Índice de Capítulo

    Mical balançou a cabeça, em negação. Estava chocada.

    — Mas isso é algo horrível! Não… não quero ver algo assim sendo feito!

    — Sinto muito, Renato — disse Jéssica —, mas dessa vez não vou poder ajudar. Isso é demais para mim. Tem que ter uma alternativa melhor.

    — É a única alternativa.

    Jéssica assentiu, à contra gosto. 

    — A ajuda de Mical — disse Clara —, com essa benção de cura que recebeu pode ser útil. Existe a chance do Andrei morrer no processo, e aí tudo vai ser em vão. Mas Mical pode impedir a morte dele, mantendo a mente estável enquanto nós arrancamos a pele.

    — Não! Não vou participar disso! Nem mesmo se o Renato me pedir! Só de imaginar, já sinto vontade de vomitar!

    Jéssica olhou para Andrei, preso à cadeira, e sentiu um misto de nojo e pena.

    — Eu não concordo com isso, mas não vou defender esse… homem. Eu e minha irmã vamos… pra algum outro lugar. Pelo menos enquanto vocês fazem isso.

    — Eu entendo — respondeu Renato.

    Jéssica foi até ele e o abraçou. E disse só para ele ouvir:

    — Renato, cuidado para, enquanto caça monstros, você mesmo não se tornar um. Cuidado para não deixar toda essa maldade em volta contaminar você.

    — Acho que já contaminou, Jés.

    — Não. Ainda não. Eu sei que não. O Renato gentil que eu conheci naquele dia ainda tá aí dentro. Eu sei disso.

    Então ela lhe deu um beijo no rosto, suave, e se afastou, pegou sua irmã pela mão, e ambas desceram as escadas sem falar uma palavra e sem olhar para trás.

    Clara foi até o sofá e deixou o corpo cair preguiçosamente. Sorveu mais um pouco de seu vinho e assentiu, em aprovação.

    — Eu adoro esse vinho!

    Tâmara veio da sala, trazendo algumas facas na mão.

    Ela sorria de um jeito estranho. Seus olhos brilhavam de alegria e empolgação.

    — E aí? Vamos começar? Como vamos fazer isso? Eu nunca tirei a pele de ninguém, então não sei como isso vai funcionar.

    Clara se levantou e pousou a taça vazia sobre a mesa.

    — Ai, ai, então deixa comigo que eu mostro.

    Ela pegou uma das facas e avaliou-a por um instante. Passou o dedo sobre o fio, para ver o quão afiada estava.

    — Vai servir.

    Andrei olhou para a súcubo completamente horrorizado, enquanto ela se aproximava dele segurando a faca.

    — Não! N…

    Tâmara meteu um pano de prato embolado na boca dele, servindo como mordaça.

    E então sussurrou no ouvido do mercenário:

    — Eu vou curtir isso, sabia? Acho que entendo os fetiches daquela sua amiga. — E terminou a fala com um sorrisinho meigo.

    Lírica engoliu em seco.

    — Acho que eu tô meio desconfortável com isso.

    — Sério? — Clara interrompeu seu movimento com a faca e olhou, surpresa, para a demi-humana. — Mas você não deveria ser…. você sabe… acostumada com essas coisas? Você cresceu no Inferno, não foi?

    — Não tem como se acostumar com certas coisas, demônio. Eu vou… vou atrás daquelas duas garotas. Vou deixar vocês à vontade para fazer o que precisam.

    Renato assentiu.

    — Espero que você não me odeie por isso, Renato. E nem me ache uma fraca inútil.

    — Eu jamais pensaria isso. Na verdade, sair daqui, não querer participar disso, é a coisa mais normal a se fazer. Acho que não tem mais esperança para mim. — Renato baixou os olhos e relaxou os ombros.

    — Eu não acredito nisso. Você é quem mais tem esperança aqui. Só tá perdido. Ela tá meio ofuscada no meio de tanta raiva. — Ela olhou para Andrei. — Mas o que precisa ser feito, precisa ser feito, não é? Assim que terminarem, me chamem, e eu entro na mente dele. Estarei lá fora tomando um ar.

    Assim como Jéssica e Mical, a demi-humana também deixou aquele local. No entanto, diferente das duas, ela olhou para trás. Queria ficar e ajudar. Mas sabia que não tinha estômago para isso.

    Com um sorriso sádico, Clara tocou a ponta da faca na parte de trás do pescoço de Andrei, próximo da nuca.

    Ao sentir o toque gelado da lâmina, ele se encolheu e tentou se afastar, mas Renato o segurou.

    — Fique parado! — ordenou o garoto.

    Andrei tentou se levantar e correr, tentou se afastar, se debater, mas Renato era muitas vezes mais forte do que ele e mantê-lo imobilizado não era nenhum problema.

    — Vou te mostrar como se faz, Tâmara. Aprende!

    Com um movimento suave e sutil, ela fez um pequeno corte, um arranhão, que rodeava toda a parte de trás do pescoço. Não foi profundo e apenas um risco vermelho, com gotículas de sangue, apareceu sobre a pele suada.

    — Agora a gente puxa e…

    A súcubo, com os dedos, puxou aquela borda de pele cortada e inseriu a faca, num ângulo de 90 graus, entre a pele e a carne viva avermelhada, e com movimentos  ágeis e cuidadosos, foi separando a pele, desgrudando-a do corpo.

    — Urg! — Andrei gemeu de dor e revirou os olhos. O pano em sua boca já estava encharcado de saliva e ele tossindo engasgando.

    Clara era hábil no que estava fazendo. Foi puxando a pele sem que ela se rompesse. Removeu toda a pele da nuca e, conforme subia, o couro cabeludo começou a ser removido também.

    Tâmara olhava maravilhada. Aquilo era, para a garota, mais bonito do que todos os poemas de amor juntos!

    Até que, finalmente, chegou à face. Toda a pele do rosto foi removida, como se fosse uma máscara maleável, feita de carne. Clara cortou aquela pele, finalizando a primeira parte de seu trabalho, e jogou aquela massa mole de tecido humano e cabelo no chão.

    Andrei ergueu os olhos. Estava engasgando em saliva, por isso Tâmara arrancou o pano de dentro da boca dele.

    E um gemido fraco, grave, carregado de dor, foi o único som que ele conseguiu emitir. Sua cara estava vermelha, sem pele, apenas carne. O sangue gotejava e escorria em pequenos pingos.

    — M-me matem… por f…

    — Então diz onde encontrar a Kath — respondeu Renato. — Aí a gente te mata.

    Andrei abaixou os olhos, em silêncio.

    — Vamos, seus preguiçosos! — disse Clara. — Ou vão deixar eu me divertir sozinha?!

    Conforme o trabalho avançava, soltaram as correntes que mantinham Andrei preso a cadeira e, após tirarem as roupas dele, o deitaram no chão.

    Dessa forma, poderia continuar.

    Tâmara, Clara e Renato moviam as facas, hora puxando e cortando, hora raspando, removendo camadas de pele.

    Faltava pouco.

    Andrei, às vezes tremia, às vezes balbuciava alguma coisa ininteligível.

    Até que o mercenário começou a convulsionar, com os olhos revirados, mostrando apenas a parte branca. Ele parecia um boneco de carne.

    — Renato! Ali! Olha! — Clara apontou para uma sombra esbranquiçada que crescia num dos cantos da sala.

    O garoto saltou e enfiou a mão na sombra, e puxou o ceifeiro de dentro dela. Ele usava roupas pretas, com ornamentos de metal se projetando dos ombros feito espinhos. Tinha uma argola de prata no septo e um alargador do tamanho de uma moeda de um real na orelha esquerda.

    Renato o manteve bem preso, segurando pelo pulso.

    Clara acertou um soco forte no rosto de Andrei, interrompendo a convulsão.

    E, logo em seguida, outro soco no peito dele.

    E ficou em silêncio para ouvir.

    — O coração voltou a bater normalmente — disse a súcubo. — Parou de fibrilar.

    O ceifeiro a olhou com desprezo.

    — Clara Lilithu. A súcubo problemática. Por que não leva a vida como as outras súcubos, roubando a energia vital dos homens? Fazendo orgias, e tudo o mais?  Deixa a magia de verdade com a gente.

    — Emissário da Morte, eu sei que isso é contra as regras, mas não vou deixar levar esse homem ainda.

    O ceifeiro virou os olhos e deu de ombros.

    — Você é quem sabe. Esse é um péssimo momento para brincar com a morte. Principalmente agora que o chefe voltou.

    Clara o encarou abismada.

    — Como assim? Quem voltou?

    O ceifeiro riu de um jeito cínico.

    — Quem mais? A Morte em pessoa. O chefe. Aquele que ceifará todo o universo. E tem mais. Ouvi dizer que ele não veio sozinho. Não ficou sabendo? O Inferno tá em polvorosa porque as princesas de Lúcifer viram Guerra.

    — Com quem estão falando? — disse Tâmara, franzindo o cenho. — Não tô vendo ninguém.

    Clara se levantou e encarou o ceifeiro.

    — Guerra e Morte? Os Cavaleiros? Que seja! Que o Apocalipse inteiro caia sobre nossas cabeças! Você só vai levar aquele homem quando nós deixarmos.

    O ceifeiro fez uma careta de desgosto e olhou para seu braço, que estava sendo segurado por Renato. Ele olhou diretamente nos olhos do garoto.

    — Humano. Estranho. Não vejo o dia da sua morte. Por que será? — Ele parecia genuinamente confuso.

    — É sério! Com quem estão falando? — perguntou Tâmara.

    — O dia dela eu vejo — disse o ceifeiro, olhando para a garota dos olhos âmbares.

    A súcubo riu.

    — Você só vê aquilo que tá dentro dos planos de Deus, Emissário. Renato é um ponto fora da curva.

    O ceifeiro deu de ombros.

    — Ninguém está fora dos planos da Morte. Seja lá o que pretendem fazer com esse cadáver que respira, façam logo. Tenho que levá-lo.

    — Terminei! — disse Tamara, alegremente, segurando entre os dedos o último pedacinho de pele de Andrei.

    Renato assentiu.

    “Lírica, preciso de você” mentalizou ele.

    A garota surgiu na janela, com um salto. O vento agitava seus cabelos e roupas. Atrás dela, a lua brilhava, como uma coroa de pérolas sobre sua cabeça.

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