Capítulo 167: A fuga de Irina
Irina foi até as grades. Queria tentar ver alguma coisa através delas. Tudo o que pôde enxergar foi um corredor escuro e vazio.
Checou as barras de ferro. Sólidas e bem fixadas ao chão e ao teto. Os espaços entre uma e outra eram pequenos, de modo que até um bebê teria dificuldades para passar.
E tinha aquele cadeado calibroso que selava a entrada da cela. Se ao menos Irina estivesse com alguma ferramenta… até um clipe de papel ajudaria! Mas não tinha nada.
As paredes estavam encardidas e tinham marcas de garras. Ela inspecionou uma dessas marcas. Parecia ter sido feita por algum animal de grande porte. Um predador, com certeza.
Nenhuma lâmpada. A pouca iluminação vinha do corredor.
O sequestrador teve o cuidado de não deixar nada que pudesse ser usado por ela.
— Droga! Droga! Mas que merda! — Ela socou a parede, com a frustração entalada na garganta.
Não havia nenhuma falha visível que pudesse ser explorada.
Sem suas armas, seu relógio e o restante do equipamento, estava indefesa.
Respirou fundo. Precisava manter a calma. Não era a primeira vez que ficava nesse tipo de situação. Nenhuma prisão é perfeita! Sempre há uma rota de fuga. Ela só precisava encontrar.
Sua barriga reclamou. Fazia quanto tempo que ela não comia? Pensando bem, tinha acabado de comer quando seguiu Renato, mas já estava com fome, o que indicava que ela estava presa há pelo menos algumas boas horas. Talvez já fosse até outro dia.
— Droga! — Essa falta de informação era uma das piores coisas de toda essa situação.
“Se eles me prenderam, é porque não querem me matar. Pelo menos por enquanto. Então…”
Então em algum momento vão precisar trazer comida. Sempre haveria uma falha humana para ser explorada.
Se perguntou se eles entregariam a comida através das grades ou havia alguma outra forma. Talvez houvesse alguma abertura no teto.
Ela olhou para cima.
Se conseguisse subir…
— Renato…
Ela viu aquela garota atirar nele. A preocupação apertou seu peito. Se seu irmão morresse, ela não deixaria barato! Procuraria os responsáveis e os mataria com requintes de crueldade!
Limpou a lágrima que tentou brotar num dos olhos. Não era hora de chorar, mas de procurar uma solução!
Foi quando ouviu um som de bip.
Por um instante, pensou que alguém estaria se aproximando. Mas não era o caso.
Finalmente percebeu.
Seu Dispositivo de Audição à Distância ainda estava dentro de seu ouvido. Era um pequeno aparelho circular, que também servia para comunicação quando estivesse atuando em equipe.
Ela enfiou o dedo mindinho dentro do ouvido e cutucou com a unha até conseguir puxá-lo. Tinha menos da metade do tamanho de uma moeda.
Pequeno; porém com inúmeras utilidades. Uma delas eram suas peças internas.
Com um pouco de força, Irina conseguiu abrir o pequeno aparelho, revelando dois arames revestidos em plástico que conectavam uma bateria a um chip minúsculo, um pequeno auto-falante e aos microfones. Também havia um fiozinho, mais fino, que conectava apenas o auto-falante aos microfones.
Irina desconectou os dois arames. A função padrão deles era a de conduzir energia através do dispositivo, mas se fosse apenas isso, um fio comum poderia ser usado. A razão para serem arames com uma maior resistência à dobradura, era que a organização de seus pais pensava em tudo! Todos os equipamentos deveriam ter várias formas de serem aproveitados e utilizados.
Ela foi até o cadeado e enfiou os dois arames na abertura da chave. Um deles, ela usou para pressionar na direção em que a chave rodaria; com o outro, iniciou o trabalho de exploração, procurando pelos pinos internos e movendo-os cuidadosamente. Não era um trabalho fácil, mas Irina sabia exatamente como fazê-lo, e seus dedos eram ágeis.
Mais ou menos um minuto depois, com um clique, o cadeado se abriu.
Botou as pecinhas do seu Aparelho de Audição à Distância no bolso. O remontaria depois. Não tinha tempo a perder!
Abriu a porta da cela devagar, para evitar fazer muito barulho.
Assim que pôs os pés no corredor, Irina viu a câmera de segurança que girava para a esquerda e direita, feito um ventilador.
A câmera estava na parede, bem próxima do teto, então para evitá-la, Irina teve que esperar que o outro lado estivesse sendo filmado, então correu o mais rápido que pôde até ficar debaixo da câmera.
Nessa hora, para não ser pega pela filmagem, ela colou as costas na parede; e assim que a câmera girou para filmar o lado de onde ela tinha vindo, Irina aproveitou para voltar a correr.
O corredor fazia uma curva, e assim que passou por ela, Irina deu de cara com uma porta de aço, cuja fechadura era um painel de impressão digital.
Obviamente, os dedos dela não abririam a porta. Um beco sem saída, no fim das contas!
Se ainda tivesse seu relógio, isso seria fácil de resolver, mas sem ele, as coisas se complicavam.
Também não era o fim do mundo! Isso só significava que ela precisaria de mais tempo, o que aumentaria o risco de ser pega.
Mas não tinha outro jeito.
Ela pegou um dos arames do bolso e, em seguida, começou a vasculhar o painel.
Na lateral tinha um parafuso bem pequeno, do tipo que seria necessária uma chave de fenda própria. Ou talvez…
Ela pôs a ponta do arame na boca e a apertou entre os dentes. Usou bastante força! Ela tinha aprendido, durante o treinamento, que o músculo mais poderoso do organismo era justamente aquele que impulsionava a mordida.
Seu dente até doeu de tanto apertar. Mas finalmente conseguiu achatar a ponta do arame.
Em seguida, ela dobrou o arame para ter algum apoio em seu movimento. Finalmente encaixou a ponta do arame sobre o parafuso e girou.
Não foi nada fácil. Precisou apertar com muita força o arame contra o parafuso, e foi pior ainda na hora de girar.
A ponta de seus dedos ficaram brancas, por causa do sangue que não estava conseguindo fluir.
A pele estava sendo cortada.
Mas desistir depois de tudo estava fora de questão.
Depois que o parafuso se soltou um pouco, ficou mais fácil, e ele saiu com facilidade.
Teve que fazer a mesma coisa do outro lado. A pele do dedo realmente cortou e o arame ficou sujo de sangue.
No final, ela conseguiu remover a tampa do painel.
Essa última parte necessitava de menos força e um pouco mais de precisão e conhecimento técnico.
Ela tirou do bolso o Aparelho de Audição, e removeu a bateria.
Ela tinha um fiozinho conectado, que servia para alimentar todo o aparelhinho, mas que dessa vez teria outra utilidade.
Irina levou a extremidade do fiozinho até a boca e a umidificou na saliva. Sentiu um leve choque formigar a língua. Depois encostou a extremidade úmida do fio numa parte específica do chip que controlava o painel.
Manteve pressionando por alguns segundos, até que o painel emitiu um som de curto circuito, e ela pôde ouvir a porta destrancando.
Assim que passou pela porta, ficou frente a frente com uma escada, e ao subi-la, chegou no que parecia a parte interna de uma casa.
Um carpete felpudo cobria o chão, e havia um quadro na parede onde se podia ver um anjo empunhando uma lança e lutando contra um lobisomem.
Num dos cantos, havia um frigobar, e, ao vê-lo, Irina correu até ele. O abriu e seus olhos brilharam de alegria ao ver que nele tinha um bolo de chocolate quase inteiro. Ela enfiou a mão no bolo e puxou um pedaço, e enfiou tudo na boca. As bochechas ficaram estufadas. Ela mastigou avidamente e engoliu o mais rápido que pôde.
Depois pegou uma garrafa de água e simplesmente deixou o líquido fresco descer pela garganta.
Não tinha tempo a perder, mas parecia injusto que deixasse aquele bolo lá, então ela comeu mais um pedaço. Na mente dela, era uma forma de compensação pelo transtorno que teve.
Encontrou um garfo sujo de bolo que estava numa mesinha próxima, então ela o pegou e pôs no bolso.
Era importante ter consigo qualquer coisa que pudesse ser usada como arma.
Em seguida, voltou a procurar a rota de fuga.
O cômodo tinha algumas janelas, então Irina correu até uma delas. Viu o céu noturno. A brisa movimentava as cortinas suavemente.
Estava no alto de um sobrado, no segundo andar. Logo abaixo, havia um pequeno telhado de algo que, provavelmente, seria uma área.
Analisou o terreno embaixo com atenção e cuidado aos mínimos detalhes.
Havia alguns carros, árvores e até um helicóptero.
O maior problema era o sistema de segurança: dispositivos cravados na terra semelhantes a piquetes. A parte exposta tinha cerca de vinte centímetros e emitia dois feixes de raios lasers cada um. Ela conseguiu contar cinco piquetes, mas poderia haver mais. E o pior: a parte superior dos piquetes rotacionava da mesma forma que a câmara de antes, o que fazia a área coberta pelos lasers mudarem o tempo todo.
Também havia as câmeras, é claro, mas ela sabia que dificilmente alguém prestaria atenção aos monitores, a menos que o alarme soasse. Ela precisava evitar os lasers acima de tudo!
Mas como poderia?
Se lembrou de uma vez em que invadiu o cofre de um bilionário iraniano que tinha um sistema de segurança semelhante. Na época, ela foi preparada e levou consigo pó de gesso, que era extremamente fino e leve.
Dessa vez era diferente, mas não significava que não tinha nada que pudesse usar.
Com cuidado para fazer o mínimo de barulho possível, ela desceu pela janela e saltou até cair sobre o telhado da área.
Conferiu se não havia cachorro por perto ou nenhum laser logo abaixo, então se preparou e pulou para o solo.
Assim que caiu no chão, seus joelhos doeram e estalaram, e ela os arranhou nas pedras.
A partir daí, qualquer passo que desse poderia soar os alarmes, então ela precisava saber onde poderia pisar.
Afastou algumas pedras maiores no chão e pegou, na mão, um punhado de areia e terra seca.
Não era perfeito; era mais pesada que o pó de gesso, e por isso o efeito passaria rápido, mas ela repetiria quantas vezes fosse necessário.
Ela jogou a terra e areia para frente, garantindo que se espalhasse bem pelo ar.
A poeira fez os feixes de laser ficarem visíveis por um momento.
E, dessa forma, ela pôde evitá-los.
Tinha cogitado algumas formas de escapar dos muros. Desde subir numa das árvores e tentar pular para o lado de fora até tentar arrebentar o cadeado do portão, mas é claro que ela tentaria primeiro o helicóptero.
Ela conhecia o modelo e sabia como pilotá-lo. Também sabia que, raramente, os donos de helicópteros que ficavam em helipontos pessoais os deixavam trancados.
E seu palpite estava correto.
Abriu a porta e subiu na aeronave. Depois ligou a bateria.
Colocou os headsets e checou o combustível.
Tinha um paraquedas na parte de trás, logo acima do assento. O antigo dono do helicóptero deveria ser alguém muito precavido, pensou ela.
Precisava esperar o motor aquecer antes de iniciar o voo, por isso ela sempre olhava em volta atentamente, para não ser pega de surpresa caso alguém aparecesse.
Sentiu o garfo em seu bolso. Era a única arma que tinha. Se necessário, lutaria pela vida com bravura! Não seria pega novamente.
Finalmente pôde iniciar o voo, então ela puxou o Coletivo, que ficava ao lado do assento do piloto e se parecia com um freio de mão de carro.
Pouco tempo depois, o helicóptero se ergueu do chão e ganhou a noite, enquanto as pás giravam feito furacão.
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