Capítulo 127: O preço da loucura – parte I
Assim que Renato pôs o pé para fora do círculo mágico, Kath arregalou os olhos de susto, não acreditando no que via.
Rapidamente, levou a mão ao AK-47 que estava sobre a mesa. Sua munição especial daria conta do garoto.
Mas algo inesperado aconteceu. Ao apertar o gatilho, ao invés da rajada de chumbo, o que saiu foi um jato de água, esguichando com pouca pressão. O chão ficou molhado.
Chamas explodiram na cama da garota, e um pilar de fogo lambeu o teto. A televisão expeliu faíscas, e a tela estourou, jogando estilhaços de vidro fino pelo chão, e derramando cristal líquido. Em seguida, também se acendeu em chamas.
Kath puxou as duas granadas que tinha guardadas no bolso, mas ao segurá-las, notou que tinham uma textura estranha. Estavam geladas, úmidas, e algo escorria através dos dedos. Olhou, e viu que, ao invés das bombas, o que estava segurando eram duas pequenas bolas de barro, que se desmanchavam e pingavam através de seus dedos.
O chão e o teto estavam congelados, e cobertos por uma fina camada de gelo, que aumentava em direção a ela.
As lâmpadas estouraram, derramando gotas douradas e incandescentes, e jogando o quarto inteiro no escuro. A única fonte de luz era o fogo, que se espalhava pelo quarto, como pilastras luminosas, consumindo tudo o que encontrava.
Ela engoliu em seco.
— Não existe demônio assim! Isso tá além de tudo o que eu já vi. — Estava completamente assombrada.
Renato se aproximava dela. Seus passos eram firmes. A expressão era dura. Ele não a deixaria escapar. Tudo o que sentia era um ódio tão terrível, que era quase tangível, cobrindo-o, envolvendo-o feito um casulo de escuridão.
Só pensava em matar. Mas não podia ser rápido. Ela tinha que sofrer; assim como ele sofreu.
Kath percebeu que não tinha como vencer. Todo seu plano foi em vão. As armas eram inúteis. O círculo mágico não tinha funcionado.
Só restava uma alternativa.
Ela pressionou o pequeno botão na parede atrás dela, e o pedaço falso da parede se descolou e caiu. Era um quadrado feito de vidro, que tinha sido pintado de modo a parecer alvenaria. Era uma saída de emergência secreta.
— Você não vai fugir! — rosnou Renato.
E ele saltou, diminuindo a distância entre eles, e deu um soco. Seu punho estava envolvido numa aura escura, sem temperatura, era como plasma, ou como fogo.
Kath não teve nem tempo de reação.
Foi atingida em cheio.
E seu frágil corpo humano não suportou a pressão do golpe, e vários pedaços da garota voaram pelo quarto. Alguns caíram pelo espaço aberto na parede.
Ela foi completamente obliterada.
Renato parou e olhou para seu punho.
— Não! Não pode ter morrido ainda! Você precisa viver mais! Isso foi muito rápido!
Estava desesperado. Não aceitava que a morte de Kath tivesse sido tão rápida.
— Não…
Caiu de joelhos no chão. Seus olhos estavam lacrimejados, mas se recusavam a chorar.
— Ela precisa sofrer…
Indignado, socou o chão, e todo o concreto do piso rachou, e o andar do prédio tremeu.
— Não pode ser… ela precisa voltar… Precisa voltar!
Imerso em raiva, tristeza e pura sede de vingança, desejou tanto que Kath voltasse dos mortos, que viu um milagre acontecer.
Os pedaços dilacerados do corpo da garota moveram-se sozinhos e começaram a se unir, reconstruindo aquele corpo destruído.
Até que ela estava completamente refeita, sentada no chão. Ergueu os olhos anuviados, confusa, e viu Renato. Franziu o cenho, sem entender direito o que acontecia.
O ódio novamente inundou o coração de Renato.
— Desgraçada! Queime!
E faíscas brotaram da pele da garota, até que ela inteira se incendiou feito uma tocha. Mal teve tempo de gritar, e foi transformada num monte de cinzas.
— Volte! Volte!
E as cinzas se transformaram em carne, e a garota retornou à vida.
Ela se levantou, tonta, confusa.
— Hã? O quê…?
— Morra!
Renato disparou aquela bola de fogo negro.
E enquanto destruía e reconstruía Kath inúmeras vezes, matando-a e devolvendo-lhe a vida só para poder matar novamente, ele foi cada vez mais sucumbindo à loucura.
A própria estrutura do prédio não estava aguentando tanto poder reverberando em suas paredes e lajes, e começou a rachar e estalar. Os alicerces vibravam.
Renato ergueu os olhos, e viu dezenas, talvez centenas de Kaths surgindo, emergindo do chão. E ele golpeava, incessantemente, cada uma delas, destruíndo-as, só para vê-las ressurgirem diante de seus olhos.
Até que não viu mais nada, além das incontáveis Kaths, rindo, zombando dele, enquanto ele as matava.
E toda a paisagem foi tomada pelo fogo. Um mar de magma se ergueu do chão, e borbulhava, fervendo, na altura de sua cintura. Os vermes nadavam naquele fogo líquido, e o enxofre subia em fumaça.
*
As garotas tinham vencido todos os soldados que entraram pela falha na barreira.
Mical e Jéssica mantinham sua própria barreira de pé, impedindo a entrada de mais soldados.
Elas tinham ouvido alguns estrondos reverberando do alto prédio, e ficaram preocupadas.
— O Renato… será que ele está bem? — perguntou Tâmara. — Eu não suporto esperar! Quero ir lá ajudar ele!
— É claro que ele tá bem — respondeu Jéssica, mordiscando o lábio, com uma dose de incerteza no olhar.
Até que o chão tremeu, como se um terremoto forte assolasse a terra, e o prédio inteiro vibrou, enquanto seus pedaços caíam, desmoronando.
Lírica gemeu de dor.
— Tô captando uma confusão mental horrível! Tem alguma coisa errada com o Renato!
Todo o último andar do prédio se despedaçou, e os pedaços, pedras, ferro, todos os escombros começaram a girar em volta de alguma coisa. Era como um furacão de entulho e ruína.
Os andares de baixo cediam. Os alicerces arrebentavam. E os andares do meio se enchiam de rachaduras enormes.
Até que o furacão de pedra começou a aumentar, destroçando os andares inferiores, fazendo seus pedaços se juntarem àquela órbita que girava em torno de um núcleo.
— Que merda tá acontecendo? Que porra é aquilo?! — falou Tâmara.
— Tem alguma coisa no centro! — disse Mical. — O que é aquilo? O que pode ser?
— Ora, ainda não perceberam? O que tem no centro é o Renato — respondeu a súcubo, com uma tranquilidade irritante.
— Tem muita confusão! Muito sofrimento psíquico! — falou Lírica.
O prédio finalmente cedeu por completo. Desabou. A estrutura se despedaçou e caiu, era apenas pedra e pó. Uma nuvem de poeira se ergueu.
E os pés de Renato finalmente tocaram o chão. Em volta dele, os escombros giravam e aumentavam em número, engolindo o concreto do piso, e as pedras, e a terra do chão.
Até os soldados pararam de tentar entrar e só ficaram voando, em suas armaduras, e observando em silêncio.
— Tá aumentando de tamanho — disse Clara. — Se continuar assim, nesse ritmo, não vai sobrar nada. Talvez seja assim que o mundo termine.
— Precisamos ajudá-lo! — retrucou Mical. — O Renato precisa da gente!
Clara ponderou por um instante.
— Não sei se tem algo que possamos fazer.
— Tá de zueira comigo? — retrucou Tâmara. — Tá desistindo dele? É isso? Quer fugir?
— Não, droga! — gritou Clara. — Eu sou quem mais quer ajudar! Tô pensando! Tô pensando em um jeito! Ele tá num tipo de transe! É como se ele estivesse preso dentro de sua própria mente. A destruição em volta é só um sintoma, e ele provavelmente nem sabe o que está causando. Se aproximar daquilo, do jeito que está, é suicídio. Qualquer coisa que se aproximar pode ser destruída. Precisamos de um plano.
Mical baixou os olhos. Estava pensando. Tinha medo. Sabia que poderia morrer, mas precisava fazer alguma coisa.
— Eu tenho um plano — disse ela.
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