— Mas irmã…
— ISSO É UMA ORDEM, SOLDADO!
Ainda espantado ao levantar a minha voz, Cesar pôs seu capacete e correu em direção aos outros soldados.
Enquanto Saki continuava a evitar os ataques do gigante esquelético, seu amigo, Akira, avançava impiedosamente. Seus pés em chamas acertavam o rosto pálido do demônio e o fizeram perder o equilíbrio por um curto período.
Do outro lado, a bruxa Noelle corria e saltava ao redor do gigante com uma cauda em sua nuca. Mesmo sem seu braços, o gigante balançava sua cauda de um lado para o outro tentando acertá-la. Seus golpes eram rápidos e cada chicotada parecia rasgar o ar por onde passava.
— SAKI! — eu juntei minhas mãos na frente da boca e a chamei com todo o meu fôlego.
Ela olhou para mim no segundo em que me ouviu, o que a fez perder o foco e receber um ataque cortante em cheio.
As palavras fugiram de minha boca.
De repente, um brilho violeta, como se fossem labaredas de fogo, surgia em meio a areia pairando no ambiente. Com seus joelhos flexionados, a guerreira purpura segurava a lâmina ossada com suas duas mãos, evitando o fio. Ela erguia seu braço, sem dificuldade, esbanjando um sorriso convencido.
Saki jogou a lâmina para o lado, levando o esqueleto gigante com ela, cambaleando para o chão. Rapidamente, um feixe violeta trespassou o crânio da criatura, arrancando parte dele.
Enquanto descia no ar, diretamente para o topo do aclive de areia que dividia as montanhas da praia, o gigante resgatava o fragmento de seu corpo caído do chão. Mesmo sem olhos, sua sede de sangue expressava sua fúria incontrolável, e com um golpe poderoso, acertou sua própria cabeça com um forte tapa.
O fragmento ósseo que Saki arrancou, se fundiu novamente ao seu crânio, se regenerando rapidamente.
— SKAAAAAAAAAA! — o monstro rugiu, aumentando ainda mais o tamanho de sua lâmina e a deixando com cerras pontiagudas.
— Ótimo… vai dar pra aquecer! — Saki debochou, frente a frente com o demônio.
“FWOOSH” uma enorme flecha de ossos passou a poucos centímetros de seu rosto, ficando presa em uma montanha logo atrás.
Ela inclinou levemente sua cabeça, olhando por cima do ombro de Ska, e encarou seu parceiro do outro lado da baía com um olhar de julgamento.
— Que é? Quer trocar de lugar? — perguntou, claramente se segurando para não xingá-la.
Saki apontou para cima sutilmente, chamando sua atenção para o demônio com arco e flecha apontado em sua direção. Ao disparar, sua flecha se partiu em milhares de pequenos pedaços de osso, como estilhaços de uma vidraçaria quebrada.
Eu me preocupava com a situação de Akira, diferente do mesmo, que com um sorriso erguia sua cabeça e inclinava sua postura, agarrando um bastão em suas costas. O Guerreiro dos Pés Flamejantes brilhava com uma aura intensa, era como se ele fosse um herói lendário, assim como o conto de um macaco rei.
Akira enfrentava a torrente de ossos girando seu bastão agilmente, refletindo todos os fragmentos da flecha que o ameaçavam.
— Esperava mais de você, grandão! — ele zombou.
Os fragmentos espalhados pela areia começaram a tremer e rapidamente passaram a levitar, atacando novamente enquanto voltavam para o gigante. Cada estilhaço se juntou ao dedo indicador de Rel e a reação de Akira, surpresa, me fez ter certeza de como ele atacava.
O demônio arqueiro continuava a atirar partes do seu corpo com seu arco, algumas se transformando em milhares de estilhaços e outras acelerando em um único disparo preciso. Felizmente, Akira demonstrou ser extremamente ágil e sagaz, evitando e refletindo todos os golpes de Rel.
Em uma tentativa de surpreendê-lo, a criatura arrancou sua própria mão e arremessou em direção a Akira como uma espécie de bumerangue.
— Perfeito! — com os pés em chamas, saltou sobre a mão esquelética e se agarrou em um dos dedos.
Ainda girando em pleno ar, Rel fez com que sua mão voltasse para si, ao mesmo tempo que disparava pequenos fragmentos da palma da sua mão. Surpreendentemente, Akira parecia dançar enquanto evitava os projéteis, como se para ele, aquilo fosse uma oportunidade perfeita.
Quando chegou próximo às costelas do gigante, ele tomou um grande impulso para dentro da boca do monstro. Era possível vê-lo entre as fendas nos dentes da criatura, e mesmo naquela situação, Akira parecia confiante.
— Você não escova muito os dentes, né não? — brincou, tapando o seu nariz.
Sem hesitar, Rel tentou mastigá-lo, mas seu maxilar foi interrompido pelo cajado de Akira, fincado entre seus dentes inferiores e superiores. O crânio do demônio começou a se partir em milhares de pedaços, prontos para irem em uma única direção.
— Fornalha Impetuosa! — com o estender de seus braços, os fragmentos ósseos, já a poucos centímetros de o atingirem, foram expelidos pelo ar quente em segundos.
Suas chamas escapavam por cada orifício daquele crânio enquanto o corpo inteiro do gigante desmoronava. Largada a beira do mar, a fogueira de ossos decretava a morte do demônio.
Akira enfim saiu do meio dos ossos, girando seu bastão e o guardando em suas costas novamente. As chamas da fogueira o perseguiam, voltando para o seu corpo e deixando para trás a pilha de ossos envolta por fumaça.
— Vocês ainda tão nessa? — ele provocou, gritando para que ambas as suas companheiras pudessem ouvir.
— Tá de sacanagem, não é? — Saki resmungou ao bater seu punho de frente com a lâmina de Ska.
— Esse cara é mais chato do que parece! — A bruxa fez o mesmo, ainda que em pleno ar, evitando as chicotadas do último gigante.
— Vai uma ajudinha? — continuou.
— NÃO! — as duas gritaram em um coro.
Pareciam que estavam brincando com seus oponentes. Eles provaram sua força, passei rapidamente a confiar em suas habilidades, porém, apesar da confiança que pus neles, algo ainda não me parecia certo.
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