Capítulo 84 - Uma Pista
Ponto de Vista de Saki:
Nossos corpos estavam escondidos entre a nuvem de poeira negra que pairava no ar. Os casulos de ossos se desintegravam rapidamente, nos dando a certeza da vitória.
— Então esse é o fim do General Skarelvor… — Anzu soltou seus pensamentos no ar.
— Conhecia ele? — perguntei, me juntando aos meus amigos.
— Só a fofoca. Ele foi um dos generais do exército Lilith na guerra do milênio. Poderoso e astuto.
— Ele não me parecia nem um pouco esperto.
— Não se engane, vocês é que são mais fortes do que deveriam, além disso, ele estava naquela forma…
— Você falou algo sobre “berserk”, não foi? — Noelle se aproximou.
— Exatamente. Quando uma criatura entra em seu modo berserk, ela vira uma besta incontrolável repleta de ódio, perdendo completamente a sua mente. Na maioria das vezes, demônios inferiores, como eu, utilizavam esse poder para lutar, mas nunca um general fez isso.
— Arf… Arf… — Jenny, ofegante, corria até nós — Isso… foi… incrível! — ela exclamou com brilho nos olhos — Conseguiram derrotar aquele demônio e nem se feriram! Com vocês do nosso lado, com certeza vamos vencer!
— É bom ajudar, mas… você não deveria estar com o restante da galera?
— Eles estão a salvos, graças a vocês! Vamos! Temos que comemorar uma vitória como essa!
Nós voltamos para o acampamento, onde Jenny, com um sorriso alegre, abraçou seu irmão com força, transbordando sua esperança para o restante dos soldados. A vitória foi anunciada para todo, que ao olharem uns para os outros, perceberam que estavam inteiros, sem baixas, sem machucados. O silêncio se alastrou, com um misto de estranhamento e dúvida, até um soldado qualquer cair no chão tremendo, e em um grito guardado do fundo de sua alma, disparou.
— É ISSO AI!
O restante o acompanhou, gritando, comemorando, celebrando suas vidas.
Uma festa se iniciou. Grupos cantavam e dançavam ao redor de uma fogueira no final da tarde, alguns soldados chegavam pela floresta, trazendo o fruto de suas caças, enquanto outros chegavam com barris repletos de bebida prontos para serem secos naquela mesma noite.
“Corra, desespere!
Um demônio emerge!
Chamas e Raios o seguem!
Pra salvar a ti!”
Um soldado, com um violão improvisado, cantava no meio de uma roda de outros soldados
— Isso tá certo? — minha amiga questionou — A guerra ainda está acontecendo…
— Dê um descanso a eles… — a interrompi — parece que passaram por poucas e boas…
— Mas…
— Olha, eu tô tão ansiosa quanto você — a interrompi novamente — Ta tudo de ponta cabeça e não temos nem uma pista de onde Galliard está, mas correr desesperadamente em qualquer direção não vai nos ajudar em nada.
Noelle abaixava seus olhos e orelhas, com um semblante triste e amargo.
— Você não é a única que tem alguém na em perigo… — Disse Akira, puxando um pedaço de carne — Kaiser e Layla estão em Antares com aquele maldito do Frost… e ainda por cima tem toda essa treta rolando. Você é a mais inteligente de nós, se você se perder, a gente se perde junto — terminou com um tom sarcástico, rindo levianamente.
— Quando foi que os dois patetas ficaram tão inteligentes? — Anzu comentou de repente.
— Fica na tua vai…
Algumas horas depois, em um clima mais ameno, a noite começava a pesar. A maioria dos soldados entrava em seus sacos de dormir, enquanto Jenny vinha até nos calmamente.
— Obrigada por tudo, de novo…
— Não foi nada!
— É possível que Hermes apareça amanhã nos informando sobre mais uma horda de demônios… mas, acho que seria pedir de mais que viessem conosco, não é?
— Acho que não me importo de os acompanhar por um tempo, pelo menos até nossos caminhos se divergirem. Tudo bem pra vocês? — virei-me rapidamente para os meus amigos.
— Tá de boa — Akira respondeu, enquanto Noelle apenas acenava com a cabeça, ainda cabisbaixa.
— Sério? Isso é ótimo! Sem um capitão, não vamos conseguir fazer muita coisa sozinhos.
— Vamos ajudar com o que precisar, não se preocupe.
— Certo! Obrigada! — Jenny se virou, despedindo-se, mas parou subitamente — Ah, só mais uma coisa — voltando para nós — Você… é de Nebuloria, não é? — perguntou, apontando seus olhos para Noelle.
Ela levantou seu rosto rapidamente, com uma expressão de dúvida genuína.
— Eu? Na verdade, não. Eu cresci em um pequeno vilarejo, perto da fronteira entre Verdena e Brasslyn.
— Entendi… é que, lá está tudo um caos. Se não fosse pela rainha de Shryne, provavelmente tudo estaria bem pior…
— O-O que aconteceu?
— Desde que o filho mais velho da casa Von, Dullaham, tornou público a morte de seus pais, ele se tornou o chefe da família. Por conta da sua inexperiência, os chefes das outras famílias começaram a tirar proveito disso, dividindo o país e a cidade em dois. A Rainha Melissa havia acalmado a situação ao formar uma aliança com Dullaham, mas com seu desaparecimento há 3 dias, parece que tudo está piorando novamente.
— Mas qual é o motivo da briga entre as outras duas famílias, quando estivemos lá, tudo estava bem…
— Por mais que meu juramento me faça defender essa cidade, acabei não ficando a par de tudo, os ataques frequentes deixaram tudo um grande caos.
— Entendi…
— Sei que não é da conta de vocês, mas achei que gostaria de saber disso — disse, voltando os olhos novamente para Noelle.
— Prefiro não me envolver em guerra política… — respondi, mesmo que preocupada.
— A Rainha Melissa voltará logo — Noelle disse brevemente — Eu garanto! — com um olhar furioso e determinado.
— Espero que sim! Bom… é melhor descansarmos, não sabemos o que vai acontecer amanhã — Jenny enfim foi embora.
Nós três, ou quatro (como preferir), nos olhamos, sabendo da real situação da rainha.
— Ela tá certa, é melhor a gente dormir.
— Sim…
— Noelle — eu pus minha mão, de forma firme e gentil, em seu ombro — descansa.
Ela acenou com a cabeça, e nós fomos dormir, pelo menos alguns de nós. A noite fria e refrescante era silenciosa como sempre. O barulho do vento balançando as árvores e o brilho da lua e das estrelas… era belo. Me lembrava do mundo que queria proteger e me aventurar.
— Tá acordada? — Anzu falou em minha mente.
Eu o ignorei.
— Eu sei que tá acordada.
— Então por que perguntou?
— Acho que tô ficando infectado com sua estupidez.
— Para com isso, não estamos juntos há muito tempo.
— Faz 5 anos.
— Para, tá mentindo.
— Desde o dia na floresta até hoje, foram 4 anos e 7 meses.
— Puta merda, o tempo passa rápido demais.
— É, por isso tenho que te avisar.
— Manda.
— Tem alguma coisa errada.
— Jura?
— Não falo sobre suas guerras e problemas pessoais. Algo está errado no inferno.
— Continua.
— Skarelvor, o demônio que vocês derrotaram, foi morto na guerra dos mil anos. Ele não deveria estar aqui.
— O estado Berserker dele não pode ter algo a ver com isso?
— Impossível. Só sei que, independente do que esteja acontecendo, precisam tomar cuidado. Lilith não é um demônio qualquer.
— É, tô sabendo, por que acha que não tô conseguindo dormir?
— Conheço seus sentimentos mais do que qualquer um, por isso estou te alertando. Não faça nada estúpido.
— Hah! — sorri brevemente — não posso prometer nada.
Anzu era o único de quem eu não poderia esconder nada, não por escolha, mas ele literalmente estava sempre na minha cabeça. A cada nova descoberta, cada problema novo que surgia, eu me perguntava até quando eu iria conseguir esconder essa aflição.
No dia seguinte, após pouquíssimas horas de sono, nós comíamos um pouco de pão e carne que sobraram na noite anterior. O som do chacoalhar do ferro nas armaduras corria de um lado para o outro do acampamento, até um deles começar a vir em nossa direção.
— Gente — Jenny nos chamou — Tem alguém que eu gostaria de apresentar a vocês.
Com certa dúvida e confusão, nós nos encaramos, mas ainda assim, seguimos a guerreira. Chegando próximos à parte mais fechada da floresta, algo entre as folhas e arbustos começou a se mexer.
— Hermes, esse são Saki, Noelle e Akira — ela nos apresentou seu amigo, saindo do meio do mato.
— Geralmente me restrinjo a falar apenas com aqueles que precisam dos meus serviços — disse com uma voz densa, porem jovial, mantendo um tom amigável — mas particularmente, preciso agradecer a vocês pessoalmente.
— Não foi nada.
— Vocês a protegeram, digo, protegeram a todos. Mesmo sem os conhecer ou ter a necessidade de o fazer. Além de mostrarem uma força avassaladora.
— E você nem pra dar uma ajudinha? — Akira brincou.
— Prefiro evitar entrar em conflitos. Sou apenas um mensageiro, mas… se querem me ajuda, acho que tenho algo que pode ser útil a vocês.
— Que seria…
— Acabei escutando a conversa de vocês. Tenho uma ideia do que estão procurando, mas tudo que sei são apenas informações que juntei há algum tempo.
— Isso é meio esquisito… mas, pelo menos, é alguma coisa.
— Pouco tempo atrás, antes das hordas se tornarem cada vez mais frequentes, alguns caçadores começaram a relatar experiências incomuns em suas expedições. O número de caçadores mortos aumentaram, e os sobreviventes, com olhares aterrorizados, sempre diziam o mesmo: “Nunca vimos eles daquele jeito”. Os líderes de Verdena, a comando da Rainha Melissa, investigaram a situação e notaram um padrão. Todos esses os relatos vinham de uma região específica, um pântano comum nas proximidades de Brasslyn.
— É um caso bem estranho, mas não entendi como isso pode estar relacionado com o nosso problema — Noelle interrompeu.
— Acontece que, antes do seu desaparecimento, a Rainha Melissa me pediu para enviar uma mensagem a uma amiga. Falava sobre o sumiço de um amigo em comum e que o mesmo poderia estar ligado ao evento trágico dos caçadores.
— Só pra esclarecer uma coisinha. Por acaso essa “amiga” era alta, com um cabelo vermelho e meio… explosiva?
— Ela virou uma bomba de fogo ao ouvir a mensagem, então acho que estamos falando da mesma pessoa…
Pelo jeito, Hermes tinha toda a informação que precisávamos.
— Nos leve até o pântano — Noelle ordenou, em um tom sério e raivoso.
— Nós já vamos até lá — disse Jenny — Houve um chamado de ajuda perto do local, vamos assim que nos organizarmos.
Minha amiga mal conseguia controlar sua impaciência.
Cerca de 2 horas depois, os soldados seguiam Jenny floresta adentro. Ela se guiava por uma projeção de um animal na palma de sua mão, nos levando por um caminho de terra, onde pedaços de metal e cabos de espadas estavam espalhados pelo caminho.
A medida que caminhávamos, árvores quebradas ou queimadas apareciam cada vez mais. O clima pesava, como se a própria morte tivesse passado por ali.
“Pleh!”
Jenny parou de repente, retirando seu pé de uma poça de lama.
— Parece que chegamos — deduziu brevemente.
— Não parece ter ninguém aqui — comentei ao ver apenas restos do que aparentava ser um massacre.
— Aqui! — um grito repentino e desesperado ecoou entre as árvores escuras do pântano.
Jenny correu prontamente até o grito, sem ao menos se questionar o que seria.
— Espera aí! — eu tentei impedi-la, temendo uma armadilha.
Vasculhando entre as madeiras destruídas das árvores, ela puxou um braço, revestido em uma armadura, felizmente, acompanhado de um corpo vivo.
— Ainda bem — disse em um suspiro.
— O-Obrigado, acredito que tenham mais de nós escondidos. Eles eram fortes demais, tivemos que correr para sobreviver! — o soldado, com uma armadura um tanto quanto diferente, explicava com certo pavor.
— O seu capitão, onde está?
— Ele nos deixou para morrer, desapareceu quando as criaturas chegaram… — seus braços tremiam de raiva — disse que não tinha escolha e fugiu!
Em sua expressão, Jenny parecia se compadecer com o relato do soldado e o guiou, por debaixo de seus braços, para o grupo.
— Vamos procurar o restante, acho que é aqui que nos separamos.
“Devem ter cuidado, demônios são mais astutos do que pensam…” a voz de Anzu estalou na minha mente.
— Devem ter cuidado, demônios são mais astutos do que pensam! — repeti instantaneamente — se precisarem da nossa ajuda, é só chamar.
— Vou lembrar disso! — Jenny respondeu estendendo sua mão.
“Que demônio bonzinho!” brinquei.
“Cala a boca.”
Aproveitando a despedida pacífica que tivemos, Noelle, Akira e eu partimos para dentro do pântano, procurando pela localização que Hermos nos contou.
Após alguns minutos vagando, com nossos pés afundados na lama e sem ao menos conseguir ver a luz do sol, sentimos uma presença ínfima nos rodeando.
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