Capítulo 165: Entre o amor puro e o pior dos ódios
Irina desceu as escadas rapidamente. Sua mochila estava presa nas costas.
Chegou ao estacionamento do térreo e deu uma boa olhada nos carros e motos. Precisava de um veículo discreto, porém razoavelmente veloz. Escolheu um Corolla prateado.
Dentro do carro, deu uma boa olhada em seu relógio de pulso. Este era um apetrecho essencial que fora dado por seu pai adotivo.
No pequeno visor, ela pôde ver uma visão de satélite onde um pontinho brilhante que se movia pelas ruas mostrava a localização de Renato. Mais cedo, quando ele anunciou que sairia, Irina tocou em seu ombro e, disfarçadamente, pôs um dispositivo localizador.
Pegou sua pistola da mochila e pôs na cintura, presa ao coldre.
Também pegou um dispositivo pequeno, circular como um botão, e pôs dentro do ouvido.
Ganhou a estrada.
Seguiu o sinal de Renato a uma certa distância, apenas o suficiente para ele não notar sua presença, mas perto o bastante para, se necessário, alcançá-lo rapidamente.
As ruas noturnas estavam praticamente vazias.
Dirigiu por 20 ou 30 minutos. Era notório o quanto essa cidade estava diferente desde a última vez em que esteve nela. Muitas pichações, vidros quebrados. Numa calçada, um carro estava abandonado, com sinais de ter sofrido um incêndio.
Ela seguiu Renato até uma localização de periferia, cheia de chácaras e muita vegetação, com poucas habitações humanas. Ela via mato dos dois lados da pista quase o caminho inteiro. O GPS em seu relógio de pulso lhe dizia o nome da região: Cinturão Verde.
Finalmente chegou diante de um muro muito alto. No topo, havia uma cerca elétrica com arame farpado.
O sinal terminava ali.
Renato estava para além daqueles muros e daquele portão metálico maciço que não permitia ver nada.
Mas algo assim não pararia Irina.
Não era a primeira vez em que ela se via separada de seu alvo por muros e fortificações.
Pegou em sua mochila um dos equipamentos que compunham seu kit básico de infiltração e espionagem: duas manetes que se conectavam, pelas extremidades, a um tipo de disco. Os discos tinham uma tecnologia que permitia um vácuo quase perfeito quando em contato com superfícies lisas e planas.
Ela segurou as manetes firmemente e apertou os discos contra o muro. Pressionou o botãozinho de acionamento, e o ar foi expelido pelos inúmeros furinhos, e a sucção do vácuo grudou os discos no muro de modo que não importava o quanto puxasse, aquilo não soltaria.
E começou a subir. Permitia a entrada do ar para desprender o disco e dar o próximo passo, e então o prendia de novo.
Dessa forma, poderia escalar com facilidade. Mesmo assim, era necessário algum condicionamento físico e força nos braços, ou o equipamento seria inútil.
Graças a seus pais, Irina tinha treinamento e preparação de sobra.
Quando chegou ao topo, pôde ver Renato. Ele parecia falar alguma coisa consigo mesmo.
Irina acionou um botãozinho giratório em seu relógio, e começou a regular as frequências que o aparelho de audição à distância em seu ouvido deveria captar.
Primeiro ouviu apenas ruído, agudo semelhante à microfonia, mas depois a voz de seu irmão chegou em seu ouvido com clareza.
Assim que Renato chegou a localização indicada por Tâmara, o portão se abriu automaticamente, sem que ele precisasse sequer anunciar sua chegada.
Entrou com a moto CB 300 que tinha pegado no estacionamento do prédio de Clara, e lá dentro, desmontou.
Pisou sobre o gramado verdinho. Se impressionou com o tamanho da casa. Também havia um helicóptero num heliponto que ficava no quintal, e um carro blindado.
Notou os sensores no chão e entre as árvores. Provavelmente, se entrasse sem ser convidado, eles disparariam os alarmes.
— Tâmara… onde será que ela está?
Mas não houve resposta.
— Tâmara! Cadê você? Eu cheguei!
De repente, um estampido rasgou o silêncio com violência. Era um disparo de arma de fogo.
Renato demorou alguns segundos para sentir alguma coisa, mas finalmente a dor o mordeu nas costas. E sua visão esmoreceu.
Tâmara pousou diante dele, com as botas à jato. Tinha um revólver dourado na mão cuja ponta do cano ainda aspirava fumaça, como as narinas fumegantes de um dragão.
— T-Tâmara… o que você… hurg! — A Tontura fez o corpo de Renato balançar e ele quase caiu, mas conseguiu firmar as pernas.
— Tão forte! Não me admira alguém como você ter roubado meu coração! — Então ela direcionou o revólver para ele e disparou mais uma vez.
A bala atingiu logo acima do peito esquerdo, próximo ao ombro.
Com o impacto, Renato caiu no chão.
Foi quando Tâmara ouviu um grito de ódio e desespero. Olhou na direção, e viu uma menina de mechas azuis nos cabelos espiando por cima do muro.
Tâmara não conhecia aquela garota. Era uma completa intrusa! E ainda tinha se atrevido a espiar seu momento íntimo com Renato.
Não haveria perdão! Apenas a morte!
Acionou as botas à jato e voou em direção à garota.
Irina, nesse ponto, estava completamente enlouquecida. Tinha sacado sua pistola e disparava, tomada por fúria. Nada mais importava! Ela precisava matar aquela garota de olhos da cor âmbar!
Mas Tâmara direcionou seu braço diante de si, e um tipo de escudo protetor, feito de energia, surgiu e a protegeu. As balas de Irina não puderam tocá-la, apenas ricocheteavam no escudo de energia, produzindo faíscas.
Então, Tâmara finalmente alcançou Irina e a segurou, e direcionou seu revólver para a cabeça da menina. Porém, Irina apertou o gatilho primeiro, mas não havia mais balas em sua pistola, e crepitou o som metálico da agulha batendo em nada.
— Eu não sei quem é você e nem quem te enviou — disse Tâmara —, mas vai pagar por atrapalhar. Farei poesia com seu sangue!
Seu dedo tocou o gatilho do revólver.
Irina fechou os olhos. Então era assim que encontraria a morte depois de tudo? Depois de ter sobrevivido a tanta coisa?! Morreria de forma patética sem proteger o irmão que tanto amava?
Mas Tâmara não apertou o gatilho. Um incômodo eferveceu em seu coração. Uma pontada de dúvida que arranhou seu cérebro.
Tâmara já não tinha visto aquelas mechas azuis? E quanto àqueles olhos tão familiares?
Há um bom tempo, Tâmara tem pesquisado tudo o que envolvia a vida de Renato. Ela precisava saber qualquer mínimo detalhe sobre ele. Fez uma extensa pesquisa, hackeou sistemas, roubou documentos… fez tudo o que pôde.
E aquele rosto de Irina não lhe era tão estranho.
Era de uma foto que tinha roubado no orfanato antes dele ser destruído.
Era a irmã adotiva de Renato.
Então, algo raro aconteceu: Tâmara sentiu medo.
Ela exitou.
O dedo ainda tocava no gatilho, tremendo perigosamente.
Irina a encarava com aqueles olhos grandes.
“Por que não explode a cabeça dela de uma vez? Não vai me dizer que ficou emotiva de repente…” disse a voz de Abigor em sua cabeça.
— Já mandei calar a boca! — gritou Tâmara.
Irina franziu o cenho, e teve certeza que diante dela estava uma pessoa completamente louca. E tentou um golpe para se soltar, mas Tâmara a jogou longe.
Irina rolou contra o gramado.
“Poupar a vida de alguém desse jeito não faz muito teu estilo, filha da guerra.” A voz de Abigor era provocativa, num misto de sarcasmo e sadismo.
Mas Tâmara não podia. Simplesmente não era possível!
“Se eu matá-la, o Renato vai… ele vai…”
“Te odiar? Coitadinha… Ele já odeia! Só não percebeu ainda.”
“Não! Não odeia! Não ainda!”
“Se não matá-la, ela vai trazer as outras.”
“Eu sei, droga!”
“Não pode deixá-la escapar.”
“Tem razão. Não posso mesmo.”
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