Índice de Capítulo

    Quando as lâmpadas de seu prédio piscaram, e a energia oscilou, Clara desconfiou de que algo errado estava acontecendo. Quando a tv da sala ligou sozinha, ela teve certeza.

    Tinha uma assinatura energética no ar; sutil, porém perceptível.

    Ela foi até a janela e observou. Por um momento, não viu nada de muito esquisito, além daquele eclipse lunar dando um ar sombrio para a cidade noturna. Porém, quando mirou seus olhos com mais atenção, percebeu, entre as nuvens, uma movimentação estranha. Arregalou os olhos, francamente assustada, quando percebeu o que era.

    Mical e Jéssica entraram na sala.

    — O que tá acontecendo? — Jéssica foi a primeira a falar. —  Tudo o que é elétrico ou eletrônico enlouqueceu!

    — Até a bússola do celular ficou maluca — disse Mical, segurando um celular nas mãos, onde mostrava o ponteiro girando descontroladamente.

    Clara deu de ombros.

    — Uma bússola real também sofreria do mesmo efeito.

    — Sabe o que é? — Jéssica ergueu uma sobrancelha.

    — Sei sim.

    Porém, antes que a súcubo tivesse a chance de explicar, Irina atravessou a porta e entrou na sala. Estava molhada, toda suja e com arranhões pelo corpo. Seu rosto, particularmente, parecia bem machucado.

    E usando a mão esquerda, segurava o braço direito. No rosto, tinha uma careta de dor.

    Clara, ao vê-la, franziu o cenho.

    — Pelos deuses sombrios! Você está horrível!

    — O seu braço… — Mical se aproximou dela, preocupada.

    — Eu quebrei quando caí do helicóptero

    — Peraí… você o quê?! — Jéssica demonstrou surpresa.

    — Isso não importa! — retrucou Irina. — O Renato! Alguém atirou nele! Acho que tentaram matar o meu irmão!

    Clara relaxou os ombros.

    — Ótimo! Primeiro aquela coisa no céu, agora isso! Porque, aparentemente, desgraça pouca é bobagem!

    — O que está dizendo? — perguntou Jéssica. — O que houve com o Renato?

    — Alguém atirou nele, droga! Vocês não estão ouvindo?!

    — Quem? Você viu quem foi?

    — Foi uma garota! Ela usava… uma roupa esquisita… metálica… e voava com botas à jato. Eu sei que parece loucura, mas…

    — E os olhos dela eram… ? — murmurou Clara.

    — Eu sei lá, droga! Eu não prestei atenção na merda dos olhos dela! Eu sei que ela atirou no meu irmão! Mas eu sei que ele tá vivo. Se vocês se importam, precisam me ajudar a encontrar ele e ferrar com essa vadia desgraçada!

    — Uma vadia desgraçada usando uma roupa metálica e botas à jato… — ponderou Clara. — Pra mim, a descrição bate perfeitamente com a Tâmara, especialmente a parte do “vadia desgraçada”.

    Irina lançou para a súcubo um olhar incrédulo e indignado.

    — Tá fazendo piada? Acha que isso tem graça?! Alguém atirou no meu irmão! — Ela estava lutando para segurar as lágrimas. — Ele pode estar morto e você aí fazendo piada?! Eu caí da droga de um helicóptero! Eu acho que tô ficando maluca, mas tenho certeza que estava nevando até agora há pouco!

    Clara assentiu.

    — Tem razão. Não tem graça. Mas também não precisa ficar histérica. É só a Tâmara. Ela não mataria o Renato. Com certeza mataria a gente, mas não ele.

    — Eu vi ela atirando nele! — gritou Irina, já sem paciência. — Vocês não estão me escutando?!

    — Não seria a primeira vez. O Renato já foi baleado antes. Acontece com certa frequência, na verdade. Eu chamaria isso de “um fim de semana típico na vida de Renato Yakekan”.

    — Quê? Que tipo de faroeste maluco vocês estão vivendo aqui?!

    Nessa hora, Lírica surgiu na janela, saltando para dentro da sala. Parecia assustada, como se tivesse visto um fantasma.

    — Temos um problema — disse ela.

    Clara levou a mão à testa e suspirou.

    — Aff! Vamos ver o que é agora! — Se aproximou da demi-humana.

    Mical se aproximou de Irina.

    — Deixa eu te ajudar! Isso deve estar doendo. — Ela tocou no braço quebrado da garota.

    Uma luz verde cobriu o braço dela, e então…

    — Parou! — Irina franziu o cenho, confusa. — Não dói mais?! Caramba, eu estava no Inferno até outro dia, por que ainda me surpreendo? — Ela moveu o braço, testando seus movimentos.

    Mical lançou para ela um sorriso terno.

    — Que bom que melhorou.

    — Sim, a coisa no céu — Clara respondeu para Lírica. — Eu também vi.

    — Do que estão falando? — perguntou Jéssica.

    Clara suspirou e riu.

    — Dos anjos, fofinha. Parece uma infestação! Tem tantos no céu, sobrevoando essa cidade, no momento, que parece até um monte de moscas rodeando carcaça podre. Tem tantos deles, que se fossem mais visíveis, cobririam a lua e as estrelas. A energia acumulada de todos eles juntos está afetando até os objetos eletroeletrônicos por todo o canto.

    — Mas por quê? — disse Lírica. — O que eles querem?

    — Eu não sei. Provavelmente estão esperando o ressoar da última trombeta! Sei lá! Que se danem eles! Vamos resgatar nosso Renato daquela maníaca possessiva!


    Quando as luzes piscaram e o ar condicionado queimou, Renato e Tâmara nem se importaram. O calor excessivo até combinou bem com o momento.

    Deitado, ele tinha a perfeita visão do corpo de Tâmara. Seus seios balançando, a cintura se movendo, primeiro lentamente, depois foi aumentando o ritmo.

    Ela estava sobre ele, cavalgando-o feito um jóquei. Era linda e estava completamente entregue. Com os olhos fechados, Tâmara sorria, gargalhava e gemia.

    Seu corpo se movimentava de forma alucinada.

    — Isso poderia durar pra sempre! — sussurrou ela no ouvido dele.

    Absortos no momento, eles nem perceberam quando as paredes começaram a rachar, e nem ouviram os estalos dos tijolos trincando lentamente.

    Até que o teto se rompeu; o concreto e o aço se rasgaram, e a terra desceu, se derramando sobre aquele quarto secreto subterrâneo.

    E em meio aos escombros, reluzia a figura dourada de um anjo. Seus olhos não tinham cor, e ondulavam. Eram como duas bolas vítreas de água.

    — O odor de vossas imundícies subiu até meu nariz!

    — Você! — gritou Tâmara. — Como ousa interromper, seu bastardo?!

    Mas o anjo demonstrou pouco interesse nas reclamações dela. Seus olhos transparentes se voltaram para Renato.

    — Vós! Aquele que foi condenado ao esquecimento? O que fazes fora do fogo?

    Era ele! Raziel. O mesmo anjo que atirou Renato ao Gehenna e o fez sofrer por milênios antes de conseguir escapar.

    — O sofrimento eterno não combina muito comigo — respondeu Renato, dando de ombros. — Se lá tivesse vinho e cerveja, pelo menos, talvez até desse pra ficar, mas…

    — Tu irás morrer!

    O anjo voou sobre Renato, agarrou-o pelo pescoço e, batendo as asas, ergueu-se até as alturas. Atravessaram o concreto partido e os quase dois metros de terra  de solo acima do quarto secreto, e continuaram subindo até chegar bem perto das nuvens.

    O vento forte balançava seus cabelos. A sombra avermelhada da lua estava ao fundo.

    E havia, ocultada entre a nuvens sombrias, aquela estrutura gigantesca, de formato redondo, com várias rodas girando em volta, e nas rodas havia olhos e fogo. Era o Ophanim.

    E os milhares, talvez milhões de anjos voando em todas as direções, segurando espadas flamejantes e lançando magias de fogo e gelo, e faziam o ar vibrar e trovões explodirem em luz. 

    Eles batalhavam contra outro tipo de criatura: espectros cadavéricos, de corpos apodrecidos e asas decadentes.

    Renato se viu no meio do campo de batalha.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota