Capítulo 157: Os punhos machucados de Irina
Ao ver Kath ali, caída no chão, nua e encolhida de terror, com queimaduras e cicatrizes pelo corpo, o cérebro de Renato foi tomado por uma inundação de emoções conflitantes e bagunçadas.
A raiva e o ódio se entrelaçaram com o nojo, e esmagaram seu peito. Sentiu o corpo formigar.
Renato cerrou os punhos e apertou os dentes.
— Ora, mas que mundo pequeno! — A voz sarcástica de Clara cortou seus pensamentos. A súcubo olhava aquela humana miserável, com uma expressão que transmitia nojo e, talvez, até um pouco de pena.
Lírica permaneceu em silêncio, mas não escondeu a surpresa.
Franziu o cenho. O cheiro do medo dela despertou seus instintos de predador. As garras retráteis se projetaram na ponta de seus dedos.
Por um momento, quis se aproximar, mas se conteve.
— O que acha disso, Renato? — Clara sorriu, provocativa, enquanto olhava para Kath.
— Vocês já se conhecem? — perguntou Baalat.
— Já sim — respondeu Renato.
— Quem é essa garota?
— Irina…
— Quem é ela, Rê?
— Ela precisa saber — disse Clara, dando de ombros. — Fala pra ela, Renato.
O garoto engoliu em seco. Odiava a ideia de revirar o luto dentro de sua irmã, mas concordava com Clara. Ela tinha direito de saber.
— Essa é… foi ela quem… foi ela quem explodiu o orfanato e matou as crianças. É tudo culpa dela.
— Vadia psicopata! — disse Clara. — Bem-vinda ao Inferno! Não se preocupe, sua eternidade de sofrimento está garantida! — No rosto, um sorriso sarcástico. — Droga, agora eu quero um pouco de vinho!
Irina respirou fundo.
Sua mente se anuviou. A visão falhou. Mas ela manteve a calma. Não podia deixar que a impedissem.
Abriu um sorriso largo.
— Entendi. Bom, ela já morreu, né? Não há mais o que fazer…
— Irina…
A garota caminhou casualmente.
— Sabe, eu também queria um pouco de vinho, entende? Só isso… Não vou fazer nada… vocês precisam dela, né? Precisam dela..
Irina sempre foi uma boa mentirosa, treinada por seus pais para as mais adversas situações. Já enganou políticos, empresários e até terroristas. Mas pela primeira vez, sua mentira falhou e se tornou óbvia para todos.
A primeira a notar foi Isa. As emoções de Irina caíram sobre ela feito um tsunami, obscurecendo sua visão. Se arrepiou. O coração bateu acelerado. Lágrimas transbordaram em seus olhos. Isa quase caiu por causa das vertigens, mas Silas a segurou.
— O que houve? — perguntou Silas.
— As emoções que vêm dela… são pura escuridão.
A segunda a perceber foi Lírica. Seu olfato aguçado e animalesco captou toda a raiva que escapava através dos poros da menina.
E a terceira foi Clara.
Irina moveu-se rapidamente, como o bote de uma serpente. Pulou sobre Kath, sem qualquer cerimônia, e desferiu uma sequência assustadora de socos no rosto dela.
— Desgraçada! Desgraçada! Eu vou acabar com você!
Os punhos colidiam nas bochechas, na boca e nos olhos.
Os lábios de Kath, dilacerados e transformados em carne triturada, começaram a sangrar. O nariz estava quebrado.
— Não vai impedir? — perguntou o reitor Phenex.
— Se o Corpo Renascido de Miséria se machucar, o feitiço enfraquece? — perguntou Baalat.
— Não.
— Então deixa a menina extravasar a raiva. Não custa nada ceder um pouco de gentileza.
Kath tentou reagir. Reuniu forças para levantar um dos braços, e tentou deter Irina.
Mas Irina simplesmente agarrou seu braço, o torceu e bateu o joelho no cotovelo dela. Os estalos de ossos se quebrando puderam ser ouvidos.
Sangue morno escorreu pelo braço de Kath e respingou no chão.
Kath gemeu de dor, sem força sequer para gritar.
Irina continuou batendo, socando com uma fúria assassina.
Isa e Silas estavam assustado com a raiva da garota. Eles mesmo já tinham presenciado a crueldade humana antes, mas era impossível se acostumarem com ela.
— Desgraçada! Tem ideia do que fez? Tem ideia? Maldita! Desgraçada! — Lágrimas escorriam no rosto de Irina, e quanto mais ela batia, mais chorava.
Não importava quantos golpes desferisse, a dor em seu coração não diminuía. Pelo contrário, tornava se maior e mais evidente.
— Irina… — Renato pôs a mão em seu ombro. — Já chega.
— Não! Ela… ela… ela precisa…!
— Você não precisa se entregar à escuridão por causa dela, irmãzinha. Eu já fiz isso por nós dois. Essa vadia tá no Inferno. Eu matei ela! A parti em pedaços. Por favor, descanse seus punhos.
Irina parou.
Estava respirando pesadamente.
Se levantou e olhou para seus punhos. Estavam machucados e sujos de sangue. Provavelmente, a maioria do sangue era de Kath, mas uma parte com certeza era dela mesma.
Se afastou de Kath e abraçou Renato.
Clara abriu um sorriso.
— Não é ótimo quando tudo termina num final feliz?
Satanakia, sentado em seu canto, riu do comentário de Clara, e ergueu sua taça de absinto, num brinde.
— Ainda bem que eu vim! — disse ele, rindo. — Mas eu deveria ter trazido um tira gosto…
— O que aconteceu? — A voz de Kath saiu embargada. Sua boca machucada mal podia articular as palavras. Sangue e saliva escorria através dos lábios dilacerados. — Que lugar é esse?
Clara gargalhou.
— Ainda não percebeu? É sério? Nem mesmo depois dos Ceifeiros te arrastarem através das dimensões obscuras? Está no Inferno, fofinha. Uma eternidade de sofrimento sem fim te espera.
Os olhos de Kath encontraram os de Renato.
Ela forçou um sorriso amargo.
— Eu realmente te machuquei. Foi divertido, não foi?
— Não. Vai ficar divertido a partir de agora.
— Certo! Chega de enrolação! — falou Baalat, caminhando através da câmara, segurando sua taça de absinto fluorescente. — Temos um feitiço para fazer! Angelica, conforme combinamos!
Baalat pegou das mãos de um dos soldados uma corda enrolada e a jogou para sua irmã mais nova.
— Certo — respondeu Angélica.
Os Fios de Escuridão surgiram e agarram Kath. A garota foi erguida até próximo do teto e girada até ficar de cabeça para baixo. Um dos Fios pegou a corda e amarrou Kath pelos tornozelos. E então a ponta da corda foi fincada no teto.
Kath ficou pendurada no teto, de ponta cabeça, balançando feito um pêndulo.
— Seus desgraçados mald… — Ela tentou protestar.
— Faça silêncio — ordenou Baalat, e os lábios de Kath selaram-se. A carne se fundiu. E foi como se ela não tivesse mais boca.
Ela se debatia, mas era impossível se libertar.
O reitor Phenex se aproximou trazendo bolas de barro nas mãos.
— Por gentileza, arranque os olhos dela.
— Com prazer! — respondeu Baalat.
— Isso é horrível! Eu não quero ver isso! — gritou Isa. — Me leve de volta para casa!
— Agora não dá, querida — respondeu Baalat. — Se não quiser assistir, se afaste. — Ela apontou para o túnel que levava à saída da caverna. — Depois disso eu te levo para casa.
Isa indignou-se. Quis retrucar, mas sabia que seria em vão.
— Vamos, amor. Vamos sair daqui! — disse Silas, levando ela para o túnel.
Baalat sorriu satisfeita.
E com as mãos nuas, levou os dedos até os olhos de Kath.
A garota se debatia e tentava se afastar.
Instintivamente, fechou os olhos.
Baalat os abriu, forçando as pálpebras. Em seguida, seus dedos afundaram na órbita. Ela segurou o globo ocular, sentindo a maciez e viscosidade, e o puxou para fora.
Os gritos de Kath saíram abafado, escapando pelo nariz, porque ela não tinha mais boca.
Em seguida, com tranquilidade o suficiente para cantarolar uma musica, Baalat fez o mesmo com o outro olho.
— Prontinho! — disse, quando terminou. — Ela tem olhos bonitos. Acho que dá pra preservar em cristal e fazer um lindo pingente!
— Eu não tenho tamanha sensibilidade estética — respondeu o reitor. — São só olhos humanos. Nada mais.
Ele se aproximou, trazendo duas bolas de barro nas mãos.
E enfiou o barro nas órbitas vazias de Kath.
O sangue umidificou o barro e escorreu em direção à testa.
Phenex desenhou um círculo no ar e sussurrou palavras em enoquiano antigo.
— Agora esperamos — disse o reitor.
— Deu certo? — perguntou Baalat.
— Acho que sim.
Segundos depois, a caverna inteira tremeu. As estalactites restantes despencaram do teto.
A poeira de enxofre se ergueu, tornando o ar amarelado e ainda mais fedido.
O chão balançava como num terremoto.
Até a criatura nas profundezas das cavernas rugiu, enraivecida.
E o que sentiram foi a mais terrível intenção assassina de todas.
Uma atmosfera tão densa que tornava o ar quase sólido. Pesava em suas cabeças. Aquilo era a mais pura violência.
E então o chão se abriu.
E uma gargalhada sinistra se espalhou pela câmara.
E da fenda no chão, O Cavaleiro da Guerra surgiu, montado em seu cavalo vermelho. Sangue escorria das patas do animal, mesmo sem nenhum machucado aparente.
Guerra olhou para cada um daqueles que estavam presentes. Abriu um sorriso.
— Vejo que anseiam pela morte antes da hora. Posso lhes conceder o pedido.
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