Capítulo 88 - Pior Pesadelo
Com sua cara emburrada de sempre, Gwen caminhou agressivamente até a parte de trás do barco.
— Você ainda me deve um livro! — resmungou ao passar pela bruxa.
Todos se sentaram, prontos para partir. Eu estranhava a escassez de piratas em sua tripulação, um barco como aquele precisaria de no mínimo umas 10 pessoas para fazê-lo velejar, o que me levava a pensar “como diabos isso aqui vai andar?”.
Vysage era alto e forte, mas não me parecia capaz de conduzir aquele barco sozinho. Ainda assim, a madeira do barco começou a ranger de repente por conta de uma pequena agitação do bar na beira da praia. As velas se içaram por vontade própria, da mesma forma que o barco passou a se mover para frente.
— ZAHAHAHAHA! — ele ria quase que descontroladamente — VOCÊS ESTÃO PRONTAS CRIANÇAS?
O silêncio dos outros devido ao choque e confusão correu junto aos ventos, já o meu, vinha do medo avassalador dos próximos dias em meio ao mar.
— EU NÃO OUVI DIREITOOO! — cantou, impulsionando o barco como um jato.
Todos se seguravam firmes no que podiam, enquanto voávamos pelo mar. Metros se passaram acima das ondas, até que enfim pousamos sobre no oceano agitado.
— O QUE FOI ISSO? — Akira gritou, confuso.
— O mar, rapaz! Isso foi o mar!
Tentando distrair a minha mente dos perigos aquáticos que nos rodeava, eu não tirava os olhos da capa de Vysage, me perguntando: “Que tipo de monstro ele matou?”.
— Onde foi parar a outra garota? E quem é esse cara? — Gwen perguntou, agressiva como sempre.
— Hum… er… ela… — Noelle tentava arranjar uma desculpa para esconder minha identidade em meio o som alto das ondas se quebrando no casco — foi nadando na frente! — disse, procurando algum lugar para enfiar a cara.
— Estúpida daquele jeito, não é difícil de acreditar… — eu senti seu ataque como uma pontada no peito.
Enfim, a calmaria começava a afetar as ondas. Nosso percurso continuou tranquilo por mais algumas horas, que para mim, continuaram tortuosas. Não havia muito o que se fazer, eu me mantinha quieta tentando sustentar o meu disfarce, enquanto, de todos ali, o único que parecia ter energia para alguma coisa era Akira.
— Saki — de repente, fui transportada para o bar na minha mente, onde eu me sentava e esperava Anzu terminar de encher o meu copo — precisamos conversar.
Ponto de Vista de Drisco:
Após um intenso confronto contra um monstro enfurecido, eu abria o peito da minha armadura de madeira, respirando fundo e ofegante ao por meus pés na lama funda do pântano.
— Pilari, o que era isso? — eu perguntava a minha assistente.
— E-Eu não sei, meu senhor! Não há nada parecido no bestiário, mas para travar uma luta como essa contra um soberano, deve estar no mesmo nível de um Guardião!
— Mande fecharem o perímetro em um raio de 5km e traga pesquisadores para ver a carcaça.
— M-Mas senhor, não temos autoridade aqui, devemos pedir para uma das famílias em Nebuloria.
— Tsc! Então faça isso.
— Senhor, tem mais uma coisa…
— Diga.
— Tanto a Rainha Melissa quanto a Capitã Elena estão desaparecidas. Shryne está nas mãos dos anciões.
— E o que isso tem a ver comigo?
— Eles ordenaram execução imediata da criminosa Saki Nakamura. Ela foi vista recentemente por um pelotão perto daqui.
— Já entendi! — a interrompi, reunindo um monólito de madeira abaixo dos meus pés — Apenas faça o que te pedi. Nós vemos na torre.
Rapidamente, em um único e rápido impulso, projetei o pilar de madeira para os céus, levemente inclinado, me lançando no ar.
Ponto de Vista de Saki:
Eu secava meu copo em instantes, sentindo o terrível gosto do nada, afinal, aquela bebida só existia na minha cabeça.
— Desembucha, o que foi? — apressei meu amigo, batendo o copo no balcão.
— Tem… algo de errado acontecendo. Algo de errado comigo, para ser mais exato.
— Além de estar preso aqui, o que mais tá errado?
“FWOOOSH!” Eu sentia uma forte corrente de vento balançando o barco, como se um projétil acabasse de rasgar o ar a minha frente.
— O que foi isso? — Noelle gritou, vendo o céu se fechando em nuvens carregadas, agitando novamente o mar.
No mesmo instante, Akira escalou o mastro habilmente, buscando no horizonte a causa da turbulência.
— Barcos às 3 horas! Estão preparando alguma coisa! — nos alertou prontamente.
— 3 horas? Pra que lado é isso? — eu gritei de volta, confusa com a informação e me perguntando por que raios ele falou daquela forma.
— PRA LÁ! — apontando para a direita.
Já não tão distante de nós, dois barcos se aproximavam impetuosamente. Um deles preparava uma espécie de canhão com um grande cristal acoplado em si, infundindo fogo em sua estrutura mágica. O outro acelerava em nossa direção, como se surfassem por correntes de vento, dando a volta em nosso barco e nos cercando.
— Piratas! — Vysage, com um sorriso excitado, sacou duas espadas cerradas, pronto para lutar — Ergam-se marujos! Lutem por suas vidas!
— É você que devia lutar pela gente! — a vampira reclamou.
Enquanto eu me segurava firme no barco, evitando olhar para o mar e segurando o meu capuz, o calor de uma enorme bola de fogo afligia minha pele.
Em um único salto, Akira abriu o peito para o ataque, abraçando a esfera flamejante e a absorvendo. Seu corpo exalava uma densa fumaça, enquanto caía em direção ao mar aberto.
Seu corpo já era atingido pelos respingos da água salgada, mas seus pés, surpreendentemente, atingiram uma plataforma de gelo que acabara de surgir. Gwen se juntou logo em seguida, congelando a água na sola dos seus pés e mantendo a plataforma sob meu amigo.
— Andou treinando? — Akira brincou com um sorriso debochado.
— Mais do que você, pelo visto!
— Eu sinto te dizer, mas não preciso mais de você pra isso! — Ele a deixou rapidamente, incendiando seus pés em uma pequena explosão que o lançou em direção ao navio inimigo.
Gwen o acompanhou usando suas habilidades vampíricas. Por outro lado, o segundo barco colava seu casco em nós, abrindo um caminho para os outros piratas nos invadirem. Sua tripulação de cerca de 15 homens corriam com suas espadas e pistolas para nos matar.
— Não temam! Eles são muitos, mas são tão fracos quanto lebres! — Esbravejou nosso capitão, manuseando suas espadas com maestria.
— Eu não diria isso, meu amigo! — No alto do mastro do barco inimigo, uma voz desconhecida por mim, exclamou.
Mostrando sua imponência, a figura se pendurava com uma única mão e seu pé no mastro, soltando seu corpo com certa liberdade. Ele estava coberto por uma armadura leve adornada em tons de vermelho e preto, além de linhas douradas que se pareciam com o magma aquecido. O braço direito era envolto em uma manta de escama dracônica, com garras afiadas ao longo da extremidade.
Seu rosto era levemente travesso, ao mesmo tempo que malicioso, dando um ar jovial para a sua aparência, e seus cabelos vermelhos eram tão brilhantes quanto o magma que acabara de vazar de um vulcão.
— Ignis! Eu sabia que não morreria com aquilo! — Vysage exclamou, com um sorriso surpreso.
— Pare de sorrir, seu imbecil! — ele mergulhou em nosso barco, acertando o cotovelo de Vysage com a palma de sua mão.
Ignis lutava como uma mistura de várias artes marciais, usando majoritariamente a palma da mão para golpear. Seu oponente, Vysage, bloqueava os ataques com dificuldade, evidenciando a diferença de agilidade entre ambos.
Durante a batalha, Shosuke e Noelle impediam que a sua tripulação invadissem o nosso barco, os lançando de volta e evitando ataques letais.
“ZZZZIUM!” Um feixe comprimido de chamas perfurou o barco há poucos centímetros do meu pé.
O impacto balançou o barco, quebrando repentinamente o meu equilíbrio. Minhas costas atingiram uma das paredes do barco, fazendo o capuz se desprender momentaneamente da minha cabeça.
— Merda! — eu cobria meu rosto novamente, retomando o equilíbrio para me levantar.
“ZZZZIUM!” O feixe foi disparado novamente, atravessando a madeira do barco próxima ao meu rosto.
Acredito que se não fosse por meus reflexos apurados, provavelmente minha cabeça teria sido cortada ao meio.
Eu via Ignis apontando a palma da mão para mim, enquanto segurava os braços de Vysage com o seu antebraço.
— Parece que tirei a sorte grande! — ele claramente havia me reconhecido.
— O Demônio Púrpura? — Vysage se perguntou, surpreso.
O alvo havia mudado, Ignis saltou em minha direção, alcançando a borda do barco e confuso quanto a minha posição.
Ele voltou sua cabeça para trás imediatamente, me vendo de pé, preparando meus punhos para o confronto. O pirata ergueu seu calcanhar agilmente, quase acertando meu rosto.
Ignis tentou me acertar repetidas vezes com uma velocidade excepcional, mas graças ao convívio contínuo com uma bruxa tão rápida quanto um relâmpago, evitá-los não foi um grande desafio. Ele alternava entre golpes e disparos, destruindo o barco diversas vezes. Vysage entrou rapidamente no confronto, para minha surpresa, ao meu lado.
— Protegendo uma criminosa? Não… só deve estar querendo a recompensa toda para si! — provocou.
— Tão procurada quanto eu e você! Além disso, um capitão protege a sua tripulação! — ele rebateu, travando a batalha com o choque de seus ataques.
Pouco me importava os objetivos de cada um, tudo que precisava era apenas me manter viva. Eu apareci rapidamente nas costas de Ignis, acertando uma rasteira no seu calcanhar e o girando no ar. As chamas púrpuras se acenderam acima dos meus ombros, enquanto eu preparava ambos os meus punhos para desferir um golpe poderoso em seu estômago.
O soar repentino de mais um disparo sendo carregado chamou minha atenção, seguido de um intenso calor produzido pela mão de Ignis, como se todas as partículas de mana se concentrassem em um único ponto na palma da sua mão.
“ZZZZIUM!” o feixe comprimido de chamas trespassou o ar alguns milímetros acima de mim, atingindo o barco em que Akira e Gwen estavam. Aquele disparo perfurou e evaporou uma onda inteira entre os barcos, para ser sincera, eu tive sorte por conseguir entortar a minha coluna daquela forma e naquela velocidade.
— Huh? — o pirata perdeu seu sorriso ao se ver caindo de ponta cabeça.
Eu ergui minhas costas que quase tocavam o chão, encontrando Ignis tendo sua cabeça pressionada pelas botas de Vysage.
— O que fará desta vez, velho amigo? — meu capitão o menosprezava, olhando com glória para a situação ao seu redor. Tanto Akira e Gwen, quanto Noelle e Shosuke eram os únicos de pé em seus respectivos barcos — Sua tripulação está acabada! Seus barcos estão naufragando, enquanto o meu… — Vysage ergueu sua mão aos céus, cerrando seu punho com violência. As águas salgadas responderam ao seu comando, se transformando em linhas que costuravam o barco partido — … continua perfeito!
— Sua voz continua irritante! Me mate de uma vez! — gritou enfurecido.
— Hum! Dessa vez vai ser pra valer! — Vysage erguia suas espadas curtas, prontas para decapitar Ignis.
— Calma aí! — eu tentei o parar.
“BROOOOM!” Um rugido dos céus interrompeu a execução.
As nuvens escuras começaram a girar e se concentrar acima de nós. O mar se agitava cada vez mais, criando ondas cada vez maiores e intensas. Raios e trovões nos rodeavam, junto a forte ventania que nos balançava.
— Mas o quê- — Akira expressava o mesmo que todos nós, o que diabos estava acontecendo?
— Droga! — o capitão soltava seu prisioneiro, correndo para o timão — O que você fez, seu desgraçado?
— Acha mesmo que eu faria isso? Eu ainda não enlouqueci completamente!
— O que aconteceu? — Akira, junto a Gwen, pousaram no barco.
— Você tava aqui? — a vampira me perguntou rapidamente.
— Dá pra alguém explicar o que tá acontecendo? — eu gritei, buscando um norte.
— Leviatã! — Vysage berrou de volta.
As ondas temerosas nos guiavam para um arquipélago de rochas enormes e pontiagudas. Cada impacto que o barco recebia, fazia com que seu casco rachasse cada vez mais, destruindo ainda mais nossas chances de sobrevivência.
— Saki, sentiu isso? — meu amigo puxava meu ombro, percebendo uma intensa pressão mágica navegando por debaixo de nossos pés.
— Eu sabia que a gente não devia ter vindo pelo mar! — pela primeira vez na minha vida, minhas pernas estavam mais moles do que macarrão.
Ao longe, na maior das rochas do arquipélago, um braço coberto por escamas surgiu, se envolvendo na rocha. Seu corpo se erguia em seguida, revelando sua barbatana asquerosa, rodeada de espinhos e cicatrizes, e refletindo um brilho úmido por toda a sua pele. O corpo esguio da criatura se contorcia na rocha, a cortando com suas garras que pareciam ser feitas para matar um deus. Abaixo do torso, seu corpo se fundia em uma cauda monstruosa, serpentina, adornada com nadadeiras cortantes, capazes de fender a água com velocidade e precisão assassinas.
A cabeça alongada esbanjava uma fileira de espinhos irregulares que se juntava a sua crista, também espinhosa. A besta rugia no topo da rocha, fazendo seus olhos brilharem em uma luz dourada e espectral. Seu grito fez com que um raio atingisse sua boca com dentes afiados, criando ao seu redor, uma corrente elétrica.
— VAI SE FUDER, NÃO EXISTE A MENOR CHANCE DE EU FICAR AQUI! — eu corri para o fundo do barco, aglomerando cada partícula de mana no meu melhor punho
— Que merda você vai fazer? — meu amigo quis me impedir.
Eu soquei o mar com toda a minha força e pavor, arremessando o barco através do arquipélago de rochas. O leviatã carregou uma esfera de raios em sua boca e disparou com ferocidade contra o barco.
Felizmente, talvez por conta da distância, seu tiro atingiu apenas as ondas abaixo de nós e eu só conseguia me sentir aliviada ao vê-lo apenas se distanciando.
— Droga! — Noelle amaldiçoou — Olhem ali! — ordenou, apontando para um enorme redemoinho no final de nossa trajetória.
— Só pode tá de sacanagem! — mais uma vez, eu me via em desespero.
— PREPARAR PARA O IMPACTO! — Vysage exclamou pouco antes de surfarmos dentro da descarga gigante.
Todos se seguravam aonde podiam para não serem lançados no mar. A poderosa correnteza atraia nosso barco para o centro do redemoinho, mostrando o indomável poder do mar.
— Não consigo controlar! Vamos afundar! — o capitão declarava nosso fim.
— Nem fudendo! — eu me preparava para agir novamente.
— Saki! Não! — Akira me prendia pelos braços, me fazendo ceder ao medo e desespero.
— FIQUEM JUNTOS! — Noelle gritava, mas as vozes de todos se pareciam apenas como sussurros.
— Não, não, não, nãonãonãnãnãnão! MEU CU! ISSO NÃO VAI ROLAR!
Nós fomos engolidos pelo oceano.
Por algum milagre, ainda não estávamos mortos, mas ainda girávamos quilômetros, mar abaixo. Eu a via no horizonte obscuro das águas, a silhueta do leviatã, nadando impetuosamente ao nosso redor, além de uma figura misteriosa, tão imensa que não caberia no oceano, movendo seus tentáculos como se olhassem profundamente em meus olhos.
Minha visão se tornou turva e uma sensação péssima de enjôo tomava meu estômago, eu mal conseguia respirar, o desespero não me permitia ter controle sobre mim mesma, meus olhos pesavam a cada segundo enquanto eu sentia minha cabeça explodindo em mil pedaços.
As vozes abafadas dos meus companheiros ecoava a medida que perdia minha consciência.
— SAKI! SAKI! — a voz de Anzu estalou na minha mente — ACORDA!
Meus olhos se abriam, vendo Akira e Noelle com olhares de preocupação sobre mim.
— O-O que aconteceu? — eu me erguia, ainda sentindo uma leve tontura.
— Um naufrágio! Foi isso que aconteceu — eu escutava Vysage, olhando sem medo para frente.
— E onde a gente tá? — perguntei, enquanto Akira me ajudava a levantar.
A paisagem não era estranha, a estrutura das casas e árvores ao meu redor era bastante familiar. As ruínas, fendas e crateras no chão me traziam a sensação de que já estive ali antes. Acima de mim, um pequeno e leve brilho solar perfurava o oceano, o que quase me levou a desmaiar mais uma vez.
— Eu espero muito estar errado, mas esse lugar…
— É Raven, o lar dos bruxos — Noelle interrompeu.
A casa da Bruxa Celestial, milhares de quilômetros no fundo do mar, protegida por uma reles esfera de água.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.