Capítulo 134: Cinquenta Tons de Crônicas Jornalísticas
Renato estava deitado em sua cama. Com as lâmpadas apagadas, alguns raios de luz da lua entravam pela janela, então todo o quarto estava mergulhado em penumbra.
Seu corpo sentia o peso do cansaço, e o cotoco do dedo coçava um pouco.
“Droga! Esqueci de perguntar para Mical se ela consegue consertar.”
As dores dos ferimentos finalmente lhe atingiram com força, agora que estava com o sangue frio.
Queria dormir, porém não tinha sono.
Tanta coisa tinha acontecido ultimamente! Sua cabeça fervilhava.
Essa era a primeira noite em muito tempo que ele não tinha uma luta para lutar, ou algo próximo disso.
“Preciso relaxar.”
Teve uma ideia. Sorriu malicioso. Há quanto tempo não fazia isso? Achou até que poderia ter perdido o jeito.
“Não. É como andar de bicicleta.”
Pegou o celular, abriu o navegador em aba anônima e digitou a letra x.
O site do x, antigo twitter, surgiu no preenchimento automático.
— Não! Não é isso o que eu quero.
Ele apertou a tecla V.
Nessa hora, a porta do seu quarto foi aberta rapidamente e com força.
O rapaz, no susto, jogou o celular para longe.
Clara o olhou desconfiada.
— O que estava assistindo, Renato?
— Eu? — Gaguejou. — N-nada! Ahém! — pigarreou. — Precisam de alguma coisa?
O sorriso de Clara foi de orelha à orelha quando ela finalmente entendeu o que ele estava querendo fazer.
— Ora, meninas, parece que chegamos em boa hora! Aparentemente, o Renato tá com a libido bem alta!
Mical não olhava diretamente para ele, mas para os lados, para as paredes ou para o chão. Suas bochechas estavam coradas.
É claro que a timidez não iria impedi-la.
— L-libido? Como assim? — Ela finalmente olhou diretamente para ele.
— Ah, não… não é nada, Mical! — Ele coçou a bochecha. Parecia um tanto embaraçado.
Jéssica também tinha bochechas coradas; e mordiscava os lábios um pouco.
— Fale para ele, súcubo!
— Calma, vou falar!
Lírica estava atrás delas. Seus cabelos acobreados estavam molhados, e ela usava apenas uma camiseta, que Renato reconheceu como sendo dele. Parecia um vestido para ela, que cobria até metade das coxas.
A cauda peluda se balançava alegremente atrás dela, e erguia a camiseta o suficiente para Renato notar que ela não usava nada por baixo.
Aquilo fez o cérebro dele travar por um instante.
— Renato! — disse Clara, dramática. Teatral. — Faça sacrifícios aos deuses sombrios e preces blasfemas ao Inferno, pois seus desejos serão realizados!
O garoto ergueu uma sobrancelha, confuso.
— Quê?
— Prepare-se! Pois hoje nós vamos te desvirginar!
— Perai! É o quê?!
— Você será degustado por essas lindas jovens. Alegre-se!
Uma veia saltou na testa de Tâmara.
— Eu também estou aqui! Não me ignorem!
Tâmara viu todos direcionarem os olhares para ela.
— Fica fria — Clara deu um tapinha no ombro dela. — Não estamos te ignorando.
— Humpf! É bom mesmo!
Clara bebericou de seu vinho. Delicada de um jeito que nem parecia ela. A luz prateada da lua refletiu em seus cabelos negros; e os olhos brilharam vermelhos como o Sangre del Diablo na taça.
— Certo! Então vai funcionar assim: cada uma de vocês vai puxar um desses papeizinhos da minha mão. Cada papel tem um número. Aquela que tirar o número 1, será a primeira; a que tirar o 2, a segunda; e assim sucessivamente. Fácil, né? Um sorteio justo!
— Hum… — Tâmara lançou um olhar desconfiado. — Mas e você? Pode muito bem já saber onde tá cada papel e puxar o número 1 de propósito.
— Tão desconfiada! — Clara riu. — Mas não se preocupe. Eu não vou puxar nenhum papel. Vou ficar com o último, aquele que nenhuma de vocês pegar.
— Entendi! — falou Mical. Ela cerrou os punhos, com genuína empolgação. Seus olhos tinham um brilho vibrante e eufórico. — Vamos começar então!
Jéssica a olhou de soslaio, num misto de genuíno afeto e preocupação. Ela achava que Mical era jovem demais para pensar nessas coisas, mas lá estava sua irmã mais nova tomando a frente da coisa.
O coração de Renato bateu forte contra o peito. Ele engoliu em seco.
Queria muito aquilo há bastante tempo. Sentia-se um privilegiado. Mas agora que tudo estava a ponto de acontecer, ele não podia evitar sentir um pouco de pânico.
Essas garotas estavam decidindo as coisas por conta própria! Tudo orquestrado por Clara. Ela era a maior manipuladora. Não que Renato reclamasse. Ele até que gostava.
Ficou aliviado por ser uma de cada vez, pois temia que numa ocasião com todas elas ao mesmo tempo, ele poderia não sobreviver à noite.
— Certo! Então eu vou ser a primeira! Ou não vou suportar tanta ansiedade! — disse Tâmara, dando pulinhos de euforia. — Vamos, saiam da frente! — Foi até Clara e pegou um papelzinho.
Olhou o número, e seu rosto ficou pálido. Chocada. Parecia que tinha visto um fantasma.
— Não… não pode ser…!
— Número cinco! — disse Clara, olhando de cima para baixo, com o peito estufado. Uma risada discreta arqueava seus lábios. — Certo. Você será a última, então!
— Não! Isso não tá certo! Você manipulou isso, súcubo! Trapaceira!
Clara riu e deu de ombros.
— Não preciso manipular nada, lindinha. Está tudo na conta da sorte!
Tâmara cerrou os dentes e resmungou alguma coisa.
— Com licença! Eu vou tirar um número agora! — Lírica se aproximou. A cauda apontava para cima, sinal de que estava alegre e confiante.
E então:
— Número três! Não está ruim, mas… — Tinha uma certa frustração.
— Mical, sua vez — disse Clara, provocadora. A voz era estranhamente aveludada.
— Er… certo… hum… — A garota foi tomada por pânico. — Então eu vou… er.. — Estava hesitante. As bochechas mais vermelhas do que pimenta-malagueta.
— Vai logo, Mical! — reclamou Clara.
— C-certo! — Ela cerrou os punhos diante de si, buscando toda a coragem que conseguia evocar.
Puxou um papel.
Mical abriu o papel lentamente. Apesar das altas expectativas e empolgação, ela ainda tinha medo de olhar. Quando viu o número, o papel caiu de suas mãos.
Não estava preparada para o que veria.
— O-quê?!
— Parabéns, Mical! — disse Clara, com uma pequena mesura. — Você será a primeira.
— Eh?! Eu… primeira?!
— Ei, Mical, calma! Respira! — disse Jéssica, segurando sua irmã, que parecia prestes a cair.
Renato achou a atitude da garotinha um pouco engraçada. “Se isso fosse um anime”, pensou, “as pupilas dela estariam girando e teria fumaça saindo de suas orelhas”
— A-acho que Mical não está preparada para ser a primeira — falou Jéssica, gaguejando de nervoso. — A-acho que eu deveria trocar com ela.
Clara riu.
— Nada disso! As regras são claras.
— T-tá tudo bem. Eu consigo! Eu tô preparada!
— Mical…
— Tá vendo, Jéssica? Ela dá conta. Agora tire um papel, por gentileza.
Jéssica mordiscou os lábios e olhou para Clara com certo ressentimento.
— Certo. Mas que fique claro que as regras só importam até onde minha irmã estiver confortável. Se ela mudar de ideia, se não se sentir bem, ou qualquer coisa assim, a brincadeira acaba! Ouviram?
— Sim, certo, entendi — disse Clara, entediada com as palavras da menina.
— E isso vale pra você também, Renato! Se minha irmãzinha ficar desconfortável, se não tratar ela bem, nem sei o que eu faço! Mas que faço alguma coisa, eu faço!
— Entendi! — A pressão que Renato sentiu fez ele responder rapidamente e de forma automática, como se estivesse respondendo um general do exército.
— Jés! — disse Mical. — O Renato é gentil. Tenho certeza que ele… — Mical ficou muito vermelha e não conseguiu completar a frase.
— Eu sei! Mas ele é um homem, afinal. E eu li coisas muito… perturbadoras… sobre os homens! Tem um livro em especial que me deixou muito apreensiva. Um manual que encontrei nas coisas de Clara outro dia.
— Manual? — A súcubo ergueu uma sobrancelha.
— Sim! Um manual, que também traz algumas crônicas jornalísticas, que discorrem sobre como se dão as relações afetivas das pessoas nos tempos modernos.
— Acho que não tenho nenhum livro assim…
— Confesso que senti muita pena daquela pobre garota cuja história foi retratada no livro! E admiro a força dela em contar sua história dessa forma, para alertar outras garotas inocentes! Pobre Anastacia! — Jéssica estava realmente comovida.
Clara enrugou a testa.
— Anastacia? — Gargalhou alto. — Se lembra do nome do cara?
— Era Christian “alguma coisa”. Não tenho certeza. Mas era um vilão que se aproveitou da inocência daquela moça! Então, Renato, saiba que eu já li esse manual e sei das atrocidades que homens podem fazer! Não faça nada daquilo com minha irmãzinha!
— Que atrocidades? — perguntou Mical. — Agora eu fiquei meio curiosa, sabe?
Clara não conseguiu conter as gargalhadas.
— Ai, Jéssica! Que coisa! — Ela ria tanto que lágrimas escorriam de seus olhos, e a barriga começou a doer. — Aquilo não é um manual. E muito menos uma crônica jornalística sobre relações afetivas modernas.
— Mas… se não é, o que poderia ser?
— É só um livro para garotas carentes lerem à noite, quando ninguém estiver vendo, e fantasiar com um homem dominador que faça coisas inomináveis e estarrecedoras com elas.
— Inomináveis e estarrecedoras? — Mical baixou o olhar, ruborizada, enquanto imaginava tais coisas.
— O quê? Mas… eu não entendo! Não faz sentido! — reclamou Jéssica.
— E já estamos desviando demais do assunto principal! Pegue logo um papel! — retrucou Clara.
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