Capítulo 95 - Maré Tenebrosa
A Noelle estava morta. Esse era o fato.
Eu não sentia a sua mana, a sua presença, nada. Minha visão ficou turva, minha cabeça latejava com o fluxo de sentimentos que meu corpo não conseguia processar e meu coração apenas pesava com a culpa e o remorso.
— Você… — eu chamava Zethar, com uma voz trêmula, reprimindo minhas emoções — Onde está a Noelle?
— Huh? — ele se virou rapidamente, deixando o corpo de Sorun repousado ao lado de uma grande pedra — Aquela bruxa? — ajustando suas manoplas, deu com um sorriso irritante — Eu a matei. Pra ser sincero, eu esperava mais. Parecia que ela não tava muito bem da cabe–
Eu o interrompi violentamente, acertando um murro direto no seu rosto, o lançando pela grande extensão da caverna.
— Saki… — Anzu me chamou, dentro da minha própria mente.
— CALA A BOCA! — eu destruí todo o bar à minha volta com um rugido — NEM TENTE!
Eu não conseguia pensar, meu corpo colapsava em um amálgama da minha vontade de desabar em lágrimas e a vontade de matar o desgraçado com as minhas próprias mãos.
— Como um demônio, tenho total compreensão do ódio, e sei que ele é um combustível tão poderoso quanto o amor — ele sondou meu corpo, como um verdadeiro demônio — Deixe o ódio fluir, sinta, queime. Cada parte do seu ser explode em fúria. Destrua tudo… — ele me abraçou, mesclando sua sombra a minha — seja bem-vinda ao inferno.
Uma imensa onda de mana caótica explodiu a partir de mim, meu corpo inteiro queimava em uma chama violenta, enquanto meu rosto, apesar de pouco expressivo, exalava toda a minha fúria.
— Sorun… descansa aí — Zethar se levantava em meio a poeira, com seu sorriso arrogante de sempre — esse foi um belo soco, mas acha que vai conseguir acertar mais uma vez?
Deixando um buraco a minha volta, eu apareci subitamente a frente do meu inimigo. Eu vi sua expressão surpresa até o último segundo do meu golpe, encarando o fundo de sua alma imunda com meu punho prestes a acertá-lo.
“PLIM!”
Seu corpo se arrastou pela caverna, a manopla escondia o rosto do sujeito, mas a tremedeira em seus braços não me enganava, ele sentiu a minha força.
Eu continuei a atacar, de novo e de novo, e mesmo que ele conseguisse bloquear cada um dos meus golpes, o desespero em seus olhos era nítido. Zethar tentou contra-atacar nos poucos segundos entra cada soco, porém, nada escapava do meu ódio, não havia um único movimento que passava despercebido por mim.
— O instinto selvagem do ser humano — ele dizia ofegante, aproveitando o tempo que parei para recuperar o fôlego — essa é uma condição ativada sempre que suas emoções atingem níveis incontroláveis. Essa sua força não passa de uma medida desesperada, mas assim que seu corpo chegar ao limite, estará acabado!
— … — eu respirava fundo, sentindo cada partícula de mana ao meu redor.
— Isso se você conseguir chegar ao limite! — jogando suas mãos para frente, espalhou milhares de pequenos por toda a caverna.
Como uma besta selvagem, avancei novamente. Eu ergui o meu punho e o disparei como um canhão, criando um impacto que varreu toda a caverna.
“PLIM!”
— Eu vejo cada um dos seus movimentos! Eu vejo cada uma das suas intenções! — Zethar, com suas manoplas gigantes, segurou meu punho, enquanto uma de suas armas brilhava em uma intensa luz branca.
O ar se contorceu a sua vontade, como se criasse a aerodinâmica perfeita para que seu punho me atingisse com todo o seu poder. A energia acumulada em suas manoplas explodiu no meu estômago, me arremessando a dezenas de metros. Cada parte do meu corpo sentiu a dor de seu ataque e logo em seguida, fiquei presa na parede, em uma cratera do exato mesmo tamanho que o meu corpo.
Em segundos, caí como um pedaço de merda, mas sem chances que eu cairia com um mero soco como aquele.
— Errado… — eu me levantei, com meu sangue escorrendo da minha boca como uma torneira, meu corpo já não fervia mais, o brilho das chamas havia desaparecido com aquele golpe — uma medida desesperada? Limite? — andando lentamente de volta para ele, eu sabia que ele conseguiria escutar a minha voz através do eco — Que assim seja. Vamos ver quem chega ao limite primeiro! — novamente, meu corpo foi tomado pela chama púrpura, fazendo toda a caverna tremer.
Nós partimos um contra o outro, chocando nossos punhos em uma velocidade anormal. Cada golpe que ele bloqueava fortalecia o seu soco seguinte, um após o outro, prevendo cada um dos meus golpes.
— O que vai fazer, huh? Nesse ritmo, eu vou te superar facilmente! — seu tom debochado se tornou um deleite para mim.
— Tem certeza? Suas manoplas são de um material bem resistente, mas ainda é metal, não é? — disse com um leve sorriso, enquanto o socava com lascas de cristais entre meus dedos.
— M-Meus cristais? — gritou surpreso.
Cada ataque gerava uma faísca por conta do atrito entre os materiais, o que passou a aquecer meu punho rapidamente. Labaredas do fogo surgiam ao redor dos meus braços, intensificando meus ataques um atrás do outro.
Ao ver os ventos da batalha virando a meu favor, Zethar deu um impulso para trás. Atrás de seu sorriso, era possível ver um certo desespero, ainda assim, ele invocou em suas manoplas um par de runas que brilhavam em uma intensa luz azulada.
— AGORA! — Sorun saltou por de trás da luz, grudando parte da sua armadura em meu braço.
Provavelmente, eu não consegui percebê-lo por causa da falta de mana em seu corpo após a batalha, o que deu a oportunidade perfeita para que ele se aproximasse de mim.
Assim que o desgraçado se afastou cerca de dois metros, as bombas minúsculas que ele havia soltado explodiram. Anestesiada pelo ódio, eu ignorei a dor e saltei em sua direção e o segurei firmemente em seu pescoço. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Zethar me impediu com um soco poderoso de suas manoplas em meu rosto.
— Você já pode ir, Sorun, eu cuido do resto!
— NÃO! — Zethar se espantou com a reação do seu amigo — Eu preciso ficar! Eu preciso te ajudar!
— Já fez o bastante, não está mais em condições de fazer nada!
— Ela é imune ao gás de banimento, não é uma oponente qualquer!
— Como é? — mais uma vez incrédulo, gritou.
— Por algum motivo, a sua quantidade de mana não caia de jeito nenhuma, mas agora — eu o percebi me analisando com sua armadura — está caindo desenfreadamente. Existe uma chance de derrotá-la!
— Certo… — Zethar, balançando seus ombros, deu seu voto de confiança — se você diz.
Carregando suas manoplas pesadas, correu em minha direção, cerrando os punhos repletos de determinação. Em um salto vigoroso, se lançou as esferas de Sorun, pousando seus pés com perfeição sobre duas delas.
Ele levitava com as esferas, as usando como uma espécie de planador. Sua velocidade aumentou drasticamente, tornando evitar seus ataques uma tarefa ainda mais difícil.
Ambos falhávamos em nos acertar, mas para piorar, Sorun continuava a atacar com seus explosivos e esferas. Era inegável, o rumo da batalha estava se transformando.
Eu não sabia por quanto tempo mais eu conseguiria manter o ritmo, porém motivada pelo ódio, eu continuava lutando, rugindo como uma besta enfurecida e sedenta por sangue. Cada movimento que Zethar fazia, sua risada, suas expressões, tudo me deixava ainda mais irritada.
“BROOOM!” Mesmo há dezenas de metros abaixo do solo, eu escutava um som belo e harmonioso. Um som de esperança e alivio. O som do trovão.
— PRESA DO TROVÃO CINTILANTE! — atravessando tudo a sua frente, Noelle rasgou as esferas e cristais que cruzavam o caminho.
Como um raio branco, nem consegui vê-la, mas não havia dúvidas, era ela. Uma aura luminosa cobria o seu corpo, em sua silhueta, eu via um pequeno manto branco em seus ombros e um chapéu pontudo sobre sua cabeça. Seu cabelo estava mais majestoso como de costume, esplêndido, belo, magnífico, eu não conseguiria descrever sua cor além de algo, como luz pura, um branco perfeito que dançava com os raios a sua volta.
Tudo ao meu redor parecia ter desacelerado. Como se o mundo esperasse por ela
Eu estava em choque, enquanto Noelle, tal qual uma divindade, virava seu corpo lentamente, revelando faixas, que outrora azuis, brilhavam em branco, e suas pupilas desenhadas como presas de lobo, em um semblante feroz, ao mesmo tempo que arrogante, ciente do seu próprio poder.
Em um piscar de olhos, Noelle surgiu ao meu lado, não como um raio ou um vulto, foi como se ela tivesse apenas aparecido ali.
— N-Noelle…
— Vamos acabar com isso — ela me interrompeu antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa — Eu ainda te devo um pedido de desculpas — estendendo sua mão para mim, eu entendi perfeitamente as suas intenções.
Agora, não apenas seus raios, mas também, a luz que irradiava penetrava o meu ser, ao seu lado, segurando a sua mão quente como a luz do sol, eu sentia que conseguiria fazer tudo. A absorção da causada pela mana caótica que corria em minhas veias nos conectava, concedendo uma habilidade capaz de me fazer acompanhá-la em batalha, e em um sentimento único, confiando plenamente, disparamos como um raio.
Ponto de Vista de Karayan:
— Ainda tá com aquele goró? — perguntei a Vysage, sem tirar os olhos do Kraken.
— Só uns dois goles que salvei pra mais tarde — ele balançava duas bolhas de cerveja no ar, também encarando o guardião.
— Vai servir — cuspi meu cigarro pouco antes de abocanhar a bolha que flutuou até mim.
Com o descer do álcool queimando a minha garganta, suspirei um alívio suave, e no soar do meu cigarro se apagando no chão, saltamos em perfeita sincronia.
Os tentáculos do Kraken, apesar de grandes, eram ágeis e lançavam pedras enormes em nossa direção, cada arremesso parecia um tiro de canhão, mas minha espada imbuída nas sombras cortava cada um dos disparos ao meio. Vysage as partículas de água no ar para conseguir de esquivar dos disparos, criando superfícies onde poderia mudar sua trajetória.
— CORTE SOMBROSO! — o simples balançar da minha espada cortou, ao mesmo tempo que disparou um feixe de sombras contra os tentáculos que imediatamente foram atingidos pelos cortes pressurizados do meu parceiro.
Uma ferida profunda foi tudo que conseguimos, mas isso já era mais que suficiente, o sangue que jorrou por poucos segundos antes da sua carne se regenerar nos deu um senso de urgência, precisaríamos ser rápidos, rápidos o bastante para que ele não tivesse a chance de se recuperar.
Eu me afastei brevemente com um chute, voltando para correr entre seus tentáculos, desviando de seus golpes em busca de mais uma chance para acertá-lo. Cada ataque bloqueado parecia trespassar a minha espada, como se ainda atingisse o meu espírito.
— ZAHAHAHA! — Vysage corria sobre a cabeça do Kraken, o cortando e fazendo o mesmo se acertar com seus próprios golpes.
De repente, Vysage foi arremessado brutalmente. Um dos tentáculos da besta o acertou em seu ponto cego, deixando em sua trajetória, uma corrente espectral entre Vysage e o Kraken. Assim que o pirata pousou no chão, cortando a terra com a sua espada, eu disparei agilmente para cortar a corrente.
— Evita os tentáculos! — ele me alertou, um pouco tarde, mas alertou.
— Tô sabendo — trazendo o fio da minha espada para perto dos meus olhos — Manto das Sombras! — exclamei, envolvendo meu corpo em uma fina camada de sombra.
— Sabia que você também tava se segurando! — meu parceiro gritou.
— Dessa vez eu vou com tudo.
Uma ventania violenta tomou o ambiente, o corpo de Vysage parecia mais leve, como se pudesse voar a qualquer instante. Seu sorriso tenebroso avisava que ele enfim estava liberando todo o seu poder.
Em um piscar de olhos já não estávamos mais lá, nosso confronto continuou sem mais rodeios, com nossas lâminas girando e cortando a carne da fera. Meu manto de sombras tornava meu corpo mais sensível à luz, o que me permitia detectar e esquivar dos ataques com mais facilidade e precisão. Seus ataques não eram mais um problema para mim.
Vysage rodava como um disco serrilhado sobre os tentáculos do Kraken, serrando profundamente sua parte inferior. Nossos ataques se alinharam no momento em que atravessei um de seus tentáculos com uma estranha facilidade.
A criatura rugiu, de alguma forma, liberando uma onda sonora poderosa que alterou o meu equilíbrio. Com uma rápida troca de olhares, Vysage confirmou que sua situação estava semelhante à minha e prontamente, nos adaptamos com maestria.
Nós continuamos a atacar, projetando nossos corpos nas direções que sabíamos que iriamos falhar. Usando o momentum ao nosso favor, cada corte se tornava mais poderoso que o outro, cortando sua carne com mais facilidade.
— ZAHAHAHAHA! — Vysage ria enquanto girava como uma serra elétrica, e eu não podia mentir, aquilo me empolgava.
Usando o impulso dos seus próprios ataques, o pirata cerrou o corpo do Kraken até o topo de sua cabeça. Com 6 dos seus 8 tentáculos arrancados, não havia como ele impedir o que estava por vir.
— ÂNCORA DO HOLANDÊS VOADOR! — Sua barba se transformou em tentáculos de água ao invocar um enorme navio mágico.
O navio inteiramente composto por água o atravessou, deixando cair apenas a sua âncora. Vysage cruzou suas espadas e se uniu a âncora, como se o mesmo tivesse se tornado a sua cruz afiada.
O impacto afundou parte do crânio da besta, mas ainda assim não era suficiente para esmagá-lo.
— Fio da Escuridão — eu acertei, por cima, o seu próprio golpe, estocando a minha lâmina no centro do ataque.
A âncora se fundiu com as sombras, aumentando seu tamanho e peso. A luz espectral expelida pela magia era absorvida pelas sombras elevando cada vez mais a potência do ataque.
“PLAFT!” o crânio do Kraken era espalhado pelo chão, e nós, em um banho de sangue, embainhávos nossas espadas.
— Pensando agora, o que era pra ser aquela corrente? — Vysage lembrou do momento que foi atacado.
— Quem liga? — respondi friamente acendendo o meu cigarro.
— Só to curioso, acho que vou passar e ver como os outros estão.
— Não esquenta, eles se viram — dei com um toque sutil com meu cotovelo — eu tô com um goró guardado pra um momento como esse.
— ZAHAHAHAHA! Tenho que admitir, meu amigo, você sabe das coisas!

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