Índice de Capítulo

    — Vamos precisar de uma pessoa que tenha afinidade com o elemento Terra — disse Phenex.

    — A pessoa precisa estar viva? — perguntou Baalat. — Não temos muitos humanos vivos por aqui.

    Ela deu uma olhada sombria para Renato, Silas e Isa, se perguntando se não valeria a pena matar pelo menos um deles pelo bem do feitiço.

    — Não, pode ser alguém num Corpo Renascido de Miséria, mas o espírito precisa estar fresco. Quanto mais recente, melhor.

    — Elemento Terra, morto recentemente, então… — Baalat ponderou por um tempo. — Acho que temos alguém assim.

    Ela abriu as asas e voou. Atravessou os túneis daquele labirinto subterrâneo até ver a luz avermelhada do sol brilhando na saída da caverna.

    Cruzou o céu feito um pássaro. Suas asas eram vermelhas como seus cabelos, e ela as movia de maneira elegante e com graça, como só uma princesa faria.

    Às vezes, apenas planava, absorta na beleza daquelas paisagens distantes. Mesmo no Inferno, havia algo bonito para olhar. No passado, a vista seria bem diferente, mas os demônios antigos, aqueles que lutaram na rebelião de Lúcifer, a consertaram. Foram tempos de glória, em que os próprios Naz-haîm voavam por esse céu púrpura.

    Uma pequena cinza flutuante caiu em seu braço, e Baalat finalmente viu seu destino. Uma montanha que se erguia, como uma ferida na terra, e no topo, um buraco enorme expelia fumaça feito uma chaminé. Era o Vulcão Krakat, cuja cratera servia como entrada para as Prisões Subterrâneas de Enxofre.

    Centenas de demônios soldados voavam em volta da cratera, protegendo-a, como abelhas em volta da colmeia.

    Cinzas caiam do alto como chuvisco, chapiscando a paisagem.

    Ela pousou na beirada da cratera. Era enorme; um abismo onde a lava borbulhava, fervendo.

    O bafo quente acariciou seu rosto. 

    Não havia no Inferno, um local onde o cheiro de enxofre fosse tão forte.

    Baalat sorriu. Adorava aquele lugar. Era bonito. Seus ouvidos aguçados puderam até mesmo captar alguns gemidos de dor e agonia; e um grito desesperado. Era como música clássica. Acalentava seu coração.

    O general dos Atormentadores, Syrach, pousou ao seu lado e recolheu as asas cor de enxofre.

    — Princesa Baalat. A que devo a honra da visita? Deseja aplacar o tédio com nossos prisioneiros novamente?

    — Hoje não. Tenho assuntos mais importantes. Por favor, abra a porta, Syrach.

    — Como desejar, minha senhora!

    O demônio moveu suas mãos, descrevendo um símbolo do tipo sigilo mágico dentro de um círculo.

    A lava se agitou como um mar de fogo em tempestade.

    E, semelhante ao milagre de Moisés, se abriu ao meio, e a lava se tornou como duas paredes laterais de fogo líquido.

    Um caminho foi criado, com escadas de basalto negro que descia até as profundezas.

    Baalat sorriu satisfeita.


    Assim que Baalat saiu da câmara subterrânea no complexo de cavernas, Belial lançou para Renato um olhar carregado com ódio, e também saiu.

    Belfegor, que fingia estar prestando atenção na conversa com Renato, notou o movimento do outro demônio pelo canto dos olhos, disfarçadamente.

    Sabia exatamente onde ele estava indo.


    Belial pousou no alto de um galho, numa árvore da Floresta Perdida, e recolheu suas asas.

    A árvore era enorme. Mais de cem metros.

    O galho era de madeira maciça, mais calibroso do que o corpo de um homem, e estava coberto de musgo verde.

    Cipós e trepadeiras escorriam das árvores, como cascata verde.

    O cheiro era de podridão e morte. Estava próximo do Grande Cemitério, que outrora tinha sido usado pelos Ceifeiros como caminho para levar as almas condenadas ao Gehenna e às prisões infernais.

    Há alguns séculos, no entanto, o caminho foi abandonado, e as várias almas que aguardavam seu destino final foram simplesmente esquecidas e deixadas à própria sorte.

    Tais almas vagaram pelo cemitério e pela floresta por séculos, sem conseguirem se libertar e nem seguir em frente. Ficaram deformadas, destruídas pelo sofrimento e pela desesperança. 

    Receberam o nome de Espectros. Eles assombram a floresta em torno do cemitério, em busca de algum fio de esperança ou de ajuda. Uma espera vã.

    No entanto, eles carregam consigo uma quantidade considerável de energia hermética acumulada por causa de todo esse tempo vivendo no Inferno.

    E era disso que Belial precisava.

    Agarrou um Espectro com as mãos nuas. Encarou aquela sombra disforme, carregada de terrores, e sorriu.

    E então começou a entoar um cântico baixo e gutural, em língua enoquiana.

    Seu cântico provocou uma reação no Espectro.

    Ele se contorceu de dor. Tentou se soltar do demônio e fugir, mas sua tentativa era em vão.

    Belial o estava drenando. Sugando toda a energia para alimentar a maldição que lançaria em Renato.

    Mas algo aconteceu. Seu cântico foi interrompido.

    Uma lança deslizou no ar, atravessando a folhagem espessa, indo direto para o demônio.

    Ele, com um movimento rápido, saltou para o lado, desviando do ataque.

    A lança cravou-se no tronco da árvore. O cabo vibrando com o impacto.

    — Apareça! — ordenou Belial. — Pare de se esconder feito um covarde!

    Neste momento, o espectro já estava voando para longe.

    E do meio da folhagem, entre as trepadeiras, surgiu a figura de Belfegor.

    — Você… ! — rosnou Belial, com dentes cerrados.

    — Sim. Eu também.

    — Traidor! Atacando um demônio por causa da merda de um ser humano!

    — Na verdade, você não entendeu nada, Belial. Você é o traidor aqui.

    — Cale-se! Vou matá-lo!

    — Ele não está sozinho. — E Baalat pousou ao lado de Belfegor. — Você fez a escolha errada, Belial. Eu disse que não deveria atacar o garoto. Seu grande idiota!

    — Senhora Baalat! Ele é só um macaco de barro! Não merece sua consideração!

    — Cale a boca! — Angélica também apareceu. — Aquele ser humano tem mais valor do que você jamais teve! Mais valor do que você jamais terá!

    — Mas senhoritas! Tudo o que fiz, fiz em nome do Inferno! Toda a minha existência foi para servi-las!

    — Você não serve mais — retrucou Baalat. Ela tinha um sorriso maldoso nos lábios. — É peso morto.

    — Eu não aceito isso! Não aceito! O que Lúcifer pensaria disso, hein? Lúcifer…

    — E por que não pergunta diretamente para mim? — O Diabo estava atrás de Belial. Sua aparência reluzia. As asas angelicais estavam abertas em suas costas. Sobre a cabeça, uma coroa de ouro em puro resplendor.

    Belial caiu de joelhos.

    — Meu senhor! Tudo o que fiz…

    — Cale-se, demônio desprezível! Você é uma vergonha para o Inferno. Não consegue entender um palmo adiante do nariz.

    — Meu senhor…

    — Não tem mais valor. Serás jogado no fogo do Gehenna para queimar pela eternidade!

    — Senhor! Eu lutei contra os filhos da luz! Eu lutei em vossa rebelião! Eu…

    — Sua voz é mesmo nojenta de ouvir! Ela me dá nojo.

    Correntes brotaram da terra, moveram-se como serpentes, e agarraram-se aos pulsos e tornozelos de Belial, aprisionando-o.

    — Aceites vossa condenação de bom grado! — disse Lúcifer, com o olhar cheio de orgulho e altivez.

    E a terra se abriu, vomitando labaredas terríveis, e as correntes puxaram Belial para dentro do buraco. Ele até tentou resistir, se agarrando às árvores e as pedras a ponto de suas unhas serem arrancadas. Bateu as asas enlouquecidamente, mas de nada adiantou.

    E o chão se fechou, o prendendo para sempre na masmorra mais profunda de todas.

    Belfegor sorriu. Caminhou tranquilamente até Belial, que estava caído no chão, babando, preso naquele transe letárgico. Seus olhos, paralisados numa expressão de terror. A boca se movia lentamente.

    Não foi difícil pegá-lo, afinal, Belfegor era o Apóstolo do Medo.

    Belial estava preso num pesadelo interminável, vivendo seus maiores medos. E Belfegor sabia exatamente o que fazer com o demônio.


    Renato estava na câmara subterrânea, treinando alguns golpes com o orc Hazur, enquanto Silas assistia com interesse.

    Irina, Isa, e Lírica conversavam sobre várias coisas. Irina falava um pouco sobre o passado que ela e o irmão tiveram, e sobre como seus pais adotivos lhe forçaram a aprender um monte de coisas esquisitas.

    Isa falava sobre as lutas que ela e Silas tiveram que enfrentar, e que até mesmo Baalat já tinha lutado ao lado deles. Contou um pouco sobre o encontro que teve com os servos de Arimã e um feiticeiro que escravizava lobisomens.

    Angélica apenas ria, achando aquilo tudo trivial demais, e dizia que assim que isso acabasse, Irina teria que fazer aqueles brigadeiros da professora Dilze.

    — Ela chegou! — gritou Clara, da entrada da câmara.

    A Baalat surgiu, voando, segurando o pescoço de alguém, arrastando-a consigo.

    E logo atrás dela, uma pequena escolta de soldados infernais.

    Baalat jogou aquela pessoa no meio da câmara.

    — Eu trouxe a recém chegada. Uma alma fresquinha! — disse a primeira princesa do Inferno, olhando para o reitor Phenex.

    E Renato sequer acreditou em seus olhos.

    Diante dele estava Kath, encolhida e completamente amedrontada.

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