Índice de Capítulo

    Renato tranquilizou sua respiração. Ouviu os batimentos do coração se acalmarem.

    Diante dele, estava um oponente com quase o dobro do tamanho, e, provavelmente, mais do que o triplo do peso.

    O orc usava uma armadura de metal maciça. Parecia impenetrável.

    Balançava aquela clava enferrujada e cheia de espinhos. Era ameaçador.

    Ele levantou os braços gordos e urrou em euforia.

    Seus camaradas urraram juntos.

    Orcs e demônios formavam um círculo em volta dos dois. Não deixariam nada escapar dos olhos famintos por violência.

    No meio da multidão de criaturas, Renato viu um reptiliano pequeno e esguio. Lembrava um pouco Kazov. Tinha as mesmas garras e presas, e o corpo tão coberto por escamas quanto seu antigo companheiro de treino, mas ao mesmo tempo, carregava uma inocência rara no Inferno.

    Aqueles olhos brilhantes e infantis lhe desejavam boa sorte na luta.

    — Vou te matar com um só golpe de minha clava! — berrou o orc. — Testemunhem, meus iguais! Este macaco de barro morrerá gritando! E a carne dele será nosso jantar de hoje!

    Os orcs da plateia berraram em júbilo. 

    Estavam extasiados com a batalha que se aproximava.

    Renato analisou seu adversário, procurando aberturas em sua defesa.

    Não era a primeira vez que ele enfrentava alguém maior e mais pesado. Seus pais adotivos já fizeram ele encarar lutas semelhantes. A nostalgia bateu forte no peito.

    — Não tem como eu perder — sussurrou, mais para si mesmo. Mas Irina, do alto da plataforma de pedra, soube exatamente o que o irmão estava pensando.

    O orc avançou.

    Balançou a clava, num ataque horizontal. Mirava a cabeça de Renato. Se acertasse, os miolos se espalhariam pelo chão arenoso e pedaços dos ossos do crânio voariam pelos ares.

    Mas Renato não estava disposto a ser atingido.

    E aquele golpe era demasiado lento se comparado aos ataques dos anjos e demônios que ele já tinha enfrentado.

    Renato saltou, chutando o chão, e ganhou altura.

    A Espada do Ódio surgiu em sua mão magicamente, como se soubesse que era necessária, e Renato bateu a lâmina na clava, desviando o golpe do orc para o lado.

    E asas negras, feitas de frio e sombra, brotaram nas costas de Renato, e ele deslizou no ar.

    Assim que o orc se virou para tentar um novo ataque, o garoto estava atrás dele, esperando-o pacientemente.

    E Renato afundou o punho fechado na barriga do monstro.

    A placa metálica da armadura tiniu e amassou.

    Foi como se uma onda de choque percorresse todo o corpo do orc. A pressão fez o próprio ar se mover, num formato circular, em onda, empurrando as criaturas próximas para mais longe.

    Renato se afastou do oponente. Não havia a necessidade de um segundo golpe.

    Murmúrios se espalharam pela multidão de criaturas. Se perguntavam o que tinha acontecido, enquanto olhavam com espanto para os dois lutadores.

    O orc tinha no rosto uma completa expressão de agonia.

    Até que forçou um sorriso resignado e triste.

    Ele tossiu e cuspiu sangue.

    Caiu pesadamente de joelhos, o choque levantando poeira ao seu redor. Seu corpo inteiro tremia com a dor, como se algo estivesse se retorcendo dentro dele.

    — Eu fui… derrotado completamente — gemeu o orc. A dor que subia de seu estômago era excruciante. Parecia que vermes estavam devorando suas estranhas. — Você bate forte, garoto.

    Os orcs da plateia pareciam em choque e até com um pouco de medo. Os demônios, por outro lado, riam e zombavam dizendo coisas como: “ esse é o grande Hazur? Perdeu para um macaco de barro!” e “eu teria vergonha se fosse alguém da minha espécie!”.

    O orc Hazur se levantou e caminhou até Renato. Cumprimentou-o com um aceno de cabeça.

    — Ganhou meu respeito, humano.

    Renato assentiu e estendeu a mão.

    O orc tentou apertá-la, a diferença de tamanho era tão evidente, que Renato pôde apertar apenas três dedos dele.

    Em seguida, Hazur saiu da arena improvisada e voltou para os seus em completo silêncio.

    Nessa hora, o pequeno reptiliano abriu caminho da multidão de criaturas e correu até Renato.

    Parecia um tanto intimidado.

    — V-você conheceu meu pai — disse ele, hesitante.

    — Seu pai? — perguntou Renato. — Kazov?

    — Sim. Kazov era meu pai. Ele falou que conheceu um humano que desceu vivo ao Inferno. Disse que estava te ajudando no treinamento.

    — Sim. É verdade. Kazov me ajudou a ficar mais forte.

    — Ele também disse que teria que te matar. Os demônios chantagearam ele. Ele não teve escolha. — O reptiliano tinha lágrimas nos olhos. — Ele gostava de você. Mas se não tentasse te matar, os demônios matariam a mim e a minha irmã.

    — Entendo — Renato assentiu. Uma faca de tristeza cravou-se em seu coração.

    O reptiliano levou a mão aos olhos, limpando as lágrimas.

    — Meu pai nunca voltou. O demônio disse que como ele não venceu a luta, só libertaria a mim. A minha irmã ainda está presa em algum lugar. Por favor, humano! Eu sei que você é forte! Por favor! Ache minha irmã e liberte ela!

    — Qual o nome do demônio que sequestrou vocês?

    — Abigor.

    “Por que quando acontece alguma merda, o nome desse desgraçado tá sempre envolvido?” pensou o garoto.

    Ele se lembrou da última vez em que viu Kazov. Eles estavam lutando nas Areias da Segunda Morte, quando os anjos atacaram.

    E Kazov enfrentou o anjo Raziel sozinho para que Renato pudesse tentar escapar.

    No fundo, ele só queria proteger a família. Não tinha escolha. O próprio reptiliano disse isso para ele antes da luta.

    E mesmo assim ele o protegeu na hora da morte. E depois de tudo, a filha dele ainda estava desaparecida por culpa do Abigor. Era injusto!

    — Sim. Não se preocupe. Vou encontrar sua irmã.

    — Obrigado. — O pequeno olhou para o chão e ensaiou um sorriso, que saiu fraco. — Meu nome é Hauir. O da minha irmã é Katrina.

    — Viram? Meu bichinho de estimação é realmente incrível! — gritou Angélica, do alto da plataforma de pedra. — Ele não perde pra ninguém!

    — Certo, certo, agora vamos continuar os assuntos que estávamos tratando! — disse Baalat. — Irmãzinha, recolha seus bichinhos para que eles não façam mais bagunça, certo?

    — Sim!

    Angélica pegou Renato com seus tentáculos de sombra e o puxou para a plataforma e o coloco ao seu lado.

    A pequena princesa tinha seu assento especial, luxuoso como um trono, e Renato ficou sentado no chão ao lado dela.

    Irina, Clara e Lírica permaneceram juntas.

    O trono de Baalat era maior e mais luxuoso. A garota sorvia de uma taça uma bebida alaranjada fluorescente com uma chama no topo. Era como se fosse um drink de fogo líquido.

    Ao lado dela, de pé, tinha mais três demônios. Um deles era Belfegor; o outro, o reitor da Masmorra das Luzes, Phenex. O terceiro, Renato não conhecia. Ele tinha um ar ameaçador e cara de poucos amigos.

    Foi o primeiro a falar.

    — Como sabem, há rumores de guerra. Não sabemos como, mas um dos Cavaleiros do Apocalipse conseguiu sair do Gehenna. As filhas de Lúcifer viram Guerra com os próprios olhos. E existe a possibilidade dele não ser o único. Os anjos estão se movendo feito loucos para tentar capturá-lo. Não vamos permitir! Vamos marchar com tudo o que temos e matá-lo nós mesmos! Se os anjos puserem as mãos naquela criatura, nem Deus sabe o que poderão fazer. O Inferno estará em risco. Todas as criaturas que aqui vivem podem ser destruídas definitivamente. Seus lares não mais existirão! Precisamos que marchem em direção à Terra! Orcs, reptilianos, demi-humanos, vermes de sonhos e toda a sorte de monstros! Caminhem sobre a Terra dos homens juntos dos demônios e levem destruição aos nossos inimigos!

    — Mas e o que vai ser da Terra depois disso? — Renato se levantou, indignado. — As pessoas… o que vai acontecer com elas?

    O demônio olhou para o garoto com o mais profundo desprezo.

    — Quem deixou este animal falar?!

    — Eu deixei! — retrucou Angélica.

    — Pois bem — disse o demônio. — O que vai ser das pessoas, você me pergunta. Então deixa que eu te respondo. As tropas precisam de comida. E as pessoas vão alimentar o exército do Inferno com seus próprios corpos e almas. Sua espécie, homo sapiens, servirá como… ração militar. — O demônio sorriu. — Veja quantas criaturas carnívoras temos aqui! E os que não virarem comida, acabarão sendo dizimados no fogo cruzado, pegos em alguma magia ou atingidos pelos estilhaços das explosões. Tenho certeza de que não sobrará alma viva sobre aquele lixão que vocês chamam de planeta.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota