Capítulo 93 - Anomalia
Ponto de Vista de Karayan:
Que criatura horrenda. Seus tentáculos asquerosos se moviam ridiculamente rápido para o seu tamanho. Aniquilando qualquer estrutura que cruzasse o seu caminho. Em cima de uma torre pontiaguda, em me segurava no cabo da minha espada fincada nas telhas firmes, olhando a trajetória do guardião.
— Ele tá indo pro centro! — gritei para o meu novo companheiro de bar, no chão, esperando meu reconhecimento.
— Deixa comigo! — fazendo seus cabelos voarem, exclamou.
Vysage apontou sua espada serrilhada em uma linha reta entre o Kraken e a pousada próximo ao centro da ilha. Uma fenda se abriu, dividindo a ilha em dois pedaços. Nosso lado tremia, com o pedaço de terra se separando da ilha, expandindo a barreira em alguns centímetros.
— Então você ainda tava escondendo sua força? — pelo que me lembrava, ele não tinha demonstrado nem metade desse poder na nossa luta contra as criaturas que invadiram Raven.
— Que pirata revela seus truques tão fácil? — riu, sacando sua segunda espada serrilhada.
Eu me juntei ao seu lado, encarando o Kraken enquanto tragava meu cigarro.
— Pronto?
— Calma aí — tirando de sua cintura, uma garrafa de saquê, que claramente havia roubado da pousada. Sem hesitar, deu um belo gole na bebida — Só um gole pra aquecer — disse, estendendo a garrafa para mim.
Dei um gole tão grande quanto o do meu parceiro, sentindo o álcool percorrendo meu intestino. Era o suficiente. Arremessei a garrafa para trás e ao soar seu recipiente quebrando, disparamos em direção ao guardião.
— Fio da Escuridão: Obscuro! — alinhando o fio da minha katana horizontalmente com os meus olhos, desferi um corte negro quase como uma linha de costura.
— KRRRRRRÁ — a criatura rugiu em um gemido de dor, apesar de sua couraça pegajosa mal ter arranhado.
Ele virava seus seis olhos para mim, dando abertura para Vysage atacar. O pirata disparou como um projétil, erguendo suas espadas acima dos ombros, preparando dois cortes cruzados em um de seus oito tentáculos.
— Perfuração do Mar Aguerrido! — Bradou, fazendo um movimento cruzado com suas espadas.
Suas espadas serrilhadas se tornaram lâminas de água fundidas com uma camada de vento ao seu redor. O corte saiu de suas mãos como um tiro pressurizado, disputando força contra seus tentáculos frontais.
Com um grito poderoso, o guardião dissipou o corte, trazendo uma breve chuva para o confronto. Rapidamente, atacou com seus tentáculos como um chicote. Cada chicotada fazia um estalo estrondoso, e sua velocidade aumentava gradativamente.
Eu bloqueava seus golpes com minha espada, a revestindo com uma camada obscura de mana sombria. Suas porradas tinham um peso descomunal, parecia que estava atacando com pilares imensos de mármore, mas tinha algo tentando nos atingir além do estado físico.
De surpresa, arrastando um de seus tentáculos no chão, o Guardião varreu o caminho até a minha costela, me lançando até a beira da ilha cortada. Me equilibrando na espada, cortei a terra que fui forçado a percorrer, me mantendo de pé apesar do golpe poderoso.
— GAH! — Vysage apareceu ao meu lado, cavando um pequeno buraco com o impacto de seu corpo caindo no chão.
— O desgraçado é resistente, vai ser um pé no saco!
— Nem me fale… — ele dizia enquanto se levantava — mas olha ali! — apontando com o olhar para um pequeno corte em seu tentáculo.
Vysage abria um sorriso confiante, com um quê vilanesco. Assim como qualquer um que pisa sobre essa terra, sabemos que na vida há apenas uma única certeza: se sangra, é por que dá pra matar!
Ponto de Vista de Saki:
Em meio aos rugidos dos guardiões de Raven, eu tentava me concentrar nos passos apressados de Sorun. A batalha dos meus companheiros ecoava por toda a ilha, e o som dos raios, não tão distantes, acabaram me desconcentrando. Zethar era não era um oponente qualquer, além de forte, ele sabia exatamente quais palavras usar, e pra piorar, o estado emocional da Noelle não me deixava sossegar.
— Se concentra! — exclamei, acertando meu rosto com alguns tapas.
Quando voltei ao meu objetivo, eu já não conseguia mais escutar meu oponente. Não importava o quanto eu procurasse, ao meu redor, nada havia nenhuma pista que indicasse sua posição.
— Saki, ali! — a voz de Anzu estalou na minha mente, apontando meu olhar para uma leve nuvem de fumaça esverdeada saindo de alguns escombros.
— Se escondendo? É sério? — eu caminhava lentamente em sua direção, tentando sentir sua presença — Ele é bom nisso — comentei com meu parceiro.
— Também não consigo sentir, parece um rato fugindo.
Brutalmente, revirei os escombros, jogando tudo para cima. Não havia nada lá, nada além de um buraco.
— A… tá falando sério? — disse em um suspiro.
— De cabeça?
— Não tô na vibe — eu me joguei no buraco, arrastando minha mão pela parede para desacelerar a queda.
Uma luz azulada percorria o final do túnel, e ao enfim terminar a descida, visualizei sua fonte.
— Puta que pariu… — foram as únicas palavras que vieram à minha mente.
Era uma espécie de caverna, o eco das minhas palavras ecoaram por um longo tempo, juntamente aos meus passos ao caminhar cuidadosamente até a origem da luz.
O lugar era extenso, talvez percorresse toda a ilha. Algumas estruturas arruinadas estavam espalhadas pelos cantos, era definitivamente utilizado pelos bruxos locais.
Não havia sinais da presença de Sorun, nem mesmo da fumaça esverdeada, mas de qualquer forma, minha mente ficou presa em uma única situação. A luz azul emanada de um casulo aquático, pequenas ondas se espalhavam ao redor dele, revestindo seu interior com uma densa gama de água da vida.
Com certeza era o Sig. Eu conseguia sentir sua presença vindo daquele casulo, protegendo toda a ilha. Apesar disso, eu não fazia ideia se poderíamos trazê-lo de volta.
“Pssssss” eu ouvi o soar de válvula de gás escapando, tomando todo o meu redor com uma nuvem verde de fumaça.
— Merda! O que é isso? — reclamei, sem notar a presença do meu inimigo.
Em um breve salto para trás, me distanciei da fumaça, tossindo com certa agonia do gás que entrou no meu pulmão.
— Veneno? — Anzu perguntava sobre a minha condição, mesmo sabendo exatamente como me sentia.
— Não faço ideia, mas isso com certeza vai atacar a minha rinite.
— Como você ainda está de pé? — uma voz fraca e amedrontada soou.
Sorun se revelava, saindo de trás do casulo, enquanto parte da sua armadura estava aberta nos ombros, expelindo a fumaça.
— Não importa! Já vai estar fraca o suficiente! — continuou, apontando seus braços finos e revestidos para mim.
Vários compartimentos se abriram por toda a parte superior da armadura, rapidamente disparando pequenos mísseis e bombas no meu rosto. Eu bloqueei agilmente com meus braços, ainda que assustada com o ataque repentino. A presença ínfima de Sorun o permitia se mover pela cortina de fumaça sem que eu o percebesse com facilidade, assim, ele se aproximou de mim pela lateral, encostando a palma da mão na minha costela.
— Combustão Venenosa! — uma explosão poderosa me lançou pela caverna, fazendo meu corpo quicar no chão irregular.
— Essa foi potente… — eu comentava com meu amigo, mantendo um braço apoiado sobre minha perna.
— Impossível! — Era possível o espanto através da sua armadura — A essa altura, não deveria ser capaz nem de falar! O que é você? — gritou como um cachorro assustado.
— É isso que essa fumaça deveria fazer? Me deixar fraca? — perguntei, me erguendo enquanto estalava meu corpo.
— Não… O que é isso? — ele parecia analisar o meu corpo com um pequeno visor em seu capacete — Por que a sua magia não caí? — novamente, berrou indignado.
— Você é bem fortinho, por que não luta que nem homem? — chocando meus punhos, incendiei meus ombros com a chama púrpura
— Não para de subir! Isso não faz sentido! Eu pensei que poderia… Não! Zethar confia em mim! Isso não é um erro meu! É você! Você é uma ANOMALIA! — durante seu surto, Sorun abriu todos os compartimentos da sua armadura, da cabeça aos pés, bombas, foguetes, agulhas e tudo que poderia ser disparado contra mim estava ali.
— Vish… ele enlouqueceu rapidinho… — Vendo todos aqueles explosivos vindo ao meu encontro, eu dei uma breve respirada e reunindo toda a minha força em minhas pernas, arranquei em sua direção.
Eu evitava cada um dos projéteis, tentando me equilibrar no terreno imperfeito juntamente com as explosões atrás de mim. Apesar da pequena dificuldade, consegui avançar o suficiente para acertar um golpe perfeito em seu estômago.
Sorun voou por uma boa parte da caverna, acertando suas costas em um largo pilar de mármore. Ele grunhia algo em meio a poeira levantada, como se estivesse se lamentando, era até meio patético.
— EU NÃO VOU PERDER! — em um rugido desesperado, meu oponente ativou os propulsores nos seus pés pela primeira vez em nossa batalha.
Ele me atacava de forma amadora, lenta e direta, era como se nunca tivesse brigado em toda a sua vida. Com certa pena, eu apenas me esquivava, apenas esperando seu corpo cansar de atacar.
— Já chega! — perdendo a paciência, chutei sua costela, o levando novamente ao chão.
— Por que… Por que você não morre? — perguntou enquanto se reerguia com a ajuda dos propulsores na sua armadura.
— Você mal me acertou — a luta estava ganha, não havia nada que ele pudesse fazer para me derrotar — Tenho que admitir, aquela explosão doeu bastante, mas depois disso, todos os seus golpes forma muito previsíveis.
— 5 minutos e 54 segundos.
“Bip!”
— Que merda foi essa? — eu olhei pra trás procurando a origem do som, mantendo em mente o tempo dado por Sorun de repente.
Em um piscar de olhos, centenas de esferas de metal flutuantes apareceram na caverna ao retirarem uma espécie de camuflagem.
— Isso era pra dar medo? — disse em um suspiro cansado — Só se rende de uma vez!
— Não vai rolar! — antes que eu pudesse perceber, Sorun voou pela caverna em direção ao casulo de Sig. Eu não sabia o que ele planejava, mas certamente não poderia deixar fazer o que bem-quisesse.
Eu arranquei em um impulso poderoso. Minhas mãos quase o alcançavam, estendidas em uma tentativa de agarrá-lo pelos pés.
Vindo na direção oposta, um pequeno míssil tentou me acertar. Meus reflexos permitiram um desvio ágil, mas sua explosão atingiu tanto a mim quanto ao seu dono. No segundo em que me recuperei, uma maciça bola de metal, camuflada na poeira, acertou minha costela como se fosse uma bola de demolição.
Em poucos segundos, dezenas de esferas metálicas me rodeavam, atacando em curtos intervalos, algumas até chegavam a atacar ao mesmo tempo. Não havia brechas, no momento que eu defendesse uma, as outras atacavam do outro lado.
Minha única ideia naquele momento foi acumular uma grande quantidade de mana em volta do meu núcleo e expeli-la logo em seguida. Funcionou por alguns segundos, afastando as esferas por tempo o suficiente para que pudesse voltar a perseguir Sorun. Meu inimigo tentava me acertar com mais mísseis, mesmo sabendo que eles mal me atingiam.
— Já que você não larga do meu pé… — parando de repente, Sorun se virou para mim — eu só preciso te parar aqui e agora!
— HA! — ri com uma surpresa genuína — Nós dois sabemos que você não é capaz disso — subestimei, talvez com uma arrogância além do necessário.
Em alta velocidade, atrás de mim, uma das esferas de metal rasgou o ar até o meu braço. Eu nem mesmo havia percebido que seus ataques haviam parado, mas mesmo assim, segurei a esfera com a palma da minha mão, olhando fervorosamente para Sorun. Ainda presa entre meus dedos, esfera continuava a tentar se mover, tremendo em direção ao meu oponente.
Já estava começando a ficar entediada, eu já sabia o desfecho daquela luta, e a despreocupação fez com que eu me perguntasse “Como é que ela está?”.
Acendendo uma linha de mana em sua armadura, um bip soou. Outra esfera tentou me atacar, mas o resultado não se alterou. O olhar confiante de Sorun me incomodava, eu sentia como se estivesse caindo em alguma armadilha, apesar de ter a certeza de que eu não cairia por nada.
— RÁÁÁÁ — Rugiu em um ataque direto.
Seu punho, revestido pela armadura, disparava pequenas bombas de fumaça em mim, ofuscando minha visão, mas ao aumentar a minha liberação de mana por um momento, a fumaça logo se esvaía. O franzino armadurado se revelou logo atrás da fumaça, preparando o que se parecia com um soco de direita.
Eu me esquivei sem dificuldades ao puxar meu ombro para o lado, porém, um forte impacto o empurrou de volta, deixando aquele soco carregado com explosivos acertar o meu rosto.
Ambas as esferas acabaram se soltando das minhas mãos, retornando ao lado de Sorun, junto a mais uma esfera metálica, uma que provavelmente acabara de me atingir.
— Zethar sempre me disse que as pessoas são muito fáceis de ler.
— De onde tá vindo essa arrogância? — questionei, limpando meu rosto dos resquícios de pólvora — Acha que isso é suficiente pra acabar comigo?
— Só preciso que seja o suficiente pra te segurar.
Sem mais uma única palavra, me impulsionei com as chamas púrpuras tomando o meu corpo. Um simples soco poderoso era suficiente para acabar com aquele cara, mas ao me aproximar do seu capacete, suas esferas atingiram meu punho, mudando o percurso do meu golpe.
Assim se seguiu a cada tentativa de acertá-lo. Eu não entendia o que estava acontecendo, de repente, nada do que eu fizesse era suficiente. O mesmo sentimento de incapacidade que tive ao perder para Samaell voltava, a cada soco falho, a cada esquiva impedida, a cada bloqueio desfeito era como se eu não fosse nada.
Quando me dei conta, dezenas de esferas nos cercavam, observando milimetricamente cada ação minha.
— Entendeu agora? — dizia com uma arrogância maldita — Cada movimento seu foi precisamente analisado, seus padrões, hábitos, tudo! Cada uma dessas esferas tem os dados necessários para impedir qualquer coisa que tente fazer.
— Cara, você não sabe o quanto eu odeio gente igual a você… — Limpando meu top empoeirado e meu rosto ferido, eu recuperava o fôlego — Não podem ter um pingo de vantagem que já começam a se achar.
Apesar das minhas palavras, eu me perguntava que merda eu poderia fazer. Mordendo meus lábios, usando todos os meus neurônios para encontrar uma forma de enganar suas esferas.
“É claro que assim você não vai ganhar!” a voz de Anzu estalou de repente.
— Já falei que não tô no clima pra discutir…
— Já reparou que não importa quantos monstros derrote, sempre que luta contra um ser humanoide, ou que pelo menos use a cabeça, você perde? — Disse dentro de seu bar, esfregando uma taça de vidro atrás do balcão.
— Agora que você falou…
— É por isso que você se frustra tanto — colocando a taça em cima da mesa — Existem duas razões pela qual você não consegue ganhar de nenhum humano. A primeira, humanos são mais inteligentes do que monstros, usam estratégias e artes marciais em suas lutas. E a segunda, você está se segurando!
— Me segurando? — o vidro trincou ao ouvir minha indignação.
— Agora que compreendo melhor as emoções, posso dizer. Você se acostumou a matar monstros, não tem mais piedade sobre eles, agora contra humanos…, você não quer sujar as suas mãos. Não depois de ver o que isso fez com os seus amigos — O olhar pesado de Akira após matar o rei de Antares atormentou meus pensamentos — Mas eu vou te contar uma coisa, se você não matar esse cara agora, ele VAI te matar e depois vai matar todos lá fora!
— …
— Seu corpo pode não ser afetado por aquele veneno, mas não há garantia que os outros tenham a mesma sorte.
— Mas matá-lo…
— Se por algum motivo ele escapar e matar seus amigos, ainda teria a mesma piedade?
Mesmo sabendo da resposta, eu questionava minha ética e moral, colocando o certo e errado na balança. Ainda assim, eu sabia perfeitamente que não conseguiria me manter nesse dilema.
— Faça sua escolha agora, Saki, antes que seja tarde demais.
“Tarde demais… falando nisso, eu nunca falei com ela sobre aquilo…” refletindo brevemente ao ouvir o sermão “e aqui estou eu, brava por algo que ela nem tinha como saber…”
— Tá legal… — voltando minha mente para a caverna, em um suspiro doloroso — Vamo acabar logo com isso! — estendi a minha mão, esperando, dramaticamente, a chegada da minha foice.
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