Índice de Capítulo

    Assim que Guerra chegou, o próprio ar tremeu, como se sentisse a pressão devastadora do poder daquela criatura.

    Rachaduras se formaram no chão, nas paredes e no teto. A própria estrutura do local estava sucumbindo.

    Um peso se abateu sobre todos. A intenção assassina era quase tangível.

    O cavaleiro abriu um sorriso sádico. O cavalo vermelho ergueu as duas patas dianteiras, empinando e relinchando.

    — Pobres demônios arrogantes! Não têm ideia do que fizeram! Vou sorrir quando se engasgarem em sangue!

    Baalat deu um passo à frente. Abriu um sorriso soberbo.

    — Pode relinchar o quanto quiser, mas nós te pegamos, filho da puta.

    Angélica lançou um olhar surpreso para sua irmã, afinal, a Primeira Princesa não tinha o hábito de falar palavrões.

    — Ah, pegaram? — respondeu Guerra, com um sorriso sarcástico. — Estranho. Não me sinto muito pego no momento. — Ele olhou para Renato. — Bom te ver, garoto.

    Satanakia e Phenex estavam em alerta, prestando atenção em cada movimento do cavaleiro.

    Clara e Lírica também observavam, um pouco mais à distância.

    Todos ali sabiam do poder imenso daquela criatura. Sentiam sua hostilidade animalesca. Ele era a própria personificação da violência.

    — Acham mesmo que me pegaram? — Ele riu. — Seria o mesmo que um bando de zebras prenderem um leão na própria jaula.

    Baalat bebeu um gole de seu absinto.

    — Acha mesmo que está em condições de ser tão arrogante? Está no meu território, cavaleiro. As filhas de Lúcifer te trazem punição! Aceite de bom grado!

    — Sabe… acho que é por isso que Deus me criou. Vocês, demônios, são tão arrogantes que até me enojam. Tá na hora de entenderem que não fazem mais parte do topo da cadeia alimentar.

    Angélica estava desconfortável com a situação, mesmo ela sendo uma das criaturas mais poderosas no local.

    Renato permaneceu calado, observando. Essa troca de insultos com ar cortez não era muito de seu agrado. Ele sabia que a qualquer momento, as coisas explodiriam em violência.

    — Eu não vou nem sacar minha espada — disse Guerra. — Vocês não merecem tanto. Eu apenas faço uma simples pergunta: já que estão tão ávidos por um combate, por que não lutam entre si? Que tal? Olhe para a pessoa ao seu lado. Ela não parece um adversário formidável?

    Baalat riu com desprezo.

    — O que está dizendo?

    Mas ela foi calada quando recebeu o primeiro golpe.

    Os Fios de Escuridão de Angélica a acertaram, primeiro no abdômen, depois no tórax, e continuaram vindo. Era como o ataque de várias serpentes ao mesmo tempo.

    Devido a surpresa, Baalat tomou os primeiros golpes, mas logo desviou dos outros.

    Se moveu rápido como o vento e se colocou atrás de sua irmã, e a segurou com um mata leão.

    — Angélica! O que está fazendo?

    Os tentáculos de sombra deslizaram para tentar agarrá-la.

    Baalat novamente se moveu, evitando-os, e se afastando de sua irmã. Era tão ágil que nem derrubava o absinto de sua taça.

    Precisava de alguma distância para tentar entender o que estava acontecendo.

    Irina tinha perdido completamente o controle. Ela se jogou sobre o corpo balançante de Kath e se agarrou a ele. E começou a golpeá-los com socos seguidos e ferozes. Nem seus punhos machucados foram obstáculo.

    — Desgraçada! Vou te destruir! Vou destruir completamente!

    Renato correu até ela. Tentou segurá-la.

    — Irina! O que está fazendo? Não deixa isso mexer com a sua cabeça!

    Mas Irina olhou com profundo ódio.

    E, com a mão aberta, tentou atingi-lo com um tapa.

    Renato segurou seu pulso.

    — O que está fazendo?

    — Você! — gritou ela. A voz carregada de amargura e sofrimento. — Você deixou aquelas crianças morrerem! Você! Você deveria tê-las protegido! Seu irmão inútil!

    Irina puxou seu braço de volta e tentou golpear Renato novamente, dessa vez com socos.

    Ela partiu para cima dele com uma violência  aterradora. Gritava de ódio. Seus punhos sangravam, e a voz dela era muito aguda.

    Renato apenas bloqueava ou desviava  dos ataques. Ele sabia que não era culpa dela, afinal, já tinha visto algo semelhante. Guerra mexia com a cabeça das pessoas de forma parecida com Abigor, porém muitas vezes mais potente. Até mesmo os demônios tinham sido afetados.

    O reitor Phenex lutava contra Satanakia. De asas abertas, voavam próximos ao teto e trocavam ataques mágicos.

    Phenex lançava suas chamas, que varria o ambiente em volta. Pilares de fogo lambiam tudo.

    Satanakia lançava seus feixes de luz destrutivos, que arrebentavam as pedras onde colidiam.

    E os dois demônios entraram num transe de violência, golpeando-se, um tentando matar o outro.

    Os soldados demoníacos lutavam entre si, e o orc Hazur estava no meio deles, movimentando sua clava de ferro cheia de espinhos. Distribuía golpes a esmo. Nem se importava com o que atingiria.

    E então Renato viu Clara e Lírica, engajadas num combate feroz.

    As duas trocavam golpes. A Súcubo, com sua espada, deslizava a lâmina no ar como uma espadachim habilidosa e tentava perfurar o peito da demi-humana; ao passo que Lírica defendia-se dos ataques usando suas garras poderosas e afiadas, que podiam bloquear a lâmina. Ela contra atacava, tendo como principal objetivo o pescoço de Clara.

    Se movia com a agilidade de um felino predador, e mostrava as presas afiadas, de maneira ameaçadora.

    E, fora da câmara, nos corredores próximos, um uivo de lobisomem ecoou e logo se transformou num rugido faminto.

    E a gargalhada de Guerra reverberou triunfante; e seu cavalo ergueu as patas traseiras, relinchando, e o sangue de suas patas derramou, como se houvesse alguma ferida, mas não havia.

    “Ele ganhou sem nem lutar!” Pensou Renato, vendo a figura imponente de Guerra.

    — Eu vou te matar! Você deveria ter protegido elas! — gritou Irina, enquanto tentava atingir Renato. — Você vai morrer! E depois eu me mato!

    Sem ter mais nada o que pudesse fazer, ele a abraçou, segurando-a firmemente e impedindo seus movimentos.

    — Preciso impedi-lo! — disse Renato. — Minha irmã não pode sofrer mais! 

    Mas algo chamou a atenção do cavaleiro.

    Angélica tentava ferir sua irmã mais velha, mas Baalat conseguia evitar seus golpes sem muita dificuldade.

    Baalat, então, se colocou bem de frente para Angélica e olhou em seus olhos.

    E os olhos de Baalat mudaram, e se tornaram como os olhos de uma serpente venenosa.

    — Você quer parar!

    — Quero… parar…? — Angélica sussurrou, em dúvida.

    — Você não quer mais me ferir! Não quer seguir os desejos de Guerra!

    — Não quero! Eu realmente não q… o.. o que aconteceu? O que eu estava fazendo?

    — Irmãzinha, prepare-se para um milênio de castigo!

    — Hum? — Guerra não acreditou quando viu que sua influência foi interrompida. Não tinha como a filha de Lúcifer ser tão poderosa!

    Então Baalat olhou diretamente para o cavaleiro da Guerra.

    Era a vez dele de experimentar o Olhar da Serpente.

    Nem ele poderia resistir!

    Mas algo inesperado aconteceu.

    Os olhos de Baalat sagraram. Sua visão por um momento, foi cegada. E ela gemeu de dor.

    — Irmã! — Angélica a segurou, tentando entender o que estava acontecendo.

    Guerra riu.

    — Parece que o lobisomem também retomou o controle — disse ele, resignado, e suspirou, parecendo de saco cheio.

    Desmontou do cavalo e puxou sua espada.

    — Muito bem. Se querem mesmo um combate direto comigo, por que não lhes dar a honra, não é mesmo?


    Silas e Isa estavam sentados num canto escuro, nos fundos de um túnel da caverna.

    Tinham saído da câmara quando as coisas começaram a ficar violentas demais.

    A verdade é que tudo o que os dois queriam era um pouco de paz.

    E o sofrimento afetava Isa mais do que a qualquer um.

    Ela era o que chamavam de “Bruxa de Emoções”. Sua empatia era mágica. Literalmente.

    Isa sentia tudo o que os outros sentiam, e isso era uma tortura sem fim! Mas ela aprendeu a lidar.

    Por isso, Silas considerava uma obrigação mantê-la longe de tudo o que a fizesse sofrer, embora suas próprias emoções fossem tão confusas que até ele podia causar-lhe mal sem querer.

    Mas não ali. Não naquele momento.

    Ali, tudo o que ele daria a ela era carinho e o máximo de paz que poderia oferecer.

    Ele acariciava seus cabelos pretos; e ela tocava gentilmente em seus braços fortes.

    Tinha tantas cicatrizes, quase tantas quanto Renato.

    Mas algo mudou. Silas franziu o cenho, parecendo confuso.

    — O que houve, meu amor? — perguntou Isa.

    — Eu não sei. Tem algo estranho.

    — Estamos no Inferno — Ela riu. — Tem que ser estranho.

    — Não. Algo… comigo.

    — Hum?

    Foi quando ela percebeu. Os olhos dele estavam mudando.

    Um brilho animalesco fez suas retinas reluzirem.

    — Silas…

    — Isa… corre! — A respiração dele estava ficando fora de controle.

    — Não! Você já aprendeu a control…

    — Não! Tem alguma coisa interferindo! Corre! Droga! Por que você nunca me escuta?! Corre!

    — Silas! — O choro de Isa entalou na garganta.

    — Por favor! Foge, meu amor! Tá acontecendo!

    Os ossos dele começaram a estalar e rangir, se quebrando e mudando de posição.

    Seus dentes começaram a cair um por um, e presas caninas surgiram no lugar.

    Uma fúria assassina tomou seu coração, e uma fome imensurável agarrou seu estômago.

    E ele gritou, e seu grito se transformou em uivo, e depois em rugido ferino.

    Mas Isa sentia o tamanho de sua dor, e ela não poderia deixá-lo.

    Ela confiava nele mais do que tudo!

    — Você não vai… me machucar!

    — Por favor! Fog…

    — Não! — Ela pôs a mão no peito dele, que a este momento já estava coberto de pelos.

    — Eu sinto você! — disse ela. — Sinto o que está sentindo! Eu sei que não vão me machucar! Eu te amo, Silas. E se for pra morrer, que seja por suas mão.

    — Eu… também… te amo!

    E a respiração dele finalmente se acalmou.

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