Índice de Capítulo

    — R-Raven? — eu perguntava desacreditada 

    A paisagem morta não os deixava mentir. Um misto de nostalgia e confusão tomava conta de mim, querendo entender o que estava acontecendo.

    — Conhecem esse lugar? — Gwen nos olhou com dúvida genuína em sua expressão.

    — Estivemos aqui há alguns anos — Noelle respondeu prontamente.

    — Espera! Há quantos anos exatamente?

    — Não sei, uns 4?

    — M-Mas essa ilha estava inabitável! Tinha uma maldição-

    — Quebramos a maldição — eu a interrompi — bom, pelo menos a fizemos desaparecer.

    — Eu não acredito nisso — seu queixo largado no chão deixava isso bem claro — então os rumores eram verdades…

    — Rumores?

    — A névoa negra subitamente desapareceu da ilha e isso fez com que alguns países voltassem a ter interesse nela.

    — É, mas há cerca de 2 anos, noticiaram o sumiço repentino da ilha no mapa-múndi — Vysage entrou na conversa — Isso foi um tormento entre os navegadores. Quem diria que estaria no fundo do mar?

    — Prefiro não pensar muito nisso — eu mantinha minha cabeça baixa 100% do tempo.

    — Deve haver alguma maneira de sai-

    — Não que eu saiba — uma voz familiar surgiu de repente.

    Surgindo da sombra de uma das árvores, um cheiro forte de cigarro tomou conta do ambiente e com a fumaça bloqueando parte do seu rosto, Karayan se apresentou para nós.

    Vysage estufou o peito, reforçando sua posição como capitão, por outro lado, Gwen esfriava o ar, a nossa volta, pronta para atacar, enquanto eu e os outros apenas ficamos aliviados e um tanto surpresos com a sua presença.

    — Tá tranquilo — eu tomava a frente, parando ambos com o meu braço — é um amigo.

    — Vocês têm uma mania feia de fazer o impossível, não é? — disse avançando, dando mais um trago em seu cigarro.

    — Como você pôde não ter mudado NADA em tanto tempo? — brinquei, apesar da situação.

    — Não tem nada pra mudar — Karayan passou por mim, sem ao menos abaixar os olhos para me cumprimentar.

    Ele se aproximou da Noelle, a olhou por alguns constrangedores segundos e deu com um suspiro.

    — Você tá bem?

    — T-Tô! — a bruxa hesitou — Tô conseguindo lidar…

    — Ótimo — pôs sua mão por cima dos cabelos prateados — Venham comigo! — virou-se para mim novamente — Vou atualizar vocês.

     Eu estranhei aquela interação atípica, mas apenas ignorei e deixei Karayan nos guiar através das ruas desertas da ilha até uma pousada abandonada. Na sua fachada, duas asas negras, feitas de metal, estavam largadas no chão, com a ferrugem as consumindo.

    — Eu tô tendo um déjà vu? — perguntei.

    — Acho que já passamos uma noite aqui — Akira refrescou minha memória, lembrando da situação, um tanto quanto engraçada, que tivemos quando chegamos.

    — Sério, como vocês entraram aqui? — Gwen resmungou em dúvida.

    — Sendo sincera, não faço ideia — Noelle pontuou — por algum motivo, a névoa negra não nos afetou quando chegamos. Talvez Shosuke saiba de algo, ele chegou antes de nós.

    Todos, até mesmo Karayan, olhavam para Shosuke esperando uma resposta.

    — Eu fui atacado por dois demônios perversos. Eles me carregaram pelo mar e me jogaram aqui pra morrer… — nós esperávamos enfim pela resolução desse mistério — Mas eu não morri.

    “FALE MAIS!” era o que passava em nossas mentes.

    — É isso. Eu não sei o que aconteceu.

    Nunca tinha visto tantas pessoas decepcionadas ao mesmo tempo.

    Deixando esse assunto de lado mais uma vez, nós entramos na pousada “Asas de Corvo”, agora, com um ambiente interno bem mais aconchegante e receptivo.

    As luzes em um tom âmbar no ambiente nos acolhia com certa ternura, iluminando também uma gama de pessoas que se reuniam na recepção.

    — Quem são essas pessoas? — Akira disparou.

    — Elas ficaram presas aqui quando a ilha afundou — o espadachim respondeu rapidamente — a maior parte deles são pesquisadores e diplomatas chatos.

    — O que foi que aconteceu aqui… — eu olhava para os cantos, vendo as pessoas já acostumadas com aquela vida, esquentando seus corpos em torno de uma pequena lâmpada incandescente.

    Há cerca de dois anos e alguns meses, Raven recebia, pela primeira vez em muitos anos, um grupo de pessoas enviadas pelo governo Verdiano. Ao que parecia, Galliard estava encabeçando toda a missão, mesmo não tendo viajado com o grupo. Os pesquisadores estavam encarregados de estudar os danos e modificações que a ilha sofreu nos últimos 17 anos, já os diplomatas tinham a função de entrar em contato com os bruxos que residiam na ilha (caso houvesse algum)

    Tudo que o grupo encontrou foram apenas alterações naturais da passagem do tempo, tudo estava como esperado com base nas suas expectativas. Além disso, os diplomatas se depararam com os únicos habitantes da ilha, Sig, Yoki e Karayan. Karayan estava disposto a cooperar com ambos e ficou encarregado em guiá-los e informá-los sobre tudo ao seu redor.

    O grupo passou a se hospedar na pousada da Dona Yoki, saindo pela manhã e retornando apenas pela noite, dia após dia. Certo dia, Karayan percebeu uma presença diferente na ilha, duas pressões mágicas poderosas, cada uma em uma ponta da ilha. Àquela altura, os pesquisadores já tinham autonomia o suficiente para andarem sozinhos pela ilha, então ele decidiu investigar. Tragando seu cigarro a cada curva, perseguiu o rastro de mana de um dos indivíduos.

    Ao se aproximar da costa da ilha, ele contou ter visto uma explosão brilhante atrás de um montante de pedra e em seguida, um fluxo de mana em formato de correntes mergulhando na água. Uma outra explosão veio quase que imediatamente, e em seguida, ambas as presenças desapareceram.

    A ilha inteira começou a tremer. Karayan correu até o grupo Verdiano, verificando se todos estavam a salvos. De repente, uma pequena corrente de água cruzou a ilha, foi quando ele percebeu o que estava acontecendo. Juntamente com Sig, eles lutaram para impedir que o oceano tomasse conta da ilha, porém não havia muito que pudessem fazer.

    Sig suspirou por um breve momento e correu de volta para o centro da ilha onde estavam os pesquisadores e diplomatas. Ele olhou para Yoki, determinado, decidido da sua escolha e reuniu o córrego que já tomava boa parte da rua e formou um enorme pilar a sua volta. O pilar chegava aos céus e parecia se fundir com a ilha.

    Com alguns rápidos gestos com a mão, Sig erguia seu corpo dentro do pilar, gradativamente se misturando com a água. Cada tecido, cada músculo, osso e nervo de seu ser se tornava um com a água, enquanto ao redor da ilha se criava um escudo fino, mas incrivelmente resistente, de Éter.

    Graças a isso, a ilha continuou a afundar, mas seu interior permaneceu intacto.

    — Desde então, estamos buscando uma forma de erguer a ilha novamente — Karayan finalizou sua história.

    — É um feitiço poderoso… quem poderia conjurar um feitiço desse nível? — Noelle perguntou.

    — Seja lá quem for, nunca mais voltou.

    — Pode me mostrar o lugar da explosão de mana que citou?

    — Se vai tentar desfazer o feitiço — um dos pesquisadores, com um peixe grelhado num espeto, interrompeu — Nós já tentamos!

    — Entendo… mesmo assim, gostaria de entender melhor com o que estamos lidando — disse, com certa confiança, como se tivesse um plano.

    — C-Certo! Desculpe — ele voltou a comer seu peixe silenciosamente.

    — Espera aí! — exclamei antes de partimos — Onde é que foi parar o outro cara? — perguntei para Vysage, me lembrando do pirata de cabelos vermelhos.

    — Ele foi lançado no mar depois que você desmaiou… — respondeu friamente, andando com suas pernas estranhamente moles.

    — Vish… ele vai ficar bem?

    — Quem liga?

    Karayan nos levou pelas ruas desertas da Raven submersa. Confesso que apesar de tudo, era reconfortante ver o lugar sem uma névoa consumindo toda a vida presente, haviam até mesmo algumas folhas secas no chão, algo que antes nem existia.

    — Saki — Anzu me levou até a minha mente, me chamando com uma leve preocupação em sua voz — precisamos conversar.

    — Você disse que tinha algo errado acontecendo, não foi? — eu me lembrava de suas palavras antes de sermos atacados, me sentando em um banco próximo ao balcão do bar — o que foi?

    — Não sei ao certo o que é, mas ultimamente venho me sentindo diferente.

    — Já disse, você é um demônio preso no meu corpo, isso É diferente.

    — Não é disso que estou falando. Recentemente, eu te disse que não conseguia compreender esse tal de “amor”, não é?

    — Uhum.

    — Acontece que agora… eu sinto que entendo. De repente eu passei a compreender melhor o que estava sentindo.

    — É… — eu não sabia o que falar — isso não é bom?

    — Demônios não possuem sentimentos. Eles não possuem sentimentos por que não os compreendem. Há alguns dias, se me oferecessem a oportunidade de me vingar do inferno, eu aceitaria e te deixaria para sempre.

    — Quanta sinceridade… — eu o olhava com um misto de ironia e decepção.

    — Se isso acontecesse agora, eu diria que não existe a possibilidade de aceitar a proposta.

    — Tá me dizendo que… de alguma, você, um demônio, tem sentimentos?

    — Acredito que sim.

    Eu me levantei tranquila, soprando o vento com um pouco de dúvida e preocupação. Eu rodei pelas mesas vazias do bar, assimilando a ideia.

    — Alguma teoria pra isso?

    — Se eu tivesse que chutar, diria que a mana caótica que flui no seu corpo está me assimilando. Nos fundindo, nos colocando uma relação quase que simbiótica.

    — Tipo o Venom?

    — Eu não sei o que é isso…

    — Ah… — dei com um suspiro exausto, sem saber o que fazer — Não sei se isso é bom ou ruim. Devemos falar com Merlin assim que possível.

    — Noelle não poderia nos ajudar?

    — Acho que sim, mas… não é uma boa hora.

    — É… tem razão.

    Voltando a trilha, nós chegamos no local. Tudo parecia tranquilo, nada tão fora do habitual vindo daquela ilha, algumas árvores mortas, galhos secos no chão e pedras rachadas a beira da costa. A única coisa que nos incomodava era um leve brilho azulado vindo de trás das árvores.

    — O que é aquilo? — Noelle se aproximou cautelosamente.

    Eu a acompanhei automaticamente, mas assim que reparei, acabei hesitando e Akira passou a minha frente. Eu segui logo em seguida, julgando o quão frustrante era a situação.

    — Uma corrente? — perguntei, tirando alguns galhos da minha frente.

    Uma enorme e espessa corrente de mana afundava no oceano fora da esfera de Éter. Ela se emaranhava em si mesma, enterrando boa parte em meio a areia.

    Noelle se agachou ao lado da corrente, pondo sua mão sobre ela. A bruxa descarregou uma corrente elétrica poderosa, que não surtiu efeito algum.

    — Não adianta — Karayan comentou — nem mesmo as minhas sombras conseguiram afetar essa coisa.

    — Gwen, não consegue desfazê-las? — lembrando de suas habilidades.

    — Por que eu ajudaria uma bruxa? — respondeu com uma expressão repulsiva, escancarando seu descaso com seu título.

    — Você quer sair daqui ou não? — ela olhou profundamente em seus olhos, quase em um tom de ameaça.

    — Tsc! — a vampira cedeu — se for um feitiço, talvez eu consiga resolver.

    Ela sobrevoou nossas cabeças, chegando ao lado da Noelle. Ainda de pé, sem muito esforço, ela olhou para a corrente e deu um simples estalo com seus dedos.

    Os ventos da imutabilidade correram entre nós, de alguma forma, irritando a vampira.

    — Funciona, desgraça! — Gwen se abaixou instantaneamente, e começou a estalar os dedos repetidamente.

    — Parece que não é um feitiço — Noelle se levantou, enquanto eu e Akira continuamos vendo a tentativa cômica de desfazer a corrente.

    — O pilar que você falou antes, onde está? — Vysage perguntou.

    — Aquele pilar? — o bebum apontou para cima no horizonte, mostrando um grande pilar azul, brilhando no “céu”.

    — Acredita que eu nem reparei?

    — Acredito. Vamos, quero checar algo — Vysage tomou a liderança.

    — Vão na frente, quero ver uma coisa antes— Noelle disse rapidamente — Gwen, vem comigo! — puxando a vampira pelo braço.

    — Também tem um lugar que quero ir — eu envolvi, Akira e Shosuke em meus braços — vou levar esses dois comigo.

    — C-Cuidado — meu amigo recluso, reclamou.

    Vysage e Karayan ficaram por conta própria, eu escutei o pirata perguntando a ele se tinha alguma bebida, e por algum motivo, eu sabia que eles se dariam bem.

    Ponto de vista de Noelle:

    Eu arrastava Gwen comigo até o castelo, da bruxa celestial, caminhando pelas ruas mortas de Raven.

    — O que é que você quer, ein? Pra onde estamos indo?

    — Quero investigar uma coisa, só preciso que venha comigo.

    — Acha mesmo que vou te ajudar? — ela parou por um segundo.

    — Não vai ser a primeira vez, não é? — seu olhar de fúria queimava minha nuca, mas logo em seguida, voltei a ouvir seus passos bem atrás de mim.

    — E por que não chamou sua amiguinha?

    Um breve silêncio desconfortável soou entre nós.

    — Nós… não estamos nos falando muito…

    — Quê? — um olhar de surpresa e confusão surgiu no seu rosto — o que aconteceu?

    — Aqui está, chegamos! — suspirei aliviada.

    Felizmente, chegamos ao castelo, com grande parte ainda em ruínas.

    — Que lugar é esse? — perguntou, subindo as escadas de mármore.

    — O Castelo da Bruxa Celestial.

    — Como é? Que merda você quer aqui? — Resmungou imediatamente após colocar os pés dentro do castelo.

    — Fica tranquila! — disse com um leve sorriso, tentando acalmá-la.

    Nós vagamos pelas ruínas perdidamente, procurando entradas e saídas, tentando chegar em algum lugar.

    — Por que odeia tanto os bruxos? — perguntei enquanto vasculhava uma prateleira empoeirada

    — Você realmente não faz ideia? — a vampira confrontou, chutando algumas pedras no chão.

    — Grande parte das informações sobre vampiros eram mantidas nessa ilha. Tudo que o mundo afora sabe sobre vocês, é que são uma raça quase extinta.

    — Não me surpreende… — Gwen respirou fundo.

    — Aqui tem uma escada — apontei, subindo rapidamente.

    Eu me lembrava daquele lugar, foi onde Karayan me levou quando estive aqui pela primeira vez, o quarto da minha mãe. Todos os móveis eram adornados em cristais brancos, por mais que empoeirados e destruídos, ainda brilhavam intensamente.

    — Que exagero… — a vampira, como sempre, resmungou.

    “Vuuush” eu arrastava uma das prateleiras do quarto, revelando nada além de uma parede, obviamente, menos desgastada que o restante dela.

    — O que tá procurando?

    — Não sei ao certo. Uma passagem secreta, um cofre, alguma coisa assim.

    Observando atentamente a marca da sombra da prateleira, pude ver, próximo ao rodapé, um pequeno fio branco saindo da parede. Curiosa e um tanto quanto esperançosa, eu puxei o fio, que imediatamente derrubou parte de uma parede do outro lado do quarto, no formato de uma porta.

    — Sério? Um fio fez isso?

    Nós atravessamos o vão criado na parede, entrando em uma sala escura, quente e abafada. A baixa iluminação apenas me permitia ver alguns metros a minha frente, mas de alguma forma, os objetos ao meu redor aparecia na minha visão a medida que eu me aproximava.

    — Deve estar aqui… — comentei, deslizando minha mão por um pequeno totem no centro da sala.

    — Você vai me dizer o que a gente veio fazer aqui, ou não? — reclamou novamente.

    — Você ainda não respondeu a minha pergunta…

    “Click” meus dedos acertaram algo no totem acidentalmente, criando uma pequena esfera de luz acima de nós.

    Uma interface preta surgiu no meio do totem, feita de um mineral raro, com a capacidade de registrar a mana em sua estrutura. Eu sabia exatamente o que devia fazer, guiada através das instruções da minha mãe, eu abri seu livro na última página, onde uma runa mágica estava desenhada.

    Assim como foi ensinado nas páginas finais do livro, eu acumulei uma certa quantidade de mana na ponta do meu dedo indicador e repliquei a runa mágica na interface do totem.

    A mana brilhou em seu tom azul, como de costume. A esfera de luz começou a pulsar, variando seu brilho em uma frequência rápida o bastante para incomodar os olhos e em seguida, explodiu em um grande clarão.

    A sala, inteiramente iluminada, revelou um livro, flutuando em cima do totem, girando sua capa carmesim e robusta, como se estivesse me convidando a agarrá-lo. Com um certo conforto no coração, eu agradecia a minha mãe por mais um presente.

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