Índice de Capítulo

    Ponto de Vista de Saki:

    Junto a Akira e Shosuke, eu vagava pelas terras mórbidas e úmidas de Raven, procurando pela cratera onde, anos atrás, levei uma surra.

    — É meio estranho andar aqui — Akira comentou.

    — Achei! — exclamei, ao ver um enorme buraco no chão, não muito longe.

    Nós três olhamos para o centro da cratera, lembrando o que tinha acontecido ali.

    — Ele varreu o chão com a nossa cara naquele dia.

    Silenciosamente, eu deslizei a cratera abaixo, revivendo o passado. A luta voltava inteira na minha mente, como se não tivesse passado nem um dia.

    Eu fechei os olhos e respirei fundo ao cerrar meus punhos, então, ataquei o vazio. Uma sequência direta e eficaz de golpes, balançando o vento através de cada soco. Meus pés, firmes, desenhavam no chão o caminho ideal para mim, o caminho perfeito para golpear o desgraçado sem que tivesse a chance de revidar ou respirar.

    Dei meu último golpe direcionado ao chão e parei, antes que pudesse afundar meu punho na terra.

    — Se estivesse aqui e agora… quem cairia? — perguntei a mim mesma.

    Meus amigos desceram assim que pus minha mente no lugar.

    — Acha que vai ser diferente da próxima vez? — Akira questionou, em um tom irônico e descontraído.

    — Que fique claro… — eu olhei para ele, com um sorriso confiante, ao mesmo tempo que arrogante — da próxima vez, o buraco vai ser bem mais fundo!

    — Houve alguma notícia ou aparição dele desde então? — Shosuke veio em seguida.

    — É mesmo, você não tava lá…

    Calado, fez uma expressão de curiosidade, como se me pedisse para continuar.

    — Quando saímos de Antares, uma tal mensageira de Lilith nos encontrou e disse que eu deveria me entregar e mais um monte de balela. Obviamente, eu recusei, então ela avisou que eu teria alguns meses pra me preparar.

    — E ainda assim, nada — comentou, notando que havia algo a mais na história.

    — Em resumo, um tempo se passou e Beelzebu, um dos “Demônios de Goétia” apareceu, com Lilith ao seu lado.

    — Fez contato direto com Lilith? — ele aumentou um pouco o seu tom de voz, abismado.

    — Ela parecia estar presa numa espécie de cetro, mas ainda assim, sua pressão era tão forte que eu não conseguia ficar de pé. De qualquer modo, ela julgou que o tempo que me deu não era suficiente e que sua espera deveria valer a pena. Agora temos um prazo de cinco anos. Não para me entregar, mas para nos preparar.

    — E quanto tempo temos?

    — Eu acho que uns dois anos — meu amigo chutou.

    — Lilith quer uma guerra e acha que esse lugar vai ser o seu parque de diversões. Ela está nos subestimando e é isso que vai acabar com aquela vadia!

    — Era isso que seu pai queria quando te mandou aqui? — Akira perguntou.

    — Ir atrás do meu passado… e acabar com uma guerra sem fim — resmunguei para mim mesma, lembrando das palavras do meu velho — eu sou a única capaz disso.

    — Tenho que admitir que tô surpreso — meu amigo sorriu com certo deboche — pra alguém com a sua memória, você lembra de umas coisas bem específicas, não é?

    — Claro que sim! — gritei revoltada com seu insulto — Por acaso esqueceu quem fez isso aqui? — continuei, abaixando a alça da minha regata que escondia parte da enorme cicatriz.

    “FWOOOSH” Um feixe vertical de luz surgiu no horizonte.

    — Mas o quê? — confusa, saltei para fora da cratera.

    O feixe desapareceu quase que imediatamente, trazendo um silêncio perturbador. Com minha experiência em filmes e animes, eu sabia que aquela calmaria era a que precedia a tempestade.

    — Sentiram isso? — meu amigo pousava ao meu lado com seus pés em chamas.

    — Não precisa sentir… — disse Shosuke, olhando para cima.

    Sobre nós, diversas criaturas redondas, um pouco maiores que um adulto comum, nadavam no ar. Elas se assemelhavam a espécies de fantasmas marinhos, exalando uma fumaça mágica em tom azulado. Suas bocas colossais e escancaradas mostravam uma risada insana, com dentes exageradamente grandes e brancos que ocupavam grande parte do corpo.

    Seus olhos flamejantes, pequenos e brilhantes, como chamas amaldiçoadas, saltavam no topo de suas cabeças como brasas vivas. No lugar de braços e pernas, algo semelhante a cortinas, balançavam ao seu redor.

    — Que merda é essa? — eu não estava histérica nem indignada, apenas curiosa.

    — Eles estão… sorrindo? — Akira abaixava sua guarda.

    “NHAHAHAHAHAHAHA!” uma das criaturas avançou em sua direção.

    Por pouco, Akira se esquivou agilmente, fazendo o monstro cavar um buraco no chão com seus dentes. A confusão estava clara em nossos olhares, meu amigo, então, sacou rapidamente seu bastão, golpeando o monstro.

    Nossas mentes ficavam ainda mais confusas, vendo a criatura com seu sorriso bisonho de frente para Akira. A peste atacou novamente, dessa vez, em conjunto com o seu bando.

    Eu disparei em sua direção, o arrastando para longe dos monstros.

    — O que são essas porras? — questionei, eufórica, ajudando Akira a se erguer.

    De certa forma, aquelas coisas me lembravam um Gengar. Redondo, sorriso diabólico e fantasmagórico.

    — Não sei, mas não dá pra acertá-los — Shosuke pontuou, tentando acertá-los com sua espada, agora completa.

    — Tem pelo menos uns 20 deles! O quê que a gente faz?

    — CORRE!

    Escapando das dezenas de fantasmas, nós disparamos entre as ruas e casas destruídas da ilha submersa. As criaturas destruídas tudo por onde passavam suas bocas, deixando a marcas de suas mordidas como buracos no chão.

    Mesmo sabendo do resultado, continuamos a tentar a acertá-los vez ou outra, mas o resultado óbvio sempre nos frustrava.

    — São insistentes demais, não vai dar pra- — enquanto gritava aos quatro ventos, o telhado de uma das casas onde Akira corria desabou de repente, prendendo seu pé.

    — Merda! — eu via meu amigo, invocando labaredas de fogo ineficazes, prestes a ser dilacerado um pequeno grupo dos monstros.

    Instintivamente, meu corpo se moveu em sua direção, acertando um poderoso chute nas costas de uma ou duas criaturas mais próximas dele.

    “UWAAAAAAAA” gritaram, sendo enviados para longe e seus corpos explodiram em uma gosma brilhante no horizonte.

    Os outros fantasmas pareciam amedrontados, mas assim que perceberam que ainda estavam em grande quantidade, voltaram a sorrir e atacar.

    — Cuidado! — Akira puxou o meu pé, derrubando nós dois dentro da casa, porém, evitando o bando de monstros.

    Nós saímos rapidamente, destruindo a parede da casa já em pedaços e continuamos a correr.

    — Como acertou eles? — perguntou.

    — Eu tô tão surpresa quanto você!

    Eles não paravam de nos perseguir, eram incansáveis, era como se algo os guiasse até a gente. 

    — Se separem! — Ao meu comando, Akira e Shosuke correram em direções opostas, me deixando sozinha no meio da rua.

    Eu olhei para trás, vendo quantos deles ainda me perseguiam. Para a minha surpresa, a grande maioria deles ainda continuavam atrás de mim, abocanhando o vento numa tentativa de me acertar.

    — Que cacete! — resmunguei, fortalecendo minhas pernas e aumentando minha velocidade.

    Em alguns segundos, os poucos fantasmas que perseguiam meus amigos passaram a vir na minha direção. Tudo aquilo soava um tanto quanto estranho, eles definitivamente possuíam alguma forma de escolher os seus salvos, mas eu não conseguia encontrar a diferença entre nós que poderia afetar as criaturas.

    Apesar disso, uma ideia estalou a minha mente. Eu puxei da mochila, balançando freneticamente nas minhas costas, a nova foice que Gilgamesh me deu. A lembrança recente me fez perceber um possível motivo para ter acertado o monstro aluns minutos atrás. Imbuí a foice com a minha mana, a cobrindo com um brilho violeta.

    Rapidamente, lancei a foice para cima e a controlei com agilidade para trás das criaturas. Em um movimento simples com meu braço direito, avancei a lâmina da arma, girando pelas suas costas.

    Vários deles se atentaram ao meu ataque, mas aqueles que não, foram cortados ao meio, explodindo seu ectoplasma brilhante.

    — Maravilha! — exclamei com um sorriso, enquanto continuava correndo.

    — Tenho que admitir, essa foi bem inteligente… pra você — a voz de Anzu estalou em minha mente, com um tom desacreditado.

    Para a minha surpresa, aqueles monstros que pareciam apenas fantasmas bobos, eram mais espertos do que pareciam. Com a morte de alguns deles, os que restaram estavam mais atentos aos meus ataques, virando seus rostos para a foice no momento em que fossem ser atingidos.

    — Você sabe que eu não sou tão burra quanto parece! — em um único salto, atravessei cerca de 3 ruas em direção ao meu amigo flamejante, ainda escapando dos fantasmas.

    Eles o cercavam em um círculo, o fazendo dar piruetas para escapar das suas abocanhadas, como se estivesse dançando.

    — Descobri uma coisa — me aproximei, mantendo minha velocidade e guardando a foice novamente em minha mochila.

    — É melhor que seja uma forma de matar esses desgraçados! — disse aos prantos.

    — Se atacarmos de frente, nossos ataques vão passar direto, mas isso muda quando acertamos as costas deles! É tipo o fantasma do Mario! — expliquei da forma mais simples que consegui.

    — QUE MARIO? — gritou eufórico.

    — Não fala essas coisas kkkkkkkkkk.

    Tirando Akira daquela situação patética, nos seguimos ao encontro de Shosuke, que se protegia dos ataques com tentáculos negros que saíam de dentro da sua espada.

    — Ele tá tirando uma onda ein… — comentei, ainda correndo.

    — Exibido…

    — Pelo que parece, esses merdinhas são atraídos por mana! — nós juntávamos todos os fantasmas em um só lugar, dando voltas ao redor do espadachim.

    — É por isso que a maioria deles tão te seguindo? — meu amigo perguntou, vendo que a quantidade de monstros atrás de mim aumentou.

    — Cacete! — resmunguei, cansada da perseguição — Só temos que acertá-los nas costas. Eu chamo a atenção deles e vocês cuidam do resto!

    — Sim! — ambos confirmaram em uníssono.

    Acendendo ainda mais a chama púrpura em meus ombros, tomei uma boa distância de todos os fantasmas, dando tempo para me preparar.

    Eu comecei a reunir partículas de mana ao redor de mim, gritando em um rugido poderoso que saiu por impulso. Um leve tremor correu pela ilha, e eu vi, mesmo que por um instante, os fantasmas hesitando ao me verem antes de atacar.

    — I-Isso tudo… — eu ouvia Akira gaguejar, em um som abafado devido o enorme esforço que estava fazendo — que poder é esse?

    — Presta atenção! — Shosuke aumentou levemente a sua voz.

    Reunindo o máximo de mana que podia, explodi em uma onda imensa de caos, fazendo as partículas de mana ao redor de mim se agitarem freneticamente. Eles estavam quase me alcançando, com seus dentes duros e sorrisos maldosos.

    EXPLOSÃO DA FORJA ARDENTE! — Akira berrou ao disparar uma imensa labareda de fogo da palma de sua mão, cobrindo uma grande área do meu lado direito.

    Investida Óctupla — Shosuke, calmo como sempre, invocou 8 tentáculos do cabo de sua espada, perfurando as costas de todos os fantasmas do meu lado esquerdo.

    Todos viraram seus sorrisos de ponta cabeça, seus corpos inflaram como balões de ar, estourando em ectoplasma sobre todos nós.

    Tudo que restavam eram nossas respirações pesadas, aliviados em finalmente ter nos livrado daquelas pestes.

    — Isso foi do cacete! — uma voz rasgada de um pirata bebum gritou.

    — Vocês melhoraram — disse Karayan, soprando a fumaça de seu cigarro.

    — Onde… Onde foi que vocês estavam — perguntei, ainda recuperando o fôlego.

    — Os Bocarrãs não foram o único grupo de monstros que invadiram a ilha — pontuou, se aproximando calmamente — Quem foi que te treinou, moleque? — com os olhos cravados em Akira.

    — Alguém mais forte que você! — olhou para cima, com um deboche estampado na cara.

    — Vai sonhando…

    — Temos que voltar! O pessoal deve estar em perigo! — bravei, me levantando.

    — Já lidamos com isso! — Vysage interrompeu — Um bando de cachorros apareceram enquanto estávamos chegando lá.

    — E o que é que foi isso? De onde eles vieram?

    — Provavelmente invocações! — Noelle chegava de repente, trazendo Gwen consigo.

    Eu já não sabia para onde olhar, apenas foquei em seu novo livro, evitando seus olhos.

    — Impossível. Afundamos quilômetros no mar. Não existe ninguém com esse alcance de invocação — Karayan se opôs à ideia.

    — Mas estamos aqui, não é? — ela rebateu com firmeza — além disso, precisamos deles. Aparentemente, não vamos conseguir erguer a ilha novamente sem eles.

    — …

    Todos assentiram com a ideia da bruxa, vendo como a única alternativa.

    — Se os invocadores estão aqui, significa que estão escondendo sua pressão mágica. Temos que encontrá-los, antes que–

    — Encontremos vocês? — uma voz desconhecida falou mais alto. Em um tom arrogante e prepotente.

    Acima das ruínas de uma casa, duas figuras misteriosas apareceram. A frente, com o joelho flexionado sobre a ponta de uma parede inclinada, um homem sorria confiante, balançando seus cabelos negros com o vento. Sua pele escura era coberta por um manto roxo-escuro com capuz nas costas. As mangas do manto eram cortadas nos ombros, destacando seus músculos fortes e definidos, e aberto no torso, também expondo seu tanquinho. Ele vestia uma calça larga e folgada, amarrada por um cordão no tornozelo, e sobreposta por suas botas pretas e provavelmente bem confortáveis. Em sua cintura e pescoço, correntes de ouro o envolviam, assim como seus brincos e piercing no nariz, harmonizando com as suas pupilas douradas.

    Apesar de tudo em si esbanjar sua personalidade claramente extrovertida e arrogante, o que mais me chamou a atenção foi o tamanho de suas manoplas. Elas eram enormes, provavelmente 5 vezes o tamanho do seu próprio braço, e entre sua estrutura preta com linhas douradas, cristais brancos estavam cravados por toda a manopla.

    Logo atrás, um pouco mais escondido e acanhado, outro rapaz o acompanhava, mas diferente de seu companheiro, ele parecia pedir desculpa por estar ali. Sua armadura leve e esverdeada escondia parcialmente a fragilidade de sua postura, mas era impossível ignorar o design peculiar da peça: escamas metálicas finas cobriam seus ombros e pulsos, com pequenos canos articulados. A máscara, presa ao rosto como um escudo de vidro e engrenagens, brilhava suavemente com reflexos dourados, filtrando o ar que ele próprio exalava. Seus olhos, porém, eram o que mais chamavam atenção. Havia algo triste neles. Como se cada movimento que fazia fosse uma tentativa desesperada de justificar sua própria existência.

    — O demônio púrpura! — berrou para mim, com certo entusiasmo — Então foi de você que meu mestre estava falando!

    O homem nos olhava de cima, com arrogância, deixando suas duas enormes manoplas ao seu lado.

    — Quem diabos é você? Que merda você quer mantendo a ilha no fundo do mar?

    — Eu sou Zethar! — apontando para si com o dedão — Os planos do Mestre Keno não são da sua conta! Mas se está tão curiosa, eu sou só o cara que veio tirar o lixo da rua!

    — Como é? — resmunguei, revoltada com seu insulto — Acha que vocês dois podem dar conta de nós sete?

    — Não nos comprometemos com quantidade ou qualidade, não se preocupe! — com uma calmaria esquisita em sua voz, Zethar vestia suas manoplas, fazendo os cristais brilharem em uma luz intensa — Sorun! Faça!

    — S-Sim! — seu companheiro rapidamente gesticulou rituais mágicos com suas mãos, acertando as palmas no chão.

    A terra começou a tremer. Eu era tomada por uma aura de medo, um sentimento ruim no peito que me dizia que algo tenebroso estava por vir.

    — Não pode ser… — os olhos de Noelle, estarrecidos, denunciavam que eu estava correta.

    — O quê? O que é isso?

    — Eu não sei ao certo! Acabei de descobrir um novo livro deixado pela minha mãe. Dei apenas uma rápida folheada, mas tinha um ritual gravado em uma das páginas — Suas palavras me causavam uma tremenda ansiedade, à medida que o tremor aumentava — A proteção absoluta de Raven. A última linha de defesa de Hibéria.

    Ao longe no vasto e turvo oceano, uma pressão mágica avassaladora tomou conta da ilha. Duas silhuetas assustadoras e colossais, avançando pela lateral da ilha. Suas garras e tentáculos ultrapassaram a barreira, forçando sua entrada para dentro do domo de água.

    Noelle concluía sua explicação, apresentando o terror e a abominação dos mares. Para proteger o país dos bruxos, duas criaturas místicas tomavam conta da Ilha. Eu não conseguia desgrudar meus olhos e não conseguia acreditar. Nós estávamos prestes a enfrentar os inimigos mais fortes que já encontramos, mais fortes do que qualquer outro demônio que já vimos. A nossa frente, tudo que conseguíamos ver no horizonte, eram as garras mortíferas do Leviatã e os tentáculos impetuosos do Kraken. Os dois Guardiões de Raven.

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