Índice de Capítulo

    Jéssica estava deitada preguiçosamente na banheira. A água era quentinha e relaxante. Ainda não acreditava no que tinha acabado de fazer. A sensação do toque de Renato acariciando-a ainda estava em sua mente, e ela quase podia senti-los. 

    Tinha medo de que Renato não a tivesse achado boa o suficiente; mesmo assim estava bastante feliz, de certa forma, e não via a hora de fazer aquilo de novo. Estava inquieta, porém. Nesse exato momento, deveria ser a súcubo a ir se encontrar com Renato. 

    ‘Espero que ele não se esqueça de mim “, pensava. 

    Mical também estava no banheiro, porém já tinha terminado seu banho e penteava os cabelos, tranquilamente, diante do espelho. Cantarolava alguma canção alegre.

    — C-como foi pra você, minha irmã? — perguntou Jéssica. 

    As bochechas de Mical ruborizaram e ela baixou o olhar. Pôs o pente sobre a bancada de pedra e tentou achar as palavras para explicar, mas teve dificuldades.

    — F-foi… in… — gaguejou. 

    — Pode me contar. Eu também conto como foi pra mim. 

    — Eu sei, mas… eu tenho um pouco de vergonha… 

    Jéssica franziu o cenho. Era a primeira vez que Mical hesitava em lhe contar alguma coisa. 

    Mical prendeu a respiração e fechou os punhos, puxando toda a coragem que conseguiu. E então falou: 

    — F-foi incrível! Eu… eu adorei cada momento! Por mim poderia durar para sempre! Se existe um paraíso, deve ser daquele jeito! Deve ser nos braços de quem a gente ama! 

    Jéssica ficou sem palavras diante da fala de sua irmã. Um tanto chocada. Mas ela se lembrava. Mical sempre foi assim. Apaixonada, entregue a tudo o que sente e leal a seus sentimentos. 

    E ela sempre foi curiosa quanto a esses assuntos românticos. Uma vez, ela até já falou que queria saber como era o toque de um homem. E agora ela sabia. Jéssica ficou aliviada porque a experiência de Mical foi boa. Ela sorriu, porque sua irmã estava feliz. Porque foi Renato. E ela sabia que aquele garoto tinha feito o melhor para tornar o momento maravilhoso para Mica, assim como fez com ela própria.

     Jéssica riu, achando a situação um tanto divertida.

    Mical ruborizou ainda mais. 

    — E-eu falei alguma coisa estranha? Falei, né? 

    — Não, Mica. Não falou nada estranho.

    — E então… 

    — Pra mim também foi incrível. Eu tô com as pernas moles até agora. Acho que se eu sair dessa banheira, vou acabar caído no chão. 

    Dessa vez foi Mical quem riu. 

    — O Renato te fez sentir coisas também, né… 

    — Sim… 

    — Jéssica baixou o olhar, com as bochechas corando. 

    E as luzes do banheiro piscaram repentinamente, interrompendo a conversa amigável entre as irmãs. E elas sabiam que poderia não ser nada de mais; entretanto, também poderia ser o sinal de algum poder sobrenatural atuando nas proximidades. 

    — Tão sérias! — disse uma voz feminina, de algum lugar, e gargalhou.

    Mical sentiu arrepios, e ao expirar o ar, a superfície do espelho embaçou. 

    — Isso… 

    De repente, Lua caiu no meio do banheiro, vinda de algum lugar no alto. Talvez estivesse escondida no teto desde o início. 

    — Olá, Mical — Lua sorriu. — Lembra de mim? 

    — Você! A garota do frio do mal! 

    — Já disse que meu frio não é do mal! — Lua pareceu um tanto ofendida. 

    Jéssica se levantou da banheira. A espada de lâmina dourada, com runas entalhadas, surgiu na mão da garota. Era a Jóia do Arcanjo, em sua nova forma. 

    — Quem é você? — perguntou. 

    — Oh, já se esqueceu de mim? — Lua levou a mão ao queixo, pensativa. — Ou será que nunca nos conhecemos…? 

    — Diga quem é você e o que quer! 

    — Ela é uma elemental, Jés! 

    — Elemental? 

    — Sim! Tipo… tipo como uma fada ou uma sílfide! 

    Lua bufou. 

    — Fadas… sempre as mais famosas! Por isso são tão metidas! Mas deixa eu te contar, todos os elementais são essenciais para a manutenção da natureza, ouviu? Nós, do gelo, também temos nossa importância! 

    — E o que quer conosco, garota elemental? — inquiriu Jéssica. 

    — Primeiro, dá pra baixar essa espada? Ela não vai ser tão útil contra mim mesmo. 

    — Responda! 

    — Certo, certo. Bom, eu só estava entediada, já que a Clara foi… vocês sabem…selar o pacto com o garoto. 

    — Pacto? 

    — Oops! Acho que falei demais. — Ela riu e levou a mão à boca, porém continuou: — E aí eu vi vocês aqui, tão inocentes! Tão fofas! Que eu não pude evitar me envolver, apesar da Clara ter me advertido para ficar longe. 

    Nessa hora, o chão tremeu, como se atingido por algo pesado, e a lâmpada piscou novamente. 

    — Sabe o que tá acontecendo? — Jéssica ergueu uma sobrancelha. 

    — Sei, mas não vou falar. Só por causa da sua falta de educação de ficar apontando essa espada angelical para mim. 

    Jéssica franziu o cenho. Estava pensativa. Nem sempre a violência é o melhor caminho. A espada foi envolta em várias partículas flutuantes de luz, e desapareceu. 

    — Pronto. Diga, por favor. 

    — Não. Tarde demais. Não falo com gente mal educada! Minha mãe me ensinou dessa forma, o que posso fazer?! 

    — Por favor! — disse Mical, com aqueles olhos de emeralda brilhantes. — Conta pra gente o que tá acontecendo! 

    — Ah! Droga! Quem resiste a essa carinha fofa da Mical, não é mesmo? O que tá acontecendo é uma transferência de poder mágico. 

    — Como assim? Pode dar mais detalhes? 

    Lua levou a mão à cabeça de Mical e fez cafuné. 

    — Tão fofa! Pra você eu conto tudo, Mical! Acontece que é assim que as súcubos obtêm energia. Aliás, também é assim que elas selam pactos. Pra falar a verdade, quando se trata de simples alimentação, elas preferem ataques em sonhos ou, quando na vida real, limitar o contato a apenas beijos ou alguma outra interação menos íntima. Sexo de verdade, carnal, na vida real, é como esses demônios selam seus pactos. E aí, Clara Lilithu e Renato vão estar ligados para sempre! Parte do poder dele vai pertencer a ela, e ele vai ter acesso a uma satisfação sexual tão grande que, acreditem, pode até matar. 

    — O Renato pode morrer?! — As duas irmãs falaram ao mesmo tempo. 

    Lua deu de ombros. 

    — Pode. Mas, a verdade é que essa situação em especial tem algumas peculiaridades. 

    — Que tipo de peculiaridades? — perguntou Jéssica. 

    — Do tipo “Clara também pode morrer”. 

    — O quê? Então como…? 

    — O poder de Renato é bastante… complicado. E certamente imprevisível. E é esse poder que ela vai absorver durante o ritual de pactuação. Portanto, ninguém, nem ela mesma sabe se vai conseguir aguentar. Nunca houve um condutor como o Renato, sabem? É uma situação única e completamente sem precedentes. Talvez ambos se destruam. E isso deve estar acontecendo agora mesmo. É esse poder que está reverberando por todo o prédio. Só Deus sabe como vai terminar! 

    — P-precisamos fazer alguma coisa! — disse Mical. 

    Lua sorriu, maliciosa. 

    — Esse era o plano de Clara desde o início. Inclusive, aquele teatrinho do sorteio foi parte disso. 

    — Isso não faz sentido! — retrucou Jéssica. — Se essa era a intenção da Clara desde o início, por que ela faria o que fez com a gente? Por que ela fez o sorteio para decidir quem iria primeiro? Por que ela…? 

    — Porque ela precisava que o Renato gastasse parte de sua energia, oras. Dessa forma, ela diminui os riscos que ela mesma vai correr. E a melhor parte! — Lua riu, divertindo-se com as expressões confusas das duas. — Ao fazer vocês irem primeiro, ela cria uma corrente de Energia Tântrica, e assim que ela obter controle sobre o garoto, esse controle vai, em parte, se estender a vocês também. Ah! Pobres garotinhas apaixonadas, foram os peões dos planos dela. Clara Lilithu manipulou todas vocês. Manipulou, inclusive, aquele garoto. E agora, se o plano der certo, ela vai se tornar a súcubo mais poderosa de toda a história e vocês vão ser meros escravos dela!

    — Não sei se a súcubo é mesmo tão manipuladora quanto diz, mas sei de uma coisa! — falou Mical. — Se existe uma chance do Renato estar em perigo, nós precisamos ajudar! Não vamos deixar que ele se machuque! 

    — Sim! — respondeu Jéssica. — Vamos, Mica! 

    As duas irmãs correram em direção à porta, mas enquanto corriam, Jéssica tropeçou em algo, e caiu. 

    — Jés! — Mical se voltou para ajudar sua irmã. 

    Jéssica viu qual era o problema. Uma projeção de gelo tinha se formado do chão e envolvido seu pé direito, mantendo-a presa. 

    As luzes do banheiro piscaram novamente, e um frio súbito tomou o ambiente, como se todo o calor tivesse sido sugado para um lugar distante. Cristais de gelo começaram a se formar nos cantos das paredes, arrastando-se lentamente como garras. 

    A superfície do espelho embaçou por completo, coberta por uma fina camada de geada que se alastrava em padrões sinuosos, quase artísticos. 

    Quando Lua sorriu, o ar se encheu de pequenos flocos de neve que flutuavam delicadamente. Eram como pedacinhos de diamantes que pairavam no ar. 

    Subitamente, a umidade no banheiro congelou, transformando-se em estalactites afiadas penduradas no teto, prontas para despencar como punhais a qualquer momento. 

    A água da banheira começou a endurecer, e rachaduras finas se espalharam pela superfície, emitindo estalos suaves e ameaçadores. 

    Então, diante da porta, o gelo se ergueu como uma barreira. A parede transparente cintilava à luz trêmula da lâmpada, com tons de azul e branco que se moviam como se o gelo tivesse um fluxo próprio, quase orgânico. 

    Lua estalou a língua e balançou a cabeça. 

    — Só porque eu contei pra vocês tudo isso, não significa que eu vou deixar que atrapalhem. Este local se tornou um cárcere para vocês. Sinto muito, meninas, mas não vou deixar que saiam! 

    Jéssica arrebentou o gelo que a mantinha presa e se levantou. Fez sua espada ressurgir em sua mão. A lâmina era brilhante e quente como fogo, contrastando com todo o ambiente gelado em volta. 

    Ela a empunhou diante de si, numa posição de luta. Mical fez sua bazuca aparecer, e ela a colocou sobre o ombro, e apontou a arma para a elemental. 

    — Então você não vai deixar? — disse Jéssica. 

    — Acontece que nós não estamos pedindo sua permissão — completou Mical.

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